lbrahim
Dib-Dab
José
Brígido (Indalício
Mendes)
Reformador
(FEB) 1952
Ibrahim Dlb-Dab curvou-se sobre o
regato e bebeu, satisfeito, bons goles d’água. Depois, ergueu-se para retomar viagem,
acompanhado do pequeno Himaliel Dib-Dab. O garoto olhou-o, contente, começando
a cantarolar. Mais adiante passaram pela casa de Maroun Mattar, que se regalava
com um vinho velho que lhe haviam trazido do ocidente. Mattar saudou Ibrahim e lhe
ofereceu o copo cheio, mas Ibrahim, numa reverência amável, lhe respondeu:
- Alá te salve, bom amigo!
Agradeço-te o vinho. Fica para outra vez.
E continuou seu caminho. O pequeno
Himaliel, curioso, indagou:
- Tio: porque não quiseste o vinho?
Ibrahim sorriu e retrucou:
- Mais vale um gole d’água fresca,
quando se tem sede, do que um tonel de vinho fino, quando se está farto.
O guri guardou na memória a
resposta.
Duzentos metros adiante, um mendigo
se achava caído à margem da estrada. A bela carruagem do mercador Sanir Taib passou,
célere, levando o potentado, cuja fisionomia denotava graves preocupações. Himaliel
deixou de comentar:
- Tio: esse homem tão rico bem
poderia levar aquele infeliz no carro até à aldeia próxima, a fim de dar-lhe
rápido socorro, não acha?
- Assim é... - respondeu lbrahim,
que se aproximou do mendigo, verificando que havia morrido naquele Instante.
Então, voltando-se para o menino, sentenciou:
- Ao morrer, o pobre se liberta sem
saudade da sua fortuna: a miséria. O rico, entretanto, nem sempre consegue
viver em paz com os bens acumulados. A preocupação muitas vezes o acompanha na
outra vida...
Como Himaliel lhe perguntasse algo
sobre a vida faustosa e confortável de Sanir Taib, Ibrahim tornou:
- Meu filho: tal como o ópio, que
quebranta o corpo, o conforto excessivo amolece a moral
do homem.
- Tem razão, tio. Já ouvi Salim
Radib dizer coisa parecida diante da Taverna do Crescente.
- Muito bem. Mas não te esqueças de
que, em cem pregadores de virtudes, pelo menos noventa e nove têm pecados
ocultos.
O guri abriu mais os olhos e deu uma
risadinha irônica. Logo, fechou o semblante e saltou para o lado, gritando:
- Vê, tio! Um sapo! Como é feio!..
- Que tem isso? A fealdade do sapo
assusta e repugna, mas ele é útil ao homem no combate
aos insetos. Há criaturas de cara angelical, mas de alma torpe, do mesmo modo
que há monstros de feiura, cuja alma é pura como um sorriso de criança...
E continuaram andando. O menino
saltava, ria, cantarolava, enquanto o velho parecia feliz com a felicidade
dele. Assim, chegaram às proximidades do sítio de Salomão Diab. Himaliel mostrou-se
satisfeito, ao ver um pavão magnífico, de asas abertas.
- Que lindeza, tio! Tão diferente do
sapo!..
- Muito diferente, na verdade, Himaliel,
A beleza do pavão encanta e atrai. Ele, no entanto, apenas representa a vaidade
estéril... Há homens que não são nada mais do que pavões enfatuados, orgulhosos
da própria beleza. Esquecem-se, porém, de que possuem pés repulsivos.
Pararam para ligeiro descanso.
Ibrahim Dib--Dab passou a mão pela cabeça do sobrinho, fê-lo sentar-se ao seu
lado. Conversaram muito tempo. Então, Ibrahim pediu a Himaliel que o ouvisse
com muita atenção:
- Meu filho: somente se pode medir a
grandeza moral do homem através do seu sentimento. Quanto mais alto se eleva o
pensamento menos relevante parece o mundo de lutas em que vivemos. Lembras-te
daquele oleiro- que perdia horas de trabalho a criticar a vida alheia? Lembras-te
da facilidade com que suas palavras encontravam apoio? Por aí vês que a melhor
maneira de se aferir a imperfeição do caráter humano está na observação de como
se propaga a maledicência. Mas não te esqueças jamais de que a Desventura
desertará da Terra quando os homens se amarem uns aos outros. A tolerância esclarecida
é benéfica, porque pode salvar; a tolerância cega, entretanto, é um incentivo
ao mal. O poder do homem está em jugular seus impulsos inferiores, educá-los,
transforma-los em sentimentos bons. É difícil, porque as tentações são muitas,
mas não é impossível. Sempre que tiveres de dizer mal de alguém, impõe-te a penitência
do silêncio. Verás como os maus sentimentos são fortes. Terás, de lutar muito,
durante muito tempo; desde, porém, que a tua vontade prevaleça, estarás forte,
mais forte ainda, e a energia que retiveste em teu íntimo se decuplicará. A
maior obra do homem está em educar os próprios sentimentos. És ainda uma
criança, mas deves desde agora começar o trabalho auto-educativo. Não faças mal.
Não penses mal. Se o teu desejo de ser bom malograr, procura recuperar o
terreno perdido. Tua vitória será grande, tua recompensa será maior, porque
nada vale tanto na vida quanto a paz de consciência. Todavia, só a obterás
quando conseguires evitar o mal, pelo pensamento e pelos atos.
Himaliel estava sério, compenetrado.
Não se conteve e perguntou a Ibrahim:
- Tio: se alguém me fizer mal, não
deverei defender-me?
- Como não? Deves reagir empregando
o bem contra o mal. Aquele que é mordido duas vezes pela mesma cobra demonstra
que não é inteligente. Em vez de matá-la, tentarás tirar-lhe o veneno. Depois,
não te fará mal...
- Mas se eu for prejudicado por um
meu semelhante? Deverei adotar atitude passiva e agradecer a Alá o prejuízo?
- Em absoluto. Bem se vê que ainda
és muito pequeno para compreender as coisas. Deves sempre lutar pelo teu
direito, mas sempre que puderes ser generoso abre mão dele, porque Alá não
falta jamais à bênção daqueles que possuem grandeza d'alma ...
Como a noite caísse, lbrahim abriu a
barraca, sob a qual ambos se abrigaram.
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