Croniqueta – 9
Manuel Quintão
Reformador (FEB) Outubro 1923
A propósito do monumento de Cristo no
Corcovado, católicos e protestantes desmascararam as baterias e romperam fogo
de barragem pelas colunas da imprensa.
Para os amadores de estilo trovoada, como
da boa dogmática e também da ética doutrinária, será um deleite acompanhar essa
polêmica em que se trocam “cristianíssimos” desaforos, pastores que se dizem d’almas,
para salvação das ditas. Manda a verdade, entanto, consignar que, numa época em
que só se fala de terremotos, físicos, administrativos, políticos e morais,
ninguém se lembrou da hipótese do arrasamento do... Corcovado, a menos que a
consideremos virtualmente contida naqueles tremebundos (arrepiantes) castigos
com que - dizem os protestantes - Deus pune os idólatras, no caso litólatras (que cultuam pedras).
Contudo, é de justiça reconhecer,
nesses torneios edificantes, nesse bate-boca de gente escorreita e atreita (habituada) às
coisas santas, depositaria em linha reta das vontades e pensamentos divinos pro aris et focis (pelos altares e pelos lares ou pela religião e pela
pátria), os adeptos do teólogo de Wittemberg
têm levado a melhor na partida, ainda porque se apresentam de viseira erguida,
sem o recurso do anonimato, sintomático de fraqueza ou de má fé congênita.
Fazendo do Cristo o próprio Deus, quer
dizer: aceitando integral o dogma da Trindade e crendo no inferno literalmente, eles, os
protestantes, ao menos argumentam, raciocinam com a Bíblia e os Evangelhos,
interpretando, divulgando textos que induzem o povo a estudar e meditar.
Nossos irmãos romanos, esses, na forma
consuetudinária sofismam textos, torcem doutrinas, refocilam (reforçam) a
ironia, quando não injuriam, falam, em suma, como quem quer, pode e manda.
O chefe do Positivismo também, a folhas
tantas, entrou na liça, contra Jesus pró Paulo e o que de tudo se concluiu com
tristeza é que esse, menos que os outros exegeta, sacrifica o espírito que
vivifica, retoiçando (balançando) desabaladamente na letra que mata.
A família espírita conserva-se expectante,
acompanhando, quiçá com tristeza, esse prélio de pastores, bem de molde a invalidar
o contido em Mateus, XV, v. 14, a saber: “Deixai-os,
são cegos guias de cegos: e se o cego guia o cego, ambos cairão na cova.”
É verdade que o caso não é de covas,
mas de culminâncias; porém já diz o rifão - os extremos tocam-se. E Jesus também
disse ao discípulo que lhe pedia consentisse enterrar o pai e acompanha-lo a
ele Jesus: “Segue-me tu, e deixa aos mostos
o cuidado de enterrar os seus mortos,” (Mateus, VIII, 22.)
De fato e nunca é demais repeti-lo como
eco das vozes do alto-tempo é
vindo de edificar, não templos nem ídolos, mas corações capazes
de amar a
Deus
sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
*
Francisco Chaves, um excelente confrade
que foi secretário da Federação,
teve um dia a feliz ideia de compilar um livro intitulado
- O Suicídio - no qual
enfeixou quanto de útil e salutar oferece a nossa
bibliografia sobre o assunto, a começar pelas obras do mestre e a terminar em
mensagens dos espíritos e
artigos de imprensa.
Esse volume, que abre com a magnífica comunicação
de Camillo Castello
Branco ao escritor Silva Pinto, pelo médium Fernando Lacerda,
teve, a despeito do ceticismo de alguns teóricos preopinantes (que opinaram antes) do
momento, o mais ruidoso dos sucessos, esgotando-se rapidamente a edição.
Hoje o pugnaz espírito do inolvidável
companheiro deve exaltar com o fato de achar-se no prelo, em reedição
escorreita e ampliada, aquele seu frutuoso trabalho, destinado a edificação e
conforto de uma nova geração de prosélitos.
Bem haja o companheiro Fígner avocando a
si essa tarefa, mesmo porque a vilta (injuria) de ser o Espiritismo um dos fatores do suicídio, em que
pese a sua improcedência e gratuidade, continua afagada como argumento de bom
quilate para difamar nossa doutrina.
Nossos irmãos tonsurados, férteis no sofisma,
quanto abnegados no defende-lo, representam à
merveille a fábula do lobo e do cordeiro. Calando, em regra, o que lhes vai
intramuros, não perdem vasa de atribuir a nós outros todos
os males e fraquezas de uma sociedade que eles são os
primeiros a proclamar
católica.
Pois que de suicídio tratamos e até
aqui chegamos, arrazoemos: Ainda agora, em pequena cidade de um pequeno Estado
nortista, deu-se o caso, que diríamos ilustrativo dos ensinos católicos, se a
eles quiséramos, com igual critério afetar todas as fraquezas e aberrações da alma
humana.
O caso vai textualmente contado, para
não perder o cunho de originalidade da informação:
“Esta pacatíssima
e beatífica cidade foi há dias abalada por um fato altamente impressionante,
dados a condição e precedentes do protagonista, um pobre homem justamente notável
pelo fervor religioso.
Não
havia missa que lhe escapasse nem procissão que lhe omitisse a opa (capa),
quando não pegava do pálio (manto grande).
Enfermo
ultimamente, ele costumava externar o desejo de permitir-lhe Deus exalar o último
alento junto ao Santíssimo Sacramento do altar.
Pois a
verdade é que um dia destes, após a missa, sem que alguém o percebesse, lá se
deixou ficar escondido na igreja e foram dar com ele morto no
altar
do Santíssimo.
O pobre
beato havia-se envenenado.”
E dizem –comenta o missivista - que é o
Espiritismo o fator dos suicídios.
Pois olhe que este, a julgar pelas aparências, era
ortodoxo de lei!
*
“A Escada de Jacob vista à luz da Teosofia”,
eis o título de um mimoso
opúsculo que, com abundância de coração, nos oferece o
autor - Walfrido Souto Maior.
Trata-se de uma conferência realizada
no teatro “Carlos Gomes”, de Santos e na qual, com justos aplausos, o orador demonstrou
à saciedade o ascendente histórico do Espiritualismo, filiado logicamente a
todas as correntes filosóficas da mais remota antiguidade, para culminar nas
provas hoje correntes, quanto abundosas, da sobrevivência da alma.
Com grande cópia de erudição e um invejável
método expositivo, o conferencista, que é também um poeta, conseguiu vencer a natural
aridez do assunto e dar-nos um trabalho de fino lavor literário, suavíssima
leitura, a trechos intercalada de belas imagens que traem, no crente filósofo,
o poeta inato.
Aos estudantes da matéria, principalmente
aos que disponham de poucos lazeres para compulsar obras de folego, em regra áridas
e mal traduzidas, recomendamos o trabalho do nosso confrade, como excelente
repositório de conhecimentos sintéticos e ilustrativos do assunto.
Ao demais, excele na prova da não incompatibilidade
substancial do Espiritismo e da Teosofia, divergentes, por vezes, nos meios,
que jamais nos fins, e só isso, para nós, fora o bastante para recomendar a “Escada
de Jacob”, enviando-lhe deste cantinho obscuro os nossos emboras (parabéns).
PS. O Blog não encontrou por seus meios
uma cópia do livro citado por Quintão. Caso algum leitor o tenha em sua estante
pessoal apreciaríamos um contato visando obter uma cópia xerográfica.
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