Lázaro e
o rico
Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB) Dezembro
1929
Consoante se infere do assunto a que se acha subordinada
a parábola evangélica cujo título nos serve de epígrafe, parece que melhor lhe
assentaria a denominação seguinte:
O Pobre e o Rico.
Porque teria Jesus dado um nome ao pobre deixando-o de o
fazer ao rico? Qual será a razão desta razão?
Segundo supomos, o caso passou-se assim. O Mestre achou
de bom alvitre formular uma parábola sobre as duas categorias de provações... a
riqueza e a pobreza. Voltou, então seus olhos para a sociedade dos pobres, e
encontrou ali um homem paciente e resignado, humilde e cheio de fé que
suportava galhardamente a dura prova que lhe fora destinada. Esse homem chamava-se
Lazaro.
- Disse, pois, o Senhor: Eis aqui uma das personagens
para a parábola. Perscrutando, em seguida, o arraial dos ricos verificou que
eram todos ou quase todos, igualmente egoístas e duros de coração. Diante disso
concluiu o Mestre:
Denominarei esta outra figura de apólogo que vou urdir
com o nome genérico - o rico - visto como é tão difícil se encontrarem exceções
nesta classe como é difícil passar o camelo pelo fundo da agulha.
Ficou, por esse motivo, assim denominada a parábola: Lázaro
e o rico.
O rico vestia-se de púrpura e linho finíssimo. Vivia
banqueteando-se esplendidamente. Lázaro, enfermo e paupérrimo, mendigava o pão
de cada dia. Recostado aos portais do rico esperava, em vão, que se lembrassem
de lhe mitigar a fome. O rico na embriaguez dos prazeres, não o via. Tinha a
mente enevoada pelos vapores das libações alcoólicas; e o coração impassível,
mergulhado no paul (lamaçal) do sensualismo. Tão mesquinho era o seu estado de
alma, que os mesmos irracionais levavam lhe a palma em matéria de sentimentos. É
assim que os cães, condoídos de Lázaro, vinham acaricia-lo lambendo lhe as
feridas.
Eis que um certo dia a morte bate às portas de ambos:
morre Lázaro e morre também o rico. A morte, rigorosamente imparcial como é,
não distingue os ricos dos pobres, nem tão pouco aqueles que gozam daqueles que
sofrem.
No entanto, a morte nada destrói, transforma apenas. Lázaro
e o rico passaram para o plano espiritual. Ali, Lázaro é feliz, fruindo, no
seio de Abraão, a doce paz de uma consciência tranquila e a alegria de um combatente
que venceu a campanha e entra na posse dos louros da vitória.
E o rico, tendo falido na prova por que viera de passar,
sente-se confuso e humilhado com a derrota. Ralado de remorsos lembra-se do seu
passado pecaminoso; e Lázaro - aquele que virtualmente
fora sua vítima - aparece-lhe sereno e venturoso. Cena curiosa, então, se
desenrola: não é mais Lazaro que mendiga do rico; é o rico que mendiga de Lázaro,
dizendo: Pai Abraão, manda Lázaro aplacar as minhas aflições: que ele venha
suavizar, de algum modo, o fogo deste remorso que me consome. E a voz da Justiça
retruca pela boca de Abraão: Meu amigo, as condições de Lázaro e a tua são
opostas. Cada um colhe aquilo que semeia. Tu és um vencido, Lázaro é um vencedor.
Como pretendes, agora, anular num dado momento, os efeitos de uma causa que
está contigo, que foi criada por ti no decorrer de uma existência toda? Entre o estado dos que triunfam e dos que
sucumbem medeia um abismo, o qual não pode ser transposto como tu imaginas. A
natureza não dá saltos; este axioma é verdadeiro tanto no plano físico como no
espiritual. Tens que esgotar o cálice, tens que pagar até o último ceitil. As
responsabilidades contraídas na vida terrena acompanham o Espírito onde quer
que ele se encontre. Nada pode suspender o curso dessa lei.
Oh! pai Abraão, retruca o rico, cujos sentimentos começam
a despertar, graças ao aguilhão da dor: Manda alguém avisar meus cinco irmãos acerca
destas coisas, a fim de evitar que venham cair nestes tormentos. E a voz da
Justiça obtempera pela boca do Patriarca: Teus irmãos estão, como tu estiveste,
em provas. Lá mesmo na Terra há quem os advirta sobre isso. Se eles não ouvem a
esses, não ouvirão tão pouco a um mensageiro celeste. Quando os homens se
entregam à loucura dos prazeres sensuais ficam animalizados e inacessíveis às vibrações
que os anjos lhes transmitem. Como, queres, pois, que um Espírito possa
despertar teus irmãos, quando não lograram despertar-te? A Justiça se cumprirá
com eles como está se cumprindo contigo. A dor os ensinará a compreender a
responsabilidade em que todos se acham perante a Soberana e indefectível
justiça de Deus. A dor lhes fará saber e
sentir que aqueles a quem muito é dado - seja em bens espirituais, seja em
bens temporais - muito será exigido; ensinará também que homens são responsáveis,
não só pelo mal que praticam, como pelo bem que, podendo, deixam de praticar.
E o rico conformou-se, compreendendo que – “dura lex, sed
lex”.
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