quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Morrer melhorando...



Morrer melhorando ...
Hermes Jurema
Reformador (FEB) Abril 1925

Quantos partem assim, calmos, cheios de fé, mesmo felizes! pensava eu ainda há pouco, ao contemplar o corpo inerte e frio de um que se fora deste vale de lágrimas, onde estivera mergulhado sessenta e seis anos.

E recordei-me: então, num momento, das longas horas de vigília que essa pobre criatura passar sobre o leito, onde lhe falei pela primei a vez em dois meses apenas.

Tinha ele, a esse tempo e nos dias que se findaram, esperanças de curar-se, de volver ao rude labor quotidiano que lhe proporcionava o sustento dos filhos, alguns ainda bem crianças?

Penso que não.

Cada noite que morria, cada dia que voltava lhe devoravam, sem piedade, as carnes do corpo emagrecido ... E ele bem o percebia!

No entretanto, quando eu me acercava do seu leito e lhe perguntava como se sentia, a resposta não se fazia esperar:

- Hoje, estou melhor...

- Não sente dores, nem qualquer outra coisa que o mortifique?

- Não; sinto-me bem... Somente aqui dói um pouco .. , mas dói menos agora...

E indicava o ponto onde residia todo o mal, tão grave que o havia de levar
dentro de alguns dias deste mundo de expiações!

Porque, então, aquela calma, aquela resignação? Para poupar desgostos à  esposa e aos filho que o cercavam?
           
Sem dúvida, o amor à família leva muitos enfermos se mostrarem confiantes numa cura impossível, dizendo-se melhores, malgrado os progressos da moléstia que os consome; mas não é só isso que os faz assim proceder:- é também a certeza da melhora que se opera, apesar mesmo da morte infalível que se aproxima!

Não mentem, nem se enganam. Com o olhar voltado já para mundo dos Espíritos, compreendendo que não está longe o instante de tornarem para a verdadeira vida, dispõem-se a tirar desta existência passageira os últimos proventos para “acumularem tesouros no Céu”. Assim, praticam sublime caridade aos entes caros o participarem dos seus sofrimentos e aceitam com resignação as dores que lhes lapidam a alma sedenta de progresso. Depois, partem calmos e geralmente deixam consolados os parentes queridos.

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Quando da última visita, não o encontrei já, mas o seu corpo apenas, entre círios; lembrei-me, então, de na véspera ter-me ele repetido calmamente:

- Estou melhor... somente o corpo muito fraco...

Não mentia, nem se enganava: essa melhora que se acentuava sem cessar era do Espírito, que não do corpo; a calma – filha da certeza de em breve ser lançado nos braços de velhos e bons amigos.


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