Extremismo
científico
Ismael Gomes Braga
Reformador
(FEB) Novembro 1942
Durante longo tempo as ortodoxias
estiveram em oposição aos conhecimentos positivos e cavaram um abismo entre ciência
e religião. A pouco e pouco, porém, o saber se foi emancipando e libertando dos
dogmas eclesiásticos. Chegou-se afinal a estabelecer dois mundos à parte e
contraditórios, o da ciência e o da religião. O mesmo homem pode ter duas
crenças opostas: uma de sua Igreja e outra da ciência positiva que tenha
adquirido. É a luta da razão contra o sentimento religioso, por vezes em tréguas
no mesmo indivíduo.
Esse estado de coisas é transitório.
Duas verdades que se destroem não podem coexistir: uma das duas - senão ambas -
deve ser falsa. Se a Igreja ensina que o sol gira em torno da Terra e a ciência
afirma que ao contrário disso, é a Terra que gira em torno do sol e de si
mesma, uma das duas afirmações está errada e a outra certa. Verificado que, a Terra,
realmente, é que se move para receber a luz do sol, estando isso claramente
demonstrado, o dogma religioso teria que ser reformado; mas, os dogmas são
eternos e continuam de pé, embora mortos.
A intolerância religiosa não
permitiu a reforma dos ensinos, limitando-se ao silêncio quando muito evidente
se acha o erro. O homem entusiasmou-se então pelo saber e proclamou o extremismo
oposto: só é verdade o que podemos verificar pelos nossos sentidos e só o saber
deve governar a humanidade.
O Espiritismo veio providencialmente
reestabelecer o equilíbrio. Muitíssimas coisas ainda não podemos verificar e
demonstrar, porque escapam aos nossos sentidos atuais, assim como dos nossos conhecimentos
de hoje não poderiam ser verificados pelos homens de alguns milênios passados,
porque lhes faltavam instrumentos e descobertas que muito nos ampliam hoje o
alcance dos sentidos. Muita coisa, que era indemonstrável há dois mil anos passados
já podemos demonstrar. Continuaremos progredindo sempre e fazendo
incessantemente novas descobertas. Alguns milênios mais tarde, teremos incorporado
à nossa ciência positiva um infinito de coisas que hoje são indemonstráveis;
mas teremos pela frente ainda e sempre um infinito a descobrir, a aprender.
O fanatismo científico, do mesmo
modo que o religioso, traça limites ao possível, torna-se intolerante e produz
os mesmos males do seu antagonista.
Infelizmente há quem pretenda
envolver o Espiritismo no extremismo cientifico e combater a crença religiosa.
Tratando com entusiasmo do futuro
Congresso Panamericano de Espiritismo, a realizar-se em Buenos Aires, o nosso
brilhante confrade Fermin Añez Lamus, de Barquisimeto, Venezuela, escreve em
"La Idéa" brilhante artigo tentando traçar diretrizes ao referido
Congresso e desde já declara que as decisões do certame devem abolir, como reacionárias,
todas as ideias religiosas e só admitir o Espiritismo como um movimento
científico, filosófico e social. Diz textualmente:
"Que
de él salgan Ias directrices restauradoras de nuestro credo cientifico filosófico;
es decir, que Ios acuerdos
que tome referentes a Ios temas cientificos, filosoficos y sociologicos brillen
por Ia ansencia de todo contenido de religiosidad oriental o cristiana,
ateniéndose tan sólo a seguir Ias huellas preconizadas por los Geley, Ios Gonzalez
Soriano, Ios Bozzano, etc, etc."
Tal atitude seria limitar o
Espiritismo eternamente ao estudo dos fenômenos que provam a sobrevivência, sem
passar jamais à formação de um corpo doutrinário destinado a orientar a conduta
dos homens. - Seria aceitar os Espíritos como simples cobaias de
experimentação, desprezando suas opiniões, suas convicções, seus exemplos, por
vezes eloquentíssimos. Os Espíritos nos falam e demonstram que as suas atitudes
mentais, a orientação de seus pensamentos e sentimentos representaram papel
essencial na formação de sua personalidade feliz ou desgraçada. Em seus
ensinos, demonstram que uma infinidade de conhecimentos ainda não podemos obter
pela observação direta, pelos sentidos, e que só pela intuição religiosa e pela
palavra de Espíritos mais evolucionados do que nós, podemos ser orientados para
acertar em nossa conduta, nessa região imensa que desconhecemos. A revelação
religiosa fica solidamente confirmada e explicada pelos Espíritos, se bem por
vezes revogados os ensinos que correspondiam a necessidades já passadas.
Um Espiritismo que abolisse todos os
tesouros das Revelações religiosas, para limitar-se exclusivamente ao estudo
científico, filosófico, social, desprezaria a essência mesma do
Espiritismo,
isto é, os ensinos que recebemos dos Espíritos adiantados. Seria qualquer
coisa, menos Espiritismo.
A palavra Espiritismo foi cunhada
por Allan Kardec, com o sentido bem definido em
que
vem sendo empregada e não pode tomar novo sentido sem grande confusão. Longe de
eliminar o sentimento religioso, o Espiritismo o estabelece sobre bases inabaláveis.
Estamos certo, pois, que o ilustre
autor do artigo se enganou levado pelo seu entusiasmo científico e caiu num
extremismo não menos pernicioso do que o fanatismo religioso. Felizmente, o
Congresso não terá poderes para transformar o Espiritismo em Metapsíquica, isto
é, para fazer o todo caber em uma de suas partes. A obra dos metapsiquistas é
preciosíssima, estabelece sobre bases positivas, como verdade cientificamente
provada, a sobrevivência humana, que no passado era simples crença religiosa.
Neste pormenor, já poderemos substituir a crença pela ciência e ficar bem com o
nosso autor; mas, ainda resta um infinito à nossa frente para o qual precisamos
do auxílio da crença na palavra dos Mestres, dos Profetas, dos Guias, e tudo
isso - é domínio da religião, da crença.
Esperemos, no entanto, que o
Congresso não cometa erros graves, excedendo sua competência, como seria o
caso, se aprovasse uma tese contra o espírito religioso do Espiritismo ou mesmo
qualquer tese negativa. A finalidade precípua do Congresso deve ser construir e
não destruir, afirmar e não negar.
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