sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Ibrahim Dib-Dab



lbrahim Dib-Dab
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) 1952

            Ibrahim Dlb-Dab curvou-se sobre o regato e bebeu, satisfeito, bons goles d’água. Depois, ergueu-se para retomar viagem, acompanhado do pequeno Himaliel Dib-Dab. O garoto olhou-o, contente, começando a cantarolar. Mais adiante passaram pela casa de Maroun Mattar, que se regalava com um vinho velho que lhe haviam trazido do ocidente. Mattar saudou Ibrahim e lhe ofereceu o copo cheio, mas Ibrahim, numa reverência amável, lhe respondeu:

            - Alá te salve, bom amigo! Agradeço-te o vinho. Fica para outra vez.

            E continuou seu caminho. O pequeno Himaliel, curioso, indagou:

            - Tio: porque não quiseste o vinho?

            Ibrahim sorriu e retrucou:

            - Mais vale um gole d’água fresca, quando se tem sede, do que um tonel de vinho fino, quando se está farto.

            O guri guardou na memória a resposta.

            Duzentos metros adiante, um mendigo se achava caído à margem da estrada. A bela carruagem do mercador Sanir Taib passou, célere, levando o potentado, cuja fisionomia denotava graves preocupações. Himaliel deixou de comentar:

            - Tio: esse homem tão rico bem poderia levar aquele infeliz no carro até à aldeia próxima, a fim de dar-lhe rápido socorro, não acha?

            - Assim é... - respondeu lbrahim, que se aproximou do mendigo, verificando que havia morrido naquele Instante. Então, voltando-se para o menino, sentenciou:

            - Ao morrer, o pobre se liberta sem saudade da sua fortuna: a miséria. O rico, entretanto, nem sempre consegue viver em paz com os bens acumulados. A preocupação muitas vezes o acompanha na outra vida...

            Como Himaliel lhe perguntasse algo sobre a vida faustosa e confortável de Sanir Taib, Ibrahim tornou:

            - Meu filho: tal como o ópio, que quebranta o corpo, o conforto excessivo amolece a moral do homem.

            - Tem razão, tio. Já ouvi Salim Radib dizer coisa parecida diante da Taverna do Crescente.

            - Muito bem. Mas não te esqueças de que, em cem pregadores de virtudes, pelo menos noventa e nove têm pecados ocultos.

            O guri abriu mais os olhos e deu uma risadinha irônica. Logo, fechou o semblante e saltou para o lado, gritando:

            - Vê, tio! Um sapo! Como é feio!..

            - Que tem isso? A fealdade do sapo assusta e repugna, mas ele é útil ao homem no combate aos insetos. Há criaturas de cara angelical, mas de alma torpe, do mesmo modo que há monstros de feiura, cuja alma é pura como um sorriso de criança...

            E continuaram andando. O menino saltava, ria, cantarolava, enquanto o velho parecia feliz com a felicidade dele. Assim, chegaram às proximidades do sítio de Salomão Diab. Himaliel mostrou-se satisfeito, ao ver um pavão magnífico, de asas abertas.

            - Que lindeza, tio! Tão diferente do sapo!..

            - Muito diferente, na verdade, Himaliel, A beleza do pavão encanta e atrai. Ele, no entanto, apenas representa a vaidade estéril... Há homens que não são nada mais do que pavões enfatuados, orgulhosos da própria beleza. Esquecem-se, porém, de que possuem pés repulsivos.

            Pararam para ligeiro descanso. Ibrahim Dib--Dab passou a mão pela cabeça do sobrinho, fê-lo sentar-se ao seu lado. Conversaram muito tempo. Então, Ibrahim pediu a Himaliel que o ouvisse com muita atenção:

            - Meu filho: somente se pode medir a grandeza moral do homem através do seu sentimento. Quanto mais alto se eleva o pensamento menos relevante parece o mundo de lutas em que vivemos. Lembras-te daquele oleiro- que perdia horas de trabalho a criticar a vida alheia? Lembras-te da facilidade com que suas palavras encontravam apoio? Por aí vês que a melhor maneira de se aferir a imperfeição do caráter humano está na observação de como se propaga a maledicência. Mas não te esqueças jamais de que a Desventura desertará da Terra quando os homens se amarem uns aos outros. A tolerância esclarecida é benéfica, porque pode salvar; a tolerância cega, entretanto, é um incentivo ao mal. O poder do homem está em jugular seus impulsos inferiores, educá-los, transforma-los em sentimentos bons. É difícil, porque as tentações são muitas, mas não é impossível. Sempre que tiveres de dizer mal de alguém, impõe-te a penitência do silêncio. Verás como os maus sentimentos são fortes. Terás, de lutar muito, durante muito tempo; desde, porém, que a tua vontade prevaleça, estarás forte, mais forte ainda, e a energia que retiveste em teu íntimo se decuplicará. A maior obra do homem está em educar os próprios sentimentos. És ainda uma criança, mas deves desde agora começar o trabalho auto-educativo. Não faças mal. Não penses mal. Se o teu desejo de ser bom malograr, procura recuperar o terreno perdido. Tua vitória será grande, tua recompensa será maior, porque nada vale tanto na vida quanto a paz de consciência. Todavia, só a obterás quando conseguires evitar o mal, pelo pensamento e pelos atos.

            Himaliel estava sério, compenetrado. Não se conteve e perguntou a Ibrahim:

            - Tio: se alguém me fizer mal, não deverei defender-me?

            - Como não? Deves reagir empregando o bem contra o mal. Aquele que é mordido duas vezes pela mesma cobra demonstra que não é inteligente. Em vez de matá-la, tentarás tirar-lhe o veneno. Depois, não te fará mal...

            - Mas se eu for prejudicado por um meu semelhante? Deverei adotar atitude passiva e agradecer a Alá o prejuízo?        

            - Em absoluto. Bem se vê que ainda és muito pequeno para compreender as coisas. Deves sempre lutar pelo teu direito, mas sempre que puderes ser generoso abre mão dele, porque Alá não falta jamais à bênção daqueles que possuem grandeza d'alma ...

            Como a noite caísse, lbrahim abriu a barraca, sob a qual ambos se abrigaram.

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