Cristo,
Kardec e o ensino espiritual
José
Carlos da Silva Silveira
Reformador
(FEB) Dezembro 1976
Nos tempos que correm, marcados por
acentuadas transformações nos diversos setores da atividade humana,
particularmente na área da ciência da educação, parece-nos oportuno recordar a
figura excelsa do Cristo destacando-lhe as qualidades de pedagogo nato, cujos
métodos de ensino se mantêm atuais ante as mais recentes conquistas da
Pedagogia.
Sabe-se que um dos fundamentos da
Pedagogia hodierna a tese de que a aprendizagem se baseia num “esquema de
assimilação” já existente no indivíduo. Assim,
uma verdade nova, para ser adquirida, tem que se apoiar numa experiência
anterior da criatura.
Ora, folheando os Evangelhos, vamos
encontrar o Divino Mestre apropriando suas palavras ao tipo de vida dos
ouvintes. Dessarte, fala aos camponeses, aos vinhateiros, aos pescadores, aos
comerciantes, aos agricultores, procurando graduar seus ensinamentos pela
capacidade de apreensão do público. Utiliza-se para isso, de comparação,
recurso intuitivo que pressupõe uma experiência anterior do aprendiz. Vemo-lo,
dessa forma. É a ensinar por parábolas. É o “semeador
que saiu a semear seu campo”; a rede “que
foi lançada ao mar e apanhou peixes de toda a espécie”; é a parábola do
credor incompassivo, a dos lavradores maus, a dos servos inúteis; é o “homem que tinha uma figueira plantada na
sua vinha, e foi buscar fruto nela mas não o achou”; é a parábola do
fariseu e do publicano, e assim por diante.
Entretanto, Jesus, em seu
magistério, não usa apenas do recurso da comparação. Lança, a todo instante,
verdadeira situações-problema aos ouvintes, estimulando-os a pensar, como
preconiza a mais moderna Pedagogia, “Qual,
pois, desses três te parece foi o próximo daquele
que caiu nas mãos dos salteadores?” (parábola do bom samaritano). “Quando, pois, vier o senhor da vinha, que
fará àqueles lavradores?” (parábola dos lavradores maus). “E vós, (Simão), quem dizeis que eu sou?”
“De onde era o batismo de João, do Céu ou
da Terra?”
Jesus procura sempre dialogar com o
público. Suas palavras e atitudes provocam, frequentemente, indagações da parte
dos discípulos e até discussões (a técnica moderna de aprendizagem em grupo),
Não raro, instiga os doutores a abrirem as escrituras: “Que é que está escrito na lei?" (técnica de pesquisa). Seu
objetivo maior é fazer que os outros cheguem a conclusões próprias, através do
raciocínio. “Ouça quem tiver ouvidos de
ouvir”. É o desafio que permanece até os dias de hoje.
Como se vê, o avanço que se nota,
atualmente, na ciência da educação, nada mais é do que um início possível de
retorno à metodologia aplicada por Jesus, na divulgação da Boa Nova. (1)
(1) É claro, todavia, que estamos cientes
de que o próprio Messias, podendo ter dito muito mais, deu-nos uma lição velada
de que as épocas necessitam de métodos e técnicas relativas às próprias
condições, a fim de que o ensinamento não se perca.
A
propósito, cumpre ressaltar que o Codificador da Doutrina Espírita não se
manteve estranho ao processo pedagógico usado peto Cristo para o ensino da Boa
Nova. Tanto assim é que a metodologia empregada por Kardec para disseminação do
Espiritismo é a mesma adotada pelo Cristo nos Evangelhos, resultando daí a
atualidade da Doutrina, também no setor pedagógico.
O livro dos Espíritos, por exemplo,
é fonte inesgotável de situações-problema. O diálogo, as comparações são
recursos utilizados em toda obra kardequiana. A Codificação foi surgindo,
paulatinamente, da pesquisa e se fundamentou no preceito basilar da “fé
raciocinada", que é incentivo constante ao desenvolvimento da razão.
Por outro lado, discípulo de Pestalozzi
- o inolvidável educador - Kardec soube muito bem impregnar a sua obra daquele
profundo respeito à liberdade humana, que era, também, o objetivo maior da
educação concedida às crianças, nos institutos de Berthoud e
de Yverdon, pelo mestre. A propósito, em seu ensaio “Sur l'éducation
Elémentaire”, escreveria Pestalozzi:
“O educador impede-se de querer
extirpar qualquer coisa que constitua a natureza de seu aluno, para não se
arriscar a arrancar trigo juntamente com o joio (...). Livre de qualquer pretensão,
dentro de um espírito de modéstia e devotamento, serve respeitosamente,
contente com seu humilde papel de instrumento da ação divina; assim como um
padre, mediador entre a criança e a vida." (Grifo do original).”
Assim ensinou Jesus. Assim procedeu
Kardec. Os preceitos contidos nos Evangelhos, os ensinamentos da Doutrina
Espírita são difundidos à Humanidade através do apelo ao raciocínio e aos
sentimentos do ser humano. Não são Impostos ao homem e sim construídos por
este, partindo da sua motivação intrínseca, como quer a Pedagogia
contemporânea.
Jean Piaget, um dos maiores
psicólogos de nossos dias, cujas ideias têm contribuído, sensivelmente, para a
cristianização do processo educativo, assim se expressa em sua obra "Para
onde vai a Educação" - recentemente lançada -, ao tratar do direito à
educação moral:
“Todos reconhecerão desde logo, até
certo ponto, o papel formador da educação moral em oposição às tendências
simplesmente hereditárias. Porém aqui, mais uma vez, e segundo um paralelismo
que a análise torna sempre mais mercante, entre a formação moral e a formação
intelectual do indivíduo, insere-se a questão de saber se a contribuição
exterior que se espera da educação, para completar e informar as disposições
individuais, congênitas ou adquiridas, pode ficar limitada a uma simples
transmissão de regras e conhecimentos já elaborados. Tratar-se-ia, no caso, de
impor determinados deveres e determinada obediência, paralelamente a obrigação
intelectual de reter e repetir determinadas “lições”, ou o direito à educação
moral implicaria, tal como o direito à formação do raciocínio em um direito de
construir realmente, ou pelo menos participar da elaboração da disciplina que
irá reger aqueles mesmos que houveram colaborado para a sua constituição?
Existe, portanto, em matéria de educação moral, um problema de autogoverno,
paralelo àquele de auto formação do raciocínio no interior de uma coletividade
de pesquisa. Convém, em todo caso, ressaltar, de saída, que o direito à
educação intelectual e moral implica algo mais que uma obrigação a cumprir:
trata-se de um direito a forjar determinado instrumentos espirituais, mais
preciosos que quaisquer outros, e cuja construção requer uma ambiência social
específica, constituída não apenas de submissão.”
Com efeito, aproxima-se o terceiro
milênio. Nota-se lhe a chegada, não apenas pelo simples perpassar dos séculos,
mas, principalmente, pela efervescência das ideias, já agora sacudidas pela
germinação da semente caindo na terra fértil de inteligências de escol. Acentua-se
a claridade divina que libertará a mente humana dos erros seculares do
materialismo pragmatista. A ciência
começa a vislumbrar a luz que a despertará para Deus. Os homens serão mais
felizes pois as crianças se educarão sob o embalo das cantigas eternas do
Evangelho. Que Jesus nos oriente, a nós espíritas, nesses instantes da
afirmação da fé. Com os olhos fitos no futuro, inspirados no Cristo e na obra
do Codificador possamos também nós, cheios de amor e confiança no Pai, repetir,
com o Mestre, o apelo milenar: "Deixai vir a mim as criancinhas porque
delas é o reino dos céus”.
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