Agora, arrima-te
em meu braço
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Março
1958
- Negas a existência da alma? Contestas a realidade da
vida espiritual? Afirmas que tudo é matéria? Asseguras
que fora do mundo físico nada existe? Peço-te humildemente perdão. Jamais supus
que a tua sabedoria fosse tão grande...
*
A propósito: vês esta formiguinha que diligente passa inquieta
em busca de alguma coisa? Tu, que és sábio, poderás fazer uma formiguinha igual
a essa, que se move para onde quer, que ataca ou recua, avança ou se defende? Será
que terás o poder para fazê-lo? Diante do que disseste amigo, não me é lícito duvidar
da tua sabedoria.
*
- O homem tem procurado imitar a Natureza usando todos os
recursos que a inteligência lhe dá. Se nada
existe fora do mundo físico, então a inteligência nada mais é que uma manifestação
da matéria. E a matéria, meu irmão, sente, sofre, ama, sofre, experimenta todas
as gradações emocionais? Evidentemente, sim, segundo a tua sabedoria. Como
explicar, no entanto, que matéria e sentimento sejam uma só coisa? Perdoa-me
a profunda ignorância em que vivo. Faze a caridade de romper as muralhas do
desconhecimento, que me trazem prisioneiro, e me ensina um pouco da tua sabedoria.
*
Tenho meditado sobre tudo quanto me disseste, irmão. Todavia,
não consigo compreender o que dizes. Desce do cume do saber, em que te achas; vem
à planície da ignorância, onde me encontro. Salva-me do naufrágio da
incompreensão e ensina-me com base sólida que não há alma, que a vida espiritual
não existe, que fora do mundo físico nada se encontra. Sinto dentro de mim uma
força interior, que vem de algo que não posso definir. Tenho aspirações,
sonhos, anseios, emoções, pressentimentos, visões que antecedem a consumação
dos fatos. Isto tudo me parecia partir da alma que vitaliza meu corpo. Agora, porém,
minha insciência se curva, derrotada, diante da onipotência de teu saber. Quem
sou eu, que nada sei, em face de ti, que tem a fronte emoldurada pela sabedoria?
*
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- Quem, és? Porque choras? Qual a razão do desespero que te
atormentas? Dize, irmão: quem és?
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Sei que te chamam Galaor. De mim, que poderei dizer? Um
dia, na Terra, encouraçado na vaidade, te afrontei com a sabedoria que julgava
ter acumulado.
Neguei a alma, contestei a
realidade da vida espiritual, afirmei que tudo é matéria e que fora do mundo
físico nada existe... Lembras-te de mim, Galaor?
- Sim. Prossegue...
- Deixei o envoltório carnal e me surpreendi. As minhas
negativas começaram a pesar sobre mim, porque avultava ante a minha percepção a
grandeza da vida espiritual. Busquei meu corpo e vi-o inerte, sujeito às
transformações determinadas pela morte. Lentamente fui-me apercebendo de
verdades que desconhecia, e, por desconhecê-las, negava-as. Pensava que tudo fosse matéria... Hoje,
soam-me aos ouvidos as tuas palavras: “-Peço-te humildemente perdão. Jamais
supus que a tua sabedoria fosse tão grande.”
*
Galaor
contemplava, sereno, o Espírito inquieto que permanecia diante de si. A doçura
de seu olhar constituía um bálsamo para o visitante intranquilo.
Amigo: a verdadeira sabedoria não está em negar o que se
desconhece, mas em libertar-se de hábitos e preconceitos enraizados, para se admitir
a possibilidade de revelações novas. O sábio que se prende irremediavelmente a
ideias fixas, renuncia ao princípio inicial da sabedoria, que é a evolução. Nada
está destinado à estagnar: tudo passa por transformações, impostas pela lei do
progresso. Principalmente o espírito humano. Há a realidade física como há também
a realidade não física. Empolgado pelas conquistas da ciência, o homem esqueceu
da alma. Na ânsia de automatizar suas atividades, perdeu a lembrança do
espírito, escravizando-se a si mesmo. Mas a morte é uma das lições que redimem
o ser humano dos preconceitos adquiridos. Ela se exerce através dos tempos, promovendo
desencarnações propiciatórias de esclarecimentos como o que acabas de ter. Como
o espírito reencarna e volta, como todos os operários, à oficina de trabalho,
terás novas experiências a realizar no mundo físico e as de guardar a lembrança
destes instantes. O saber adquirido é patrimônio que não perderás. Entretanto, melhor
orientado agora, saberás utilizá-lo,
porque sentirás o que o orgulho te permitira, antes, percebe-lo.
Agora, arrima-te em meu
braço...
Depois de longos esclarecimentos, Galaor silenciou. O
visitante estava perplexo. Porém, humilde e reverente, confessou:
- Quando supus ser sábio, ignorava muito do que acabas de
revelar-me. Onde então, a minha sabedoria? Distancio-me tanto de ti, que me envergonho
da atitude de vã superioridade que
mantive. Não compreendia, sinceramente, que teus conhecimentos fossem tão vastos
e a tua humildade ainda maior do que eles. Agora entendo porque meus sentimentos
estavam embotados, a ponto de me impedirem vislumbrar as belezas do mundo dos
Espíritos. A legítima sabedoria está na compreensão da Verdade e a Verdade está em todas as coisas que
nos rodeiam, quer no plano invisível, quer no plano visível. Sim, agora, graças a ti,
Galaor, compreendo que a Verdade está mais perto de nós do que acreditamos. Nossas
deficiências é que nos afastam dela e nos forçam a ter uma noção errada dos problemas do Ser. Ah, Galaor,
Galaor! Quanto te devo nestes poucos instantes de esclarecimentos! Quanto me
disseste que me seria possível fazer uma formiguinha igual àquela que me
mostravas com simplicidade, havia sabedoria na tua pergunta. No entanto, nem
sequer te dei resposta porque considerei fútil a interrogação. Alcanço neste momento
a importância do que indagaste. Com toda a sua sabedoria, pode o homem fazer
uma simples formiguinha, dando-lhe vida? Insensato que fui! Nas coisas mais singelas
ou mais complexas, afirma-se a Inteligência Suprema! Sim, Galaor, agora,
somente agora é que consigo compreender a pequenez do homem em face de Deus!
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Espírito que se confessava vencido, iluminando-o,
enchendo-o de paz, Galaor, conservando a mesma atitude respeitosa em que se
havia postado, sorriu, feliz, e consumou a festa magnífica dessa noite
maravilhosa, com uma frase que era toda uma prece:
- Louvado seja o Altíssimo!..
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