Entre o desespero e o burlesco
Túlio tupinambá (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Junho 1959
Vimos
e ouvimos, na terça-feira, 12 de Maio, o que disse e fez, diante das “câmeras”
da Televisão Tupi, aquele já conhecido e patusco frade OFM, em mais uma
tentativa de demonstrar que os fenômenos espíritas não existem. Como sempre,
esse frade estava acompanhado dos comparsas indispensáveis à encenação da
comédia. Um destes até, coitado, tinha a fisionomia contrafeita, parecendo vítima
de hebefrenia (forma de
esquizofrenia com comportamento irresponsável e imprevisível). E foi justamente o comparsa
principal.
O
frade, sabidão, respondeu a perguntas do animador do programa, perguntas talvez
do seu prévio conhecimento, pois que logo, lépido, ilustrava as respostas com
material apropriado. Fez vulgares experiências de auto sugestão, inclusive a de
o paciente demonstrar insensibilidade ante a picada de uma agulha, espetáculos
estes, além de outros do mesmo gênero, que o frei vem apresentando burlescamente
nos palcos de várias cidades brasileiras, infringindo o que preceituam os hipnologistas
médicos, odontólogos e psicólogos de todo o mundo. É evidente que os “sujets”
dessa experiência já estão familiarizados com as "mandingas" do
frade. Primeiro, este simulou escolher ao acaso, no auditório, alguém que o
ajudasse no trabalho. Esse expediente já é muito batido! Conversa vai, conversa
vem, porque o frade é bom conversador pôs-se a dizer que a magia negra é mera
sugestão, acabando, num gesto de herói cinematográfico, a desafiar todos os
exus do mundo para ataca-lo, porque ele, valente e audaz, como o “mocinho” dos
filmes, nada teme! Divertido e pitoresco. Sobretudo, pitoresco, pitoresco...
Exibiu
fotografias colhidas em “terreiros” de Umbanda e Quimbanda, aos quais
compareceu, como espião trivial, disfarçado: calças de homem, camisa-esporte,
aberta displicentemente, para fingir condição humilde, e a Indispensável boina,
incumbida de ocultar a sagrada coroinha. A que ponto desce uma religião em
desespero! Até onde podem ir sacerdotes dessa religião, que abandonam os trajes
tradicionais e se disfarçam como qualquer espia para agir na
sombra, traiçoeiramente, sem respeito ao que está no Evangelho: “1. Sabeis os mandamentos:...... não prestareis
falso testemunho; não fareis agravo a ninguém.” Está claro que não
interessa ao frade nem à sua Igreja pensar no Evangelho, onde não há aprovação
para tais procedimentos. Eles, entretanto, preferem atacar dissimuladamente o
Espiritismo, esgueirando-se pelo tema da superstição, ainda que os recursos
sejam a mentira e a simulação. Solerte e suspeitamente, o frade OFM deixou
firmado que o seu propósito não é combater as “outras religiões”, mas a
confusão religiosa" que certos indivíduos fazem, frequentando
alternadamente missas e reuniões espíritas, embora se afirmem católicos.
Ora,
semelhante argumento, em vez de fortalecer a situação da Igreja, contribui para
evidenciar a fraqueza em que se acha. Aludiu ele ainda à Maçonaria e ao
Protestantismo, mas este não a preocupa muito, pois a sua dor de cabeça é o
Espiritismo.
Nédio
(de aspecto
lustroso, devido à gordura) e roliço, bem nutrido e feliz, de burel (vestimenta de religiosos) novo, coisas que nem sempre sucedem a muitos infelizes
padres e frades aqui do Brasil, o frade OFM tem marcante preferência pelo
Espiritismo, o que é natural, pois ele oficialmente chefia o movimento católico
contra nós, tendo sido cognominado pela revista "Vozes", de Petrópolis,
“o Apóstolo Anti-Espírita do Brasil”.
Pôs-se
a citar a Umbanda, embarafustando pela Quimbanda, metendo-se em “despachos” e para
deslumbrar pacóvios (imbecis), falou em “babalaôs “, “orixás”, “pais
de santos”, “exus”, “congás” e por ai a fora. Evitou escrupulosamente mencionar
“espíritos”, pois tem predileção por “demônios”, guardando fidelidade ao
vocabulário tradicional da Igreja.
Afinal,
tentou fazer uma “salada”, dando a entender aos tele ouvintes incautos que o
Espiritismo é aquilo que apresentou. As pessoas realmente inteligentes e
atentas, que não sejam inteiramente desconhecedoras de certos princípios
doutrinários do Espiritismo, não se iludem com a conversa fiada do
frade, malgrado a habilidade indiscutível que ele possui para engodar e desvirtuar as coisas,
apresentando-as deformadas, a seu jeito. Quando afirmou que a maioria dos espíritas
frequenta igrejas católicas, por exemplo, não disse apenas audaciosa mentira,
mas inverteu também a ordem dos fatos, porquanto incontáveis são os católicos,
frequentadores assíduos de missas e deglutidores de hóstias, que recorrem ao
Espiritismo, não somente em busca de esclarecimento espiritual, corno para
solucionarem problemas morais angustiantes, que não podem ser resolvidos por
meio de milagres pré-fabricados, como outrora, porque a época dos milagres já
passou e o povo não mais se deixa engazopar (enganar) tão facilmente por prestidigitadores e mistificadores.
Na
realidade, os católicos por convicção diminuem dia a dia, crescendo incessantemente
os católicos por mera tradição de família, os católicos de superfície, aqueles
que são católicos por fora, enquanto, por dentro, confiam no Espiritismo. O
frade compartilha o alarma da sua Igreja e faz “curso” pessoal de Espiritismo à
sua moda, embrenhando-se na Quimbanda, fazendo sortidas nos “terreiros” de
Umbanda, espionando, na ânsia de descobrir uma saída para a sua religião,
desespiritualizada e politiqueira.
Quem
ingressa no Espiritismo e estuda Kardec, iluminando-se ao clarão de “0
Evangelho segundo o Espiritismo” das obras psicografadas por Francisco Cândido
Xavier, das de autoria de vultos eminentes, como Flammarion, Bozzano, Léon Denis,
Aksakof, Roustaing, etc. não sente qualquer atração pela Igreja, porque ela está
sem o legítimo espírito de caridade cristã.
O
frei OFM bem que sabe disso. Nem os espíritas se esfalfam no proselitismo,
porque não ignoram que cada criatura humana, sem distinção de credo, raça e
posição social, está sujeita a incoercível determinismo espiritual e tem
problemas que os padres e os frades com confessionário ou sem ele, não
conseguem nem conseguirão solucionar, por se encontrarem divorciados de Jesus e
por não aceitarem a equação lógica de circunstâncias criadas pela
responsabilidade moral que a Doutrina Espírita explica e resolve.
O
frei em questão lembrou-se, no citado programa de TV, de realizar (?) a
experiência da “mesa girante”. Foi uma brincadeira de mau gosto, por subestimar
a inteligência dos telespectadores. Somente as criaturas simplórias poderão
iludir-se com a farsa representada. Ficaram dois comparsas do frade de um lado
da mesa de quatro pês, e um outro do lado oposto. Por “curiosa coincidência”, a
mesa, apoiada nos dois pés que se achavam do lado do terceiro figurante, era disfarçadamente
empurrada contra este pela só pressão das mãos sobre o canto da mesa, feita
pelos dois outros, como claramente se podia ver. Dessa maneira, forçosamente, a
mesa se inclinava sobre o lado onde a pressão era estática, se podemos dizer
assim, estabelecendo resistência à força da pressão dinâmica proveniente das
quatro mãos espalmadas em sua superfície junto à borda. Farsa tão ridícula se
mostrou que chegamos a duvidar da inteligência do referido frei OFM.
Quem
não sabe ainda e quiser saber como age a “mesa girante”, deve ler o excelente
livro de Zêus Wantuil – “As mesas girantes e o Espiritismo” escrito com isenção
de ânimo e elevado critério descritivo e analítico.
Poderá, assim, capacitar-se da grosseira burla cometida premeditadamente pelo
sagacíssimo frade, no programa de televisão de 12 de Maio último. Não resta dúvida
de que tudo isso tem constituído boa propaganda do Espiritismo e principalmente
da Umbanda. Depois de ver, ler e ouvir as sandices do frei, não são poucos os que
procuram informar-se melhor, tanto que o índice de venda de obras espíritas
sobe mais nessas ocasiões. Acolhamos, pois, com indulgência, essas palhaçadas
hostis ao Espiritismo, embora reduzindo-as às proporções mesquinhas que
realmente possuem.
Prossigamos.
Em dado momento, o frade teve a má ventura de mostrar a fotografia de um “congá”
(altar) com imagens de santos católicos, alguns dos quais pareceu desconhecer, confundindo-lhes
os nomes ou vacilando ao procurar identificá-las. Criticou os umbandistas por
usá-los em cerimônias ditas pagãs. Pode a Igreja Católica atirar pedras no telhado
desse seu incômodo vizinho? Afinal, a Umbanda é o vizinho mais próximo do
Catolicismo, pois representa uma atividade eclética, uma simbiose
católico-espírita, onde se pode notar perfeitamente a evolução das práticas
católicas para as práticas espíritas. Mais cedo ou mais tarde, o umbandismo se
irá purificando e abandonando essa natureza eclética, desfazendo-se do ritual
catolizado, para dedicar-se exclusivamente ao trabalho Espírita. A Umbanda pode ser, pois,
encarada como uma transição entre o Catolicismo agonizante e o Espiritismo em
crescimento. Na Umbanda há, de mistura com ações de natureza espirítica,
práticas nitidamente católicas, com imagens de santos, altares, vestes próprias,
cantorias, defumações, etc. Lembremos que o Catolicismo, para sobreviver ou
para dominar, transigiu com o paganismo, adotando muitas cerimônias pagãs. O
seu culto demonstra positiva influência desse largo período de assimilação e
fixação litúrgica; herança que lhe deixou o paganismo absorvido. Porque, então,
o frade investe tão ferozmente contra a Umbanda, que segue as pegadas da Igreja?
Não está nos dez mandamentos: “Não fareis
imagem esculpida, nem figura alguma do que está em cima no Céu, nem embaixo na
Terra, nem do que quer que esteja nas águas sob a terra. Não os adorareis e não
lhes prestareis culto soberano”? Onde e quando se acha, no “Novo Testamento”
que Jesus teve tratos com imagens, conduziu-as ou se pôs a adorá-las e cultuá-las?
No entanto, é o que se faz secularmente na Igreja Católica e é o que esta, por
intermédio do frei da ordem dos franciscanos, membro do seu “Intelligence Service",
censura na Umbanda...
Entretanto,
o melhor da festa foi o fim.
O
frade agarrou com a mão direita uma imagem, que tanto podia ser de um exu católico
como de um santo umbandista. Disse ele que era a imagem de um exu... Ergueu na
esquerda o crucifixo. Teatral, qual um Orson Wells de burel, os dois braços
esticados para cima, pronunciou palavras cuidadosamente estudadas e conservando
erguido o crucifixo, lançou com ira a imagem ao chão, espatifando-a! O desespero
se transfigurara no burlesco!
Desceu
o pano. Terminou o espetáculo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário