segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Croniquetas - 9



Croniqueta – 9
Manuel Quintão
Reformador (FEB) Outubro 1923

A propósito do monumento de Cristo no Corcovado, católicos e protestantes desmascararam as baterias e romperam fogo de barragem pelas colunas da imprensa.

Para os amadores de estilo trovoada, como da boa dogmática e também da ética doutrinária, será um deleite acompanhar essa polêmica em que se trocam “cristianíssimos” desaforos, pastores que se dizem d’almas, para salvação das ditas. Manda a verdade, entanto, consignar que, numa época em que só se fala de terremotos, físicos, administrativos, políticos e morais, ninguém se lembrou da hipótese do arrasamento do... Corcovado, a menos que a consideremos virtualmente contida naqueles tremebundos (arrepiantes) castigos com que - dizem os protestantes - Deus pune os idólatras, no caso litólatras (que cultuam pedras).

Contudo, é de justiça reconhecer, nesses torneios edificantes, nesse bate-boca de gente escorreita e atreita (habituada) às coisas santas, depositaria em linha reta das vontades e pensamentos divinos pro aris et focis (pelos altares e pelos lares ou pela religião e pela pátria), os adeptos do teólogo de Wittemberg têm levado a melhor na partida, ainda porque se apresentam de viseira erguida, sem o recurso do anonimato, sintomático de fraqueza ou de má fé congênita.

Fazendo do Cristo o próprio Deus, quer dizer: aceitando integral o dogma da Trindade e crendo no inferno literalmente, eles, os protestantes, ao menos argumentam, raciocinam com a Bíblia e os Evangelhos, interpretando, divulgando textos que induzem o povo a estudar e meditar.

Nossos irmãos romanos, esses, na forma consuetudinária sofismam textos, torcem doutrinas, refocilam (reforçam) a ironia, quando não injuriam, falam, em suma, como quem quer, pode e manda.

O chefe do Positivismo também, a folhas tantas, entrou na liça, contra Jesus pró Paulo e o que de tudo se concluiu com tristeza é que esse, menos que os outros exegeta, sacrifica o espírito que vivifica, retoiçando (balançando) desabaladamente na letra que mata.

A família espírita conserva-se expectante, acompanhando, quiçá com tristeza, esse prélio de pastores, bem de molde a invalidar o contido em Mateus, XV, v. 14, a saber:  “Deixai-os, são cegos guias de cegos: e se o cego guia o cego, ambos cairão na cova.”

É verdade que o caso não é de covas, mas de culminâncias; porém já diz o rifão - os extremos tocam-se. E Jesus também disse ao discípulo que lhe pedia consentisse enterrar o pai e acompanha-lo a ele Jesus: “Segue-me tu, e deixa aos mostos o cuidado de enterrar os seus mortos,” (Mateus, VIII, 22.)

De fato e nunca é demais repeti-lo como eco das vozes do alto-tempo é
vindo de edificar, não templos nem ídolos, mas corações capazes de amar a
Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.

*

Francisco Chaves, um excelente confrade que foi secretário da Federação,
teve um dia a feliz ideia de compilar um livro intitulado - O Suicídio - no qual
enfeixou quanto de útil e salutar oferece a nossa bibliografia sobre o assunto, a começar pelas obras do mestre e a terminar em mensagens dos espíritos e
artigos de imprensa.

Esse volume, que abre com a magnífica comunicação de Camillo Castello
Branco ao escritor Silva Pinto, pelo médium Fernando Lacerda, teve, a despeito do ceticismo de alguns teóricos preopinantes (que opinaram antes) do momento, o mais ruidoso dos sucessos, esgotando-se rapidamente a edição.

Hoje o pugnaz espírito do inolvidável companheiro deve exaltar com o fato de achar-se no prelo, em reedição escorreita e ampliada, aquele seu frutuoso trabalho, destinado a edificação e conforto de uma nova geração de prosélitos.

Bem haja o companheiro Fígner avocando a si essa tarefa, mesmo porque a vilta (injuria) de ser o Espiritismo um dos fatores do suicídio, em que pese a sua improcedência e gratuidade, continua afagada como argumento de bom quilate para difamar nossa doutrina.

Nossos irmãos tonsurados, férteis no sofisma, quanto abnegados no defende-lo, representam à merveille a fábula do lobo e do cordeiro. Calando, em regra, o que lhes vai intramuros, não perdem vasa de atribuir a nós outros todos
os males e fraquezas de uma sociedade que eles são os primeiros a proclamar
católica.

Pois que de suicídio tratamos e até aqui chegamos, arrazoemos: Ainda agora, em pequena cidade de um pequeno Estado nortista, deu-se o caso, que diríamos ilustrativo dos ensinos católicos, se a eles quiséramos, com igual critério afetar todas as fraquezas e aberrações da alma humana.

O caso vai textualmente contado, para não perder o cunho de originalidade da informação:

“Esta pacatíssima e beatífica cidade foi há dias abalada por um fato altamente impressionante, dados a condição e precedentes do protagonista, um pobre homem justamente notável pelo fervor religioso.

Não havia missa que lhe escapasse nem procissão que lhe omitisse a opa (capa), quando não pegava do pálio (manto grande).

Enfermo ultimamente, ele costumava externar o desejo de permitir-lhe Deus exalar o último alento junto ao Santíssimo Sacramento do altar.

Pois a verdade é que um dia destes, após a missa, sem que alguém o percebesse, lá se deixou ficar escondido na igreja e foram dar com ele morto no
altar do Santíssimo.

O pobre beato havia-se envenenado.”

E dizem –comenta o missivista - que é o Espiritismo o fator dos suicídios.
Pois olhe que este, a julgar pelas aparências, era ortodoxo de lei!

*

“A Escada de Jacob vista à luz da Teosofia”, eis o título de um mimoso
opúsculo que, com abundância de coração, nos oferece o autor - Walfrido Souto Maior.

Trata-se de uma conferência realizada no teatro “Carlos Gomes”, de Santos e na qual, com justos aplausos, o orador demonstrou à saciedade o ascendente histórico do Espiritualismo, filiado logicamente a todas as correntes filosóficas da mais remota antiguidade, para culminar nas provas hoje correntes, quanto abundosas, da sobrevivência da alma.

Com grande cópia de erudição e um invejável método expositivo, o conferencista, que é também um poeta, conseguiu vencer a natural aridez do assunto e dar-nos um trabalho de fino lavor literário, suavíssima leitura, a trechos intercalada de belas imagens que traem, no crente filósofo, o poeta inato.

Aos estudantes da matéria, principalmente aos que disponham de poucos lazeres para compulsar obras de folego, em regra áridas e mal traduzidas, recomendamos o trabalho do nosso confrade, como excelente repositório de conhecimentos sintéticos e ilustrativos do assunto.

Ao demais, excele na prova da não incompatibilidade substancial do Espiritismo e da Teosofia, divergentes, por vezes, nos meios, que jamais nos fins, e só isso, para nós, fora o bastante para recomendar a “Escada de Jacob”, enviando-lhe deste cantinho obscuro os nossos emboras (parabéns).

PS. O Blog não encontrou por seus meios uma cópia do livro citado por Quintão. Caso algum leitor o tenha em sua estante pessoal apreciaríamos um contato visando obter uma cópia xerográfica.

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