quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Sombras que dançam


Sombras que dançam
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Setembro 1946


            Há muita similaridade entre o educador e o escultor. Este transforma a pedra bruta num primor de arte, dando-lhe forma, beleza e vida: aquele esculpe caracteres, orientando os espíritos juvenis, esclarecendo-os, ensinando-lhes a viver superiormente a vida. Tão árdua e santificante missão é muitas vezes incompreendida e subestimada.

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            O educador consciente de sua tarefa é, quase sempre, um Pigmalião apaixonado pela Galatéia de seus ideais - a educação. Todavia, quantos sacrifício, quantas injustiças, quantos desenganos enchem o caminho áspero do educador! O coração dos professores integrados nos altos desígnios educacionais é como o sândalo: a cada golpe que sofre, enche o ar com o perfume suave da sua dedicação.

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            Todo ser humano é como um candeeiro de óleo. Se o óleo é bom, a luz é boa e se irradia melhor. Porque, ó Deus! Sou prisioneiro da treva?

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            A sabedoria do homem é tecida de dores e amargas experiências. São as desilusões que enriquecem o patrimônio espiritual. Às vezes, a vida se enfeita de fantasias sedutoras, mas os desenganos, não tardam. Assim, o tamarindo: o primeiro sabor é agradável, mas logo o travo (amargor) comprime a boca...

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            Os prazeres grosseiros embotam a alma; os sofrimentos, no entanto, a depuram. Todos abominam a dor; ela, porém, quase sempre se oculta atrás dos prazeres...

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            "A vida da religião é fazer o bem" - disse-o Swedenborg. Fazer o bem é, por si mesmo, uma religião. O verdadeiro crente não semeia espinhos, não se prende a exclusivismos sectários, não para no caminho, ensimesmado, perdido nas brumas dos dogmas irracionais. Fazer o bem, sempre, indistintamente, é cultivar a glória do Criador. Todas as religiões procuram o bem e se não orientam o homem nesse sentido, pela doutrinação e pelo exemplo constante, para o amor e a caridade, não são verdadeiramente religiões, mas apenas mistificações.

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            A dor pode ser uma advertência. Se sofres, medita sobre o que fizeste ou pensaste, porque não há efeito sem causa, nem causa sem efeito. O sofrimento pode indicar ter havido uma transgressão às leis inflexíveis e imutáveis a que tudo, no Universo, está subordinado. Sim, porque Deus não castiga, pois Ele é todo amor, todo bondade, todo misericórdia. Portanto, não há punições divinas; há leis.

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            Segundo Sócrates, "o filósofo se reconhece pelos atos e não pelas palavras". O cristão também...

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            Eutifron ia denunciar o próprio pai, acusando-o de impiedade. Sócrates, embora sob a acusação torpe de Meleto, esqueceu-se de si para salvar o pai de Eutifron, lembrando a este que, antes de sacerdote e cidadão, era homem e filho.

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            Os tempos estão mudados. Há espanto quando alguém procede virtuosamente... É que a virtude está como o pão para o pobre: fugidia...

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            Homem: vive hoje o teu dia da melhor maneira que puderes, sem restringir ou ofender os direitos dos teus semelhantes. Deixa o amanhã em paz.

            Prepara o teu espírito para que ele não se surpreenda com o porvir, mas não sacrifica o dia de hoje pelo de amanhã. O amanhã não existe para aquele que cumpre seus deveres e sabe viver muito bem a hora presente.

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            Se a dor bateu à tua porta não grites, não blasfemes, não te desesperes. A confusão aumenta o sofrimento. Medita recolhendo-te ao silêncio e entregando tua alma a reflexões sérias. Faze teu exame de consciência e retifica teu rumo, porque ninguém sofre por culpa de outrem...

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            Amigo: estanca tuas lágrimas de desespero pela partida inesperada do filho querido. Transforma tua dor numa prece glorificadora e aprende que tudo tem sua razão de ser. Relembra a resposta sábia de Buda àquela mãe aflita que, conduzindo o filhinho morto ao colo, lhe pedia um remédio que o salvasse. E Buda disse-lhe gravemente: "Fizeste bem em procurar-me... Vai à cidade e traze-me uma semente de mostarda da casa onde não haja morrido ninguém". Na ânsia de atender à criancinha que sustinha entre os braços, a mãe percorreu, cheia de esperança, algumas casas. Não encontrou, porém, uma só que pudesse atender à condição mencionada por Buda... Compreendeu, então, o alcance do conselho do sábio. Triste, mas serena e conformada, dirigiu-se a um cemitério, deitou a criança na terra e, apertando-lhe as mãozinhas enregeladas, disse-lhe num resignado tom de despedida: "Filhinho, adeus! Eu pensei que a morte somente viera para ti, mas compreendo agora que ela é comum a todos..." E, apresentando-se a Buda, tornou-se sua discípula.

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            A pobreza do pobre é a sua tranquilidade; a riqueza do rico, o seu pesadelo... “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus”

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            O caráter do homem não tisna o ouro, mas o ouro corrompe o caráter do homem fraco. Por isto, ó mendigo! abençoe a tua miséria, porque, apesar de teus sofrimentos, podes ser mais rico de tranquilidade do que os argentários mais poderosos.

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            Cuidado! Refreia a língua! Lembra-te do que disse o Nazareno aos fariseus e escribas, em Jerusalém: "Não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, é isso o que o contamina, pois tudo o que sai da boca vem do coração, e isto contamina o homem".

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            A Humanidade tateia no espesso nevoeiro da inquietação, acicatada ainda pelos desvios de uma educação materialista. Os homens buscam novas guerras, persuadidos de que a paz se esconde atrás delas... Há ainda o odor de sangue em todas as narinas, e os escombros fumegantes de cidades destruídas espelham a inferioridade moral de gerações transviadas e enceguecidas...

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            Multidões de vencidos gemem e choram, atormentados pela fome e pelo desalento. A vindita dos vencedores não perdoa os vencidos, porque o espírito do Cristianismo foi afastado do seio das massas pelas elites "culturais"... Corrigem-se erros com outros erros, apagando-se as nódoas de sangue com mais sangue... Os vencidos são espectros que não inspiram apenas pavor, mas comiseração: sombras trementes em danças macabras. E dizer-se que, há cerca de dois mil anos, Aquele que é a Luz do Mundo se deixou imolar para legar aos homens eloquentes exemplos de amor, paz, humildade, renúncia, perdão e tolerância...
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            Enquanto se tentar afogar o ódio no ódio, a guerra perseguirá os povos. Só o amor edifica, só o perdão esclarece, só a tolerância ameniza as tempestades do coração humano. Vivemos num mundo cristão sem Cristianismo. Os homens continuarão a sofrer pelos próprios desacertos, inquietos, impacientes, desconfiados, vingativos. Frementes e indecisos, passam pela vida como sombras, como sombras trementes em danças macabras...

2 comentários:

  1. Excelente trabalho, sou espirita com grande dificuldade em ser aceite por ser um adepto dos 4 Evangelhos
    Bem hajam
    Lisboa - Portugal

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  2. Resposta enviada pelo meu email pessoal. Abraços!

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