O
Temor do Inferno
por Djalma de Matos
Reformador (FEB) Janeiro
1942
A crença na
existência do inferno... O temor do inferno, como mansão de penas eternas, como
lugar destinado a sofrimentos horríveis que jamais têm fim, para as desditosas
almas que nele, por suprema desgraça, chegam a ingressar, - se em outras eras,
de maior atraso moral e intelectual, teve a sua utilidade, para refrear instintos
perversos de consciências endurecidas no crime e na impiedade, já agora, na nossa época, em que predomina o livre pensamento, o livre exame e a livre
manifestação da ideia, malgrado ao sangrento esforço em contrário dos fazedores
de guerra, é de todo ineficaz e contraproducente.
Causa
estranheza que os sacerdotes das igrejas se empenhem, com tanto zelo, em
propagar tal crença, como se fosse ensinamento cristão, quando, evidentemente,
não há nada mais contrário ao espírito do Cristianismo, que se inspira no amor
e no perdão, pregados e exemplificados pelo seu excelso fundador.
Esse dogma,
incompatível com o grau de evolução mental e espiritual a que chegamos, não
pode mais ser aceito sinceramente por quem tenha a faculdade de raciocinar.
Se a uma
criança, que vive num meio em que ainda não penetraram os melhoramentos da
civilização, alguém quiser assustar com o papão,
é bem possível que consiga o seu intento. Usar, porém, do mesmo expediente com
um menino ou menina, que se acostumou a andar de automóvel, a ouvir rádio, a
assistir cinema e a ver aviões cruzarem os ares quase que diariamente, o efeito
será negativo, porque, dispondo de elementos para raciocinar e esclarecer-se,
compreenderá logo o absurdo da ameaça.
Acontece,
não obstante, que muitas crianças ladinas fingem acreditar no papão, para não parecer que estão
convencidas de que os maiores - quase sempre os pais - não estão falando a
verdade, e se esforçam, a seu turno, por convencer aos mais pequenos da real
existência do papão.
O mesmo fenômeno
mental, ou psicológico, conserva-se nos pregadores e fiéis das igrejas cristãs,
em relação à existência do inferno, com a condenação eterna e Satanás. São, por
via de regra, bastante inteligentes e sensatos para intimamente não aceitarem
tais absurdos, incompatíveis com a noção que se deve ter da justiça de Deus,
equânime e misericordiosa, mas, fingem acreditar - os pregadores, por amor á intangibilidade do dogma, que juraram defender, e os fiéis, porque se sentem no
dever de proclamar como verdade indiscutível tudo que sai da boca dos sacerdotes
de sua infalível religião. Jesus jamais se referiu a inferno como mansão circunscrita de
penas eternas e sim como planos, ou diversos estados, em que as almas pecadoras se
encontrarão pelos sofrimentos e expiações: as trevas exteriores, onde haverá
"choros e ranger de dentes", para as criminosas, endurecidas,
impenitentes, e o "fogo", fogo das más paixões e dos desejos impuros,
para as viciosas de toda especie.
Amai a Deus
sobre todas as coisas - Amai ao próximo como a vós mesmos - Amai-vos uns aos outros - Não façais aos outros o que não quereis que
vos façam - Perdoai para serdes perdoados - Perdoai não sete vezes, mas setenta
vezes sete - Não julgueis para não serdes julgados. .. Estes ensinamentos que
se confirmam e se completam uns aos outros, repetidos, quase todos, várias
vezes, no Evangelho de Jesus, consubstanciam os fundamentos de sua santa e
consoladora doutrina, como ninguém poderá negar.
E, assim
sendo, porque querer obscurece-los, dando mais importância a frases isoladas,
atribuídas ao meigo Nazareno, que falam em inferno, condenação e satanás, e
que, se realmente proferidas, por Ele, se não referiam a estados transitórios
das almas pecadoras, só podem ser levadas à conta de força de expressão?
Como admitir
que o Divino Messias fosse incoerente e contraditório, certificando da bondade
e misericórdia do Pai, e ao mesmo tempo, ameaçando com a vingança extremada
desse mesmo Pai, com a condenação eterna e satanás?
Oh! Cegueira
dos homens! Dizem-se cristãos, mas, como não encontram em seus corações a
predisposição para o amor e o perdão, que o Cristo pregou e exemplificou,
querem ver, de preferência, nas suas palavras, o inferno e satanás, à previdente
sabedoria e misericórdia de Deus, que elas revelam - a condenação e a intolerância,
ao "perdoai setenta vezes sete vezes"
- o exclusivismo de seita, ao "amai-vos
uns aos outros" - a hostilidade em nome da fé, ao "não façais aos outros o que não quereis que
vos façam" - o direito de julgar em nome do Cristo, à sua formal
declaração de que não veio para julgar o mundo e sim para salvá-lo, e ao
conselho de não julgarmos para não sermos julgados. Como não querem reformar-se, para adaptar os atos aos
preceitos evangélicos; lidam por moldar o Cristianismo ao sabor de suas mentes
e sentimentos.
Nós,
espíritas, temos convicção de que não existe inferno com condenação eterna, nem
diabo ou satanás, rival ao mesmo tempo que carcereiro de um Deus vingativo e
cruel. Para nós, Deus é pai de amor e misericórdia, que não quer a perdição de
nenhuma de suas criaturas, e nenhum poder contrasta à sua vontade onipotente e
sabedoria infinita.
Sabemos que
nas consequências do nosso modo de agir neste mundo - em pensamento, palavra e
atos - estão a punição e a recompensa.
Os crimes
que cometemos, os vícios que adquirimos, as imperfeições que conservamos,
aderem à nossa personalidade e, ao desencarnarmos, levamos no perispírito - no
corpo espiritual a que se referia S. Paulo - esse lastro indesejável, que
mantém o nosso ser preso à pesada atmosfera da Terra, impedindo-o de elevar-se
e de evoluir. É possível que, não sendo a carga muito pesada, ainda no estado
de desencarnados possamos dela livrar-nos, por um vigoroso e persistente
esforço da vontade. O regular, porém, - o que por via de regra acontece, é
termos que reencarnar na Terra, algumas ou muitas vezes, para, experimentando o
mal que fizemos aos outros, padecermos, sofrendo com aquilo que antes nos deu ilícito prazer, e nos irmos corrigindo e
depurando.
Neste processo
de depuração, mais ou menos doloroso, mais ou menos prolongado, conforme as
imperfeições a corrigir e a força de vontade empregada, consiste o inferno
aceito e reconhecido pelos espíritas, o qual, por não ser eterno, mas transitório,
condicionado às circunstâncias de cada caso e consentâneo com a bondade e
sabedoria do Criador e com as esperanças da criatura, é tomado mais a sério,
concorrendo muitíssimo mais para a regeneração da humanidade do que o temor
absurdo das penas eternas.
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