É
preciso ter confiança em Deus
Túlio Tupinambá (Indalício Mnedes)
Reformador (FEB) Abril 1958
Tem-se
aludido com frequência à penúria em que estaria vivendo o clero, a ponto de pretenderem
para ele o “salário mínimo”, em vista de escassearem missas e batizados. Foi o
arcebispo de Belém do Pará, D. Alberto Gaudêncio Ramos quem, no jornal “Santuário
da Aparecida” – órgão oficial da rica basílica de Aparecida, Estado de São
Paulo, quem levantou a questão. Esse mesmo jornal, em sua edição de 2 do Fevereiro,
publica: “Depois de analisar a aflitiva situação dos padres, o metropolita da
Amazônia afirma: “Problema do mais angustiosos para um coração de bispo é o da
manutenção do Clero. A Santa Sé expressa o desejo de abolir completamente a
cobrança de espórtulas por ocasião da administração de Sacramentos,
e não há quem não perceba o largo alcance
dessa medida. Afastaria a aparência de
mercantilização de funções sagradas. Mas, por outro lado, como prover a subsistência
dos sacerdotes?"
Vejamos primeiro se há razão para o bispo sofrer tanto com
o problema da manutenção do Clero. Na mesma edição do referido órgão católico, sob
o título “Nova Basílica”, lê-se: “Estão
chegando donativos de toda a parte do Brasil.” No texto: São também numerosíssimos os donativos
enviados ou entregues na portaria do convento dos Redentoristas. Pequenas ou
grandes quantias, tudo é entregue com devoção e desprendimento.” É
mencionado o envio de um cheque de cinquenta mil cruzeiros, mais outro cheque de
duzentos mil cruzeiros, além de valioso donativo de um engenheiro! “Nós fazemos questão de dar todo o cimento
branco que for preciso para a construção.”
Fatos como esses ocorrem no Brasil inteiro, onde os
crentes comprovam sua fé pelo valor em cruzeiros dos donativos... Então, não
seria cristão que parte da astronômica dinheirama que se destina a construções,
reconstruções e reparações que raramente se consumam, se destinassem a socorrer
o pequeno clero, em vez de se dirigir somente para o alto clero? Dinheiro não
falta: o que falta é uma distribuição equitativa. Considera o arcebispo que a
abolição da cobrança das espórtulas, como deseja a Santa Sé, seria medida de “largo alcance” porque “afastaria
a aparência de mercantilização das funções sagradas”.
Realmente, seria pena que somente
fosse afastada essa “aparência”. O ideal é que se extinguisse a realidade...
Sente-se que o Catolicismo quer renovar-se, mas o hábito do cachimbo deixa a
boca torta. E, já agora sem cerimônia, ele alude à organização da Igreja
protestante: “0 pastor protestante, por exemplo, nada recebe quando raramente
batiza um crente mas perceberá depois, mensalmente, o seu dízimo, além do
ordenado fixo que, quase sempre, aufere da Sociedade Bíblica ou da Igreja a que
pertence, e que lhe permite manter vida confortável
e família numerosa.
Ora, vejam só. Quem diria que o clero católico algum dia
procurasse demonstrar algo de melhor no protestantismo? É bem verdade que há
sempre uma pimentinha para arder no olho dos protestantes. Aquele “quando
raramente batiza um crente” ali está para lembrar que ainda ninguém procura o
protestantismo para batizar-se. Na verdade, o movimento do negócio é bem maior
do outro lado... mas não está rendendo mais do que rendia. Naturalmente, tal
como está, o sacerdote não se encontra no mesmo pé de igualdade do pastor,
porque, diz o bispo, este pode “manter vida confortável e família numerosa...”
Mais generoso com o clero, do que tem sido a nossa boa e crédula
gente, é impossível. O arcebispo, no entanto, denota insatisfação: “Diante desse vexatório estado, urge que o
nosso povo, tão generoso para outras coisas, vá modificando sua mentalidade e
aprenda a ser generoso também com os padres.” Esta franqueza é de surpreender.
Está quando um milagrezinho chegaria a tempo. Se há tantos, e tão rendosos
milagres, porque, então, os santos não ajudam o clero, contendo a dispersão dos
crentes? Cada vez mais, com a evolução do tempo, profissionalismo religioso se enfraquecerá.
Todos os homens necessitam de prover o próprio sustento, a exemplo de Paulo de Tarso
que, apesar seus deveres de apóstolo, trabalhava como qualquer outro homem em
prol da própria subsistência. Lembramo-nos daqueles versículos de Mateus que
falam nos pássaros do céu e nos lírios dos campos, terminando assim: “Não vos inquieteis, pois, dizendo: Que comereis?
ou: que beberemos? ou: de que nos vestiremos? - como fazem os Pagãos, que andam
à procura de todas essas coisas. Porque, vosso Pai sabe que tendes necessidades
delas. Buscai primeiramente o reino de Deus e a sua justiça, que todas essas
coisas vos serão dadas de acréscimo. Assim, pois, não vos ponhais inquietos
pelo dia de amanhã, porquanto o amanhã cuidará de si.”
Essas coisas, que são ditas aos crentes, devem ser
Igualmente exemplificadas pelos pregadores profissionais. Portanto, não deve
haver tanta aflição, porque a angústia pode ser interpretada como falta de fé.
Achamos igualmente esquisito que um comentário do referido órgão católico fale
em “grande posição social” dos sacerdotes... Isto pode estabelecer confusão com
a “grande posição social” de ilustres personagens do "café- society...”
Vejamos outros trechos interessantes do artigo em questão:
“O povo do interior tem, as vezes, a
impressão de que o padre ganha muito dinheiro, quando vê o número de batizados
que ele faz num dia de festa, mas não se lembra de que aquele dia, ocorre
apenas uma vez por ano.” Sem dúvida, “o povo do interior” é atento
observador dos fatos e a prova está no declínio acusado pelo bispo, em relação
aos proventos arrecadados pelo pequeno clero. Sabe o que
se passa com o alto clero e não quer o povo deixar-se iludir, porque luta
duramente pera viver, sobrecarregado de impostos e forçado a pensar também nas
suas responsabilidades de família. O bispo termina deste modo: “Episódio que se
repete todos os domingos: padrinhos ou pais das crianças gastam 200 ou 300
cruzeiros de automóvel para ir à Igreja, três ou quatro mil cruzeiros em doces,
guaranás, cervejas e uísques, porém, quando tiram Cr$ 50,00 para a espórtula do
batizado, ainda ficam à espera do troco... e saem falando mal do padre! E os grã
finos? Nem é bom falar...” A que minúcias, bom Deus, chega o teu pretenso
representante na Terra, Senhor! A que minúcias! No entanto, é preciso retificar
o título do artigo do arcebispo de Belém do Pará: em vez de “O clero é digno de
melhor posição financeira”, deveria ter sido: “de melhor posição econômica”... Um
sacerdote não deveria jamais preocupar-se com a sua “melhor posição financeira”.
Entendemos que isto poderia dar mais que falar... “Posição econômica” ainda vá...
As coisas, consequentemente, não andam muito favoráveis.
Culpe-se, não a inflação que domina o País, mas as ideias modernas, que estão
dando ao povo maior compreensão das coisas, maior cultura para a compreensão da
Verdade (com “v” maiúsculo), durante séculos oculta por detrás de preconceitos
dogmáticos que impediam a iluminação dos espíritos. E será bem pior daqui para
o futuro... Os velhos tempos passaram, vão morrendo, sem possibilidade alguma
de ressurreição. Como diz o Evangelho de Mateus: “Observai os pássaros no
céu... Observai os lírios dos campos...” E tudo há de se conseguir, havendo fé,
aquela fé capaz de remover montanhas...
Afinal, é preciso ter confiança em Deus...
P. S. - Os grifos são
do autor.
Do Blog: Só mudou o
segmento religioso... Mudou?
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