Nem ritos, nem dogmas
por Orvile Derby A. Dutra
Reformador
(FEB) Maio 1941
0 Espiritismo, cuja base inamovível
é o Evangelho do divino Mestre, explicado e entendido segundo o espírito que
vivifica e não segundo a letra que mata, não tem chefe entre os homens, não
havendo, portanto, entre os espiritistas, superiores e inferiores, nem qualquer
espécie de hierarquia.
Seu chefe único é o Cristo, em face
de cuja doutrina todos são iguais, como filhos de um mesmo Pai - Deus, o Criador
do Universo. Uma só hierarquia se pode admitir entre eles: a
que decorre do grau de progresso realizado, da maior ou menor soma de virtudes
adquiridas. Hierarquia, pois, toda de ordem moral.
Definindo, aliás, com precisão essa
hierarquia, lá está no Evangelho: “Não queirais vós ser chamados mestres,
porquanto um único mestre tendes e todos sois irmãos; um só doutor e um só
mestre tendes: o Cristo”; e “aquele que for o maior entre vós será o vosso
servo, porquanto o que se exaltar será humilhado e o que se humilhar será
exaltado”. (Mateus, 23: 8-12) .
Não admite ritos, nem dogmas, pois
prescreve que seus adeptos se interessem pelo aperfeiçoamento de tudo, a todos
assegurando ampla liberdade de pensar, de sorte que todos podem agir como
melhor lhes pareça, guiados pela sua fé, pela sua convicção, pela sua consciência,
certo, porém, cada um de que lhe cabe inteira a responsabilidade dos atos que
praticar e das obras que realizar.
Não prescreve juramentos, fiel ao
ensino do Evangelho, onde se leem estas palavras de Jesus: “Eu, porém, vos digo
que absolutamente não jureis; que o vosso falar seja: sim, sim; não, não".
(Mateus, 23: 34 e 37).
Não autoriza, em absoluto, que, do
que entenda com a sua doutrina, alguém se utilize por interesse, ou para
auferir lucros pecuniários. Ao contrário, preceitua: “Dai de graça o que de
graça recebestes”. Por mais pobre que seja o espírita, ainda que viva em extrema penúria,
não lhe assiste o direito de envolver a doutrina nos seus interesses de ordem
material. Cumpra ele os preceitos do Evangelho e tudo mais lhe será dado “por
misericórdia e de acréscimo”.
Para o espírita, não há céu, nem
inferno, como determinados lugares de gozo e de sofrimento pois ele sabe, sem
sombra de dúvida, que, se tais lugares existissem, Deus careceria de perfeição,
de sabedoria, de Justiça e de misericórdia, uma vez que, em tal caso,
reservaria os manjares celestiais para os fatos e potentados da Terra, privando
de todo alimento espiritual, por toda a eternidade, os fracos e desgraçados de
toda espécie, não lhes concedendo nenhum meio de melhorar-se, para também serem
felizes um dia, quando estes últimos são precisamente os que mais necessitam do
amparo da sua misericórdia, porquanto, conforme diz o Evangelho, “o médico não
é para os que se acham sãos, mas para os doentes, que precisam de remédio”.
Em vez do céu e do inferno das
religiões dogmáticas, o Espiritismo proclama e demonstra a realidade da lei
justa e misericordiosa da reencarnação, segundo a qual cada um é filho de suas
próprias obras, cada um edifica o seu futuro e constrói a sua felicidade
espiritual, pelos seus próprios esforços, mediante a purificação de seus
sentimentos, a depuração de sua alma, para o que volta a tomar um corpo de carne
na terra, quantas vezes forem necessárias, até que pague o último ceitil das
suas dívidas, que são as transgressões da lei divina. (Mateus, 5. 26).
Não legitima hinos, cânticos, músicas,
nas reuniões dos crentes, porque não admite exterioridades ritualísticas,
devendo a pompa de tais reuniões consistir na vibração viva dos pensamentos,
a benefício de todas as criaturas, amigos ou inimigos, em obediência à lei
suprema do amor a Deus e ao próximo. A única música para ele admissível é a que
as preces fazem ressoar no infinito, de harmonia com as notas altas ou baixas
do coro de gemidos e ais dos que sofrem mais ou menos angustiados, música essa
cujo acorde mais vibrante é o da compaixão pelos que se comprazem na treva da ignorância
de Deus e do seu amor, de um e outro divorciados. Como cântico, um só devem os
crentes entoar, no recesso de seus corações, o de “Glória a Deus nas alturas e
paz na Terra aos homens de boa vontade”.
Por flores, só quer as que desabrocham
na alma, com o perfume da gratidão de cada uma pelo bem recebido, ou pelo mal a
que foi poupada. Por ornamentos, reclama apenas o das virtudes, a se exteriorizarem
no trabalho edificante, na solidariedade a todos os seres, assim nas boas como
nas más horas, na tolerância para com os que, à falta de virtudes, alimentam em
seus espíritos vícios e paixões más, que geram os ódios e os desejos de vindita;
aos quais manda o Evangelho se retribua com o – “Perdoa-lhes, Pai, que eles não
sabem o que fazem”.
Não legitima hinos, cânticos, músicas,
nas res de pedra, porque só reconhece um templo digno do Criador: o universo
por Ele criado, e por altar só um se compadece com os ensinamentos do seu
Cristo: o do coração das suas criaturas, quando votado ao bem e ao progresso de
tudo quanto naquele universo se contém e, particularmente, do que concerne ao
orbe terráqueo, sem cabimento para distinção de raça, cor, credo, ou posição
social. Nesse altar é que pontifica a consciência, esclarecida pela razão, que
se curva reverente ao – “a cada um segundo as suas obras”.
Também não autoriza existência de
imagens, porquanto uma só imagem deve ter a criatura
sempre presente à sua visão espiritual: a de um Deus onipotente, bom, justo e
misericordioso, princípio e fim de todas as coisas, ponto culminante de toda a
perfeição, ao qual chegarão um dia todos os seus filhos e que promulgou como
lei suprema a do amor, cuja execução se afirma pela prática da caridade em
todos os sentidos, sob todas as modalidades, em todos os terrenos, de todas as
formas, sem que jamais “a mão direita saiba o que faz a esquerda”, o que quer
dizer: sem eiva de vaidade, sem exibição, sem objetivar os aplausos ou louvores
do mundo, pois a que assim é praticada tem nesses louvores e aplausos a sua
recompensa, nenhuma outra podendo, nem devendo, além dessas, esperar os que só
assim são caridosos.
Tudo quanto deixamos dito ressalta
das lições de N. S. Jesus Cristo, constantes do Evangelho
em espírito e verdade. Uma só coisa, portanto, nos cabe a nós que desejamos ser
espíritas, espíritas-cristãos: tudo envidarmos por cumprir o Evangelho segundo
o espírito que vivifica, visto que só assim poderemos reconhecer em consciência
que o Espiritismo nos tem sido útil e proveitoso, por nos haver aproximado do
caminho que leva à perfeição moral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário