segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A missão do pregador do Evangelho


A missão do pregador do Evangelho
Benedicto de Godoy Paiva
Reformador (FEB) Fevereiro 1941

“É chegada a hora. Eis que o Filho do Homem vai ser entregue às mãos dos pecadores. Levantai-vos; vamos. Eis que está perto o que me trai.” Marcos 14:41

Eis ai o trecho final do último colóquio de Jesus com os seus três abnegados companheiros - Pedro, Tiago e João, pouco antes de ser conduzido preso. Eis, também, como terminou a grande missão do maior pregador do Evangelho - do homem que "falava como ninguém ainda falou". Terminou a sua missão vitimado pela traição, por parte de um dos seus próprios auxiliares de divulgação da doutrina que ele trouxera ao mundo.

Não somos melhores do que Jesus, bem longe estamos dele; portanto, sirva esse fato de consolo aos pregadores do Evangelho do Cristo, todas as vezes que, atingidos por forças adversas se sentirem enfraquecidos na sua gloriosa, mas espinhosa de continuadores da divulgação dos ensinos que o Mestre nos legou.

Jesus foi perseguido por toda parte. As forças do mal empregavam os maiores esforços e lançavam mão de todos os artifícios possíveis para desencorajá-lo e Ele, sabendo disso, prevenia seus discípulos: “Eis que vos mando como ovelhas ao meio de lobos". “Haveis de ter aflições no mundo; mas, tende confiança: eu venci o mundo”. “Se chamaram de Belzebú ao pai de família, que não dirão dos seus domésticos?”

O pregador do Evangelho do Cristo deve estar alerta às ciladas das forças do mal. Sua missão é cheia de tropeços e perigos. Inimigos encarniçados tramarão a sua perda. Ele será alvo da maledicência, da calunia, da traição, mesmo dos que lhe pareçam mais dedicados amigos e companheiros. As suas melhores lições serão desprezadas e as suas intenções adulteradas, mesmo pelos que se dizem cristãos, e disso nos dá prova o “texto” que encima estas linhas. O grande apóstolo Paulo já nos prevenia de que "satanás" se transforma em “anjo de luz”, e Judas, caminhando ao lado do divino Mestre, com a intenção de o trair, nos dá um exemplo bem frisante do que pode ser o “anjo de luz” que serve de instrumento às forças contrárias ao bem, sob o disfarce de cristão.

O Espírito que assistia a Allan Kardec, quando este codificava a doutrina espírita, disse-lhe, certa vez: “Para levares a termo a tua missão, é preciso fé e vontade inabaláveis; é preciso abnegação e coragem para sofreres as injúrias, os sarcasmos, as decepções, sem te abateres aos botes da inveja e da calúnia. Deixa que digam e falem o que quiserem. Tudo passa, exceto a felicidade eterna. Tudo te será contado e bem sabes que é necessário, para ser alguém feliz, ter contribuído para a felicidade dos pobres seres de que Deus povoou a Terra.

O pregador do Evangelho nunca deve esquecer as recomendações feitas pelo apóstolo Pedro, no capítulo 4, vers. 14, de sua Primeira Epístola:

“Se fordes vituperados pelo nome do Cristo, bem aventurados sereis, porque o que há de honra, de glória, de virtude de Deus, e o espírito, que é dele, repousam sobre vós. Se padeceis como cristãos, não vos envergonheis disso; mas, glorificai a Deus”.

E, mais adiante: “Sede sóbrios e vigiai, porque o diabo, vosso adversário, anda ao redor de vós, como um leão que ruge, buscando a quem possa tragar. Resisti-lhe, fortes na fé, sabendo que os vossos irmãos espalhados pelo mundo sofrem a mesma tribulação".

As denominações de “diabo”, “beIzebu”, “satanás” e outras não têm, para nós espíritas, a significação que os homens lhes deram; porém, as influencias más, expressas por esses vocábulos, são uma terrível realidade e o pregador do Evangelho precisa estar prevenido contra elas, para não ser apanhado de surpresa e não sucumbir a “tentação”.

Quantos Centros Espiritas não se têm desmantelado devido a uma pequenina pedrinha, jogada com habilidade e maestria contra as pessoas dos seus presidentes! Quantos pregadores do Evangelho não se afastam da sua missão, feridos por um espinho habilmente escondido na estrada que têm de palmilhar e colocado ali habilidosamente!

O pregador do Evangelho precisa estar alerta contra esses golpes traiçoeiros e manter-se firme no seu posto, pois o bom pastor não abandona as suas ovelhas, mesmo á vista do lobo! A missão do pregador do Evangelho foi-lhe confiada por Deus e não pelos homens; portanto, a Deus ele terá de dar conta dos “talentos" que lhe foram confiados, não podendo desculpar-se com a necessidade de “enterrá-los", para os ocultar aos olhares cobiçosos ou invejosos dos outros!

Sejamos fortes e sigamos o conselho de São Tiago (cap. 4, vers. 7º de sua Epístola): “Resisti ao diabo e ele fugirá de vós” e, quando nos sentirmos desanimados, por qualquer motivo, no desempenho da gloriosa missão da pregação do Evangelho de Jesus, ouçamos os conselhos do Apóstolo Paulo a Timóteo: “Trabalha como um bom soldado de N. S. Jesus Cristo, porque virá tempo em que muitos homens não sofrerão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, acumularão para si doutores, conforme as suas próprias concupiscência; tu, porém, vigia em todas as coisas, sofrendo as aflições. Faze a obra de um Evangelista; cumpre o teu ministério”

domingo, 29 de setembro de 2019

A Festa dos Tabernáculos - Jesus promete o Espírito

A Festa dos Tabernáculos -
Jesus Promete o Espírito                 

7,37 No último dia, que é o principal dia da festa, estava  Jesus  de pé  e  clamava: “ -Se alguém tiver sede, venha a Mim e beba,
7,38 quem crê em Mim, como diz a escritura: Do seu interior emanarão rios de água viva. 
(Zac 14,8) et (Is 58,11)” 
7,39 Dizia isso, referindo-se ao espírito que havia de receber os que cressem Nele; pois ainda não fora dado o espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado.


          Para Jo (37-39), -Jesus Promete o Espírito - tomemos  “Dois Mundos Tão Meus”, de Luiz Sérgio por Irene Pacheco Machado:

            “Parecia que a minha poltrona da Universidade já me esperava, tal o conforto que senti ao sentar-me:
            Iniciou-se a explicação da passagem da Festa dos Tabernáculos ou das Cabanas, assim chamada porque durante os dias de sua celebração os judeus habitavam tendas feitas de folhagem verde para comemorar a longa estada no deserto.
            A finalidade da festa era agradecer a Deus os bens recebidos.
            Aquele povo sofrido ia agradecer a Deus a colheita; velhos, moços e crianças, ricos e pobres, todos louvavam ao Senhor.
            Era tanta gente que cabanas eram erguidas nas ruas e nos pátios do templo.
            De manhã os sacerdotes faziam ressoar as trombetas de prata e, carregando ânforas com água e vinho, iam eles ao compasso da música, subindo os amplos degraus do templo, com o andar cadenciado, alcançando o altar.  
            Ali se encontravam duas bacias de prata, tendo um sacerdote ao pé de cada uma. A ânfora contendo água era despejada em uma bacia, e uma ânfora de vinho em outra.
            O conteúdo das duas corria por um túnel que ia até a planície de Cedron e dali ao Mar Morto. Esse ritual da água consagrada representava a fonte que Deus mandava para dessedentar os filhos de Israel. O povo cantava: Com alegria tirareis águas das fontes da Salvação. (Isaías 12,3)
            Víamos os filhos de José convidando Jesus para a festa e Este alheio às convenções.           Indagaram-Lhe por que não mais comparecia às reuniões nacionais. Jesus nada disse, mas os filhos de José e os apóstolos compreenderam, que Ele evitava inúteis conflitos com os Chefes de Jerusalém. Só labutava na Galiléia, o que levava os Seus discípulos e Seus irmãos à preocupação, porque Ele, que tanto pregava o amor, não respeitava as exigências tradicionais, como guardar o sábado e lavar as mãos antes das refeições.
            O Cristo não assentiu  aos pedidos dos filhos de José e dos discípulos que insistiam para que fosse à festa, mas Ele apenas respondeu: “O mundo não vos aborrece, mas ele Me aborrece a Mim”, querendo dizer que o mundo não aborrece aos que se lhe assemelham. Assim, os irmãos abandonaram Jesus, buscando o mundo. Ele ali ficou, pensativo, até que resolveu caminhar por uma estrada pouco transitada, queria evitar os viajantes.
             Chegou a Jerusalém, indo até o templo. Quando o adentrou o silêncio se fez; Sua figura divina levava o povo ao êxtase e Ele, majestoso e belo, iniciou a preleção. Sua palavras eram claríssimas e o povo ficou deslumbrado com sua doutrina, porque sua palavra era dita com autoridade. (Lucas 4,32)
            Cristo disse àquele povo que não gostaria que se cumprissem as profecias. Ele orava para não ser rejeitado por Sua própria nação. Ele queria salvar Israel da culpa de tal ato.
             O povo, maravilhado, indagava entre si: como pode possuir tal conhecimentos e não estudou nas escolas dos rabinos?  Ele e João Batista eram tidos como ignorantes.
             Jesus ali ficou, dia após dia, ensinando aquele povo e, para terminar, como se quisesse salvar Israel, falou em voz suplicante: “Se alguém tem sede venha a mim e beba. Quem tem sede, venha; e quem quiser tome de graça da água da vida ”
            Terminada a festa, Jesus foi seguido e vigiado por espias.
            Os sacerdotes estavam esperando a hora de prendê-Lo.
            Desde a cura em Betsaida vinham eles tramando Sua morte.”



Espiritismo: Ciência - Religião


Espiritismo – Ciência - Religião
Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Janeiro 1941

Poucos axiomas são tão verdadeiros como aquele que diz – in medio consistit virtus.

A virtude está no meio termo, já proclamavam os romanos. E esse fruto da sabedoria popular ser-nos-ia sempre agradável, se a nossa ignorância, ou, melhor, o nosso orgulho não nos levasse sempre ao extremo da balança, onde os homens pesam todas as coisas, assim humanas como divinas.

Há uma propensão enorme, entre as criaturas, para as ideias arraigadas, irremovíveis; daí nasceu o dogma, do dogma a intolerância, escalracho (infestação) doutrinário, que invade e estiola (debilita) a consciência.

Quando o indivíduo crê firmemente e intransigentemente no quer que seja, sem estudar as razões, ou mesmo as hipóteses que lhe possam contrariar a opinião, já não é um espírito em progresso. Está a um passo do fanatismo, que é a obinubilação (perturbação) completa da razão.

Devemos - e digo isto sem sombra de dúvida - estar prontos para modificar nossas ideias, quaisquer que elas sejam, desde que a verdade se imponha. E é nisto que consiste a superioridade da doutrina espírita sobre as demais doutrinas.

Enquanto o crente mantem-se em suas crenças obsoletas, por maiores que sejam as provas que lhe demonstrem o erro, o espírita se deixa orientar pelos ventos do progresso e se encaminha para onde a sã razão o conduz.

Nós estaremos onde estiverem as provas daquilo que afirmamos. Afirmar sem provar, garantir sem esteios (amparos), impor sem raciocínio não poderá ser, jamais, o nosso critério.

É bem de ver que, muitas vezes, nos faltam as provas daquilo em que cremos; nem sempre temos o arrimo necessário para sustentar as nossas hipóteses. Proceda-se, então, como no terreno científico: serão questões abertas, serão doutrinas pessoais, serão hipóteses de trabalho. O mal, porém, é que, ao possuir uma ideia, sem elementos que a abonem, temo-la, para logo, como absolutamente certa, e não admitimos que ninguém a possa acreditar errada, ou mesmo contrariá-la. Surgem, assim, extremistas nas questões doutrinarias.

Ora, o supor-se alguém como seguro detentor da verdade, num planeta atrasado como o nosso, é manifestação de vaidade, uma espécie de vaidade subconsciente, que por aquela forma se traduz.

Tal tem um pensamento e, uma vez que ele o perfilhou, não pode estar errado. Ele não pode errar e assim, tudo em que opina leva o cunho da verdade absoluta. E não admite, então, a opinião contrária. Aquele que o contraria é riscado das suas relações de amizade. Esse não pode ter ideias também: se as tem, discorda, se discorda é inimigo.

Vemos, destarte, muitos homens inteligentes, probos, trabalhadores, que todos podiam caminhar juntos, unidos pelo princípio comum da solidariedade, pregando juntos a fraternidade humana, que é a cruzada que deve reunir, sob uma só bandeira, as criaturas de prol - vemo-los desavindos, e desavindos por questões de nenhum valor para o progresso moral do gênero humano.

Mas, os que se metem pelas betesgas (becos sem saída), deixando a estrada real, os que supõem que toda a verdade se foi encantonar nos seus principiozinhos, frágeis e insustentáveis, não sabem que o verdadeiro sábío é aquele que sabe que não sabe nada.

Convinha, aos que se presumem de sabidos e soletram pela cartilha cristã, a leitura do Novo Testamento. Ali diz o apostolo Paulo:

“Se alguém supõe que sabe alguma coisa esse ainda não sabe como é preciso que o saiba.” (1ª Epístola aos Coríntios, VIII, v. 2.)

O grande filósofo Sócrates, considerado o grande mestre, afirmava a seus discípulos: - Eu só sei que nada sei. E não fazia mais que repetir aquilo que muitos anos antes dizia Buda aos seus discípulos, e Buda era o iluminado.

O nosso amado Mestre, o Mestre Divino, de cujo saber nenhum cristão duvida, afirmava, na sua pregação: - Quem sabe é o Pai que está nos Céus.

Enchemo-nos, portanto, de muita pena, quando, vemos um pobre mortal assegurar que quem sabe é ele.

A intransigência, o exclusivismo doutrinário, o não admitir alguém que outrem possa
emitir opinião diversa, equivale a esta declaração formal: - Quem sabe sou eu! Eu sei
tudo!..

E, como ele sabe tudo, não pode consentir que o outro saiba alguma coisa. Daí para as divergências profundas e pueris o passo é pequeníssimo. Surgem, então, os cismas, os retaliamentos, às vezes, mesmo, as verrinas (críticas ásperas), a descompostura grossa...

Há tempos, um amigo meu, creio que o Vaz de Carvalho, falou-me num quadro de Cristo, sem barbas. Tão impressionante o achou, que pretendia expô-lo.

- Você está doido, positivamente doido - disse-lhe eu.

- Mas, - replicou ele - não há certeza se o mestre tinha ou não a barba que se lhe atribui. Penso, pois, que não haveria inconveniente.

Eu o atalhei, imediatamente, com a presteza de quem vê um raio quase a fulminar-nos.

- Afugenta, meu amigo, essa ideia terrível! Já previste o que irá suceder? Formar-se-ão logo os partidos. Haverá uma luta acérrima. Imprimir-se-ão os panfletos. Os amigos se separarão. Amanhã não se cuidará mais de saber o que dizia o Cristo, mas se ele tinha barbas ou não as tinha.

Virão, ainda, outros propugnadores, outras variantes. Em vez de barba, dar-lhe-ão um cavanhaque. Haverá os cavanhaquistas e os não cavanhaquistas. Em breve, correrão rios de tinta e de desaforos. Em breve, ninguém quererá mais saber como serão os textos do Evangelho, mas de como seria o rosto do Divino Mestre.

O meu amigo sorriu amargamente, como quem descobre, com grande pesar, que era certo o que eu estava a expor-lhe. Chamou, então, um rapazinho e ordenou: - Vá ali, ao Sr. Américo e diga-lhe que eu desisto do retrato.

*
           
É de crer que, por um declive insensível, se chegue à conclusão de que não devemos ter ideias. Seria um desastre tal conclusão. Ela nos levaria a indiferença, senão ao ateísmo. Podemos e devemos ter ideias, defendê-las com o ardor que nos for possível. Mas, entre o defender ideias e lançar os anátemas aos que pensam de outro modo, existe um abismo. Na sua obra memorável, o Visconde de Bragelone, declarava Alexandre Dumas, a respeito do cardeal de Mazarino, o famoso ministro de Ana d'Áustria ao tempo de Luiz XIV. "que ele, na sua qualidade de cardeal e de primeiro ministro, era pouco mais ou menos ateu e inteiramente materialista".        

Longe de nós, a indiferença do cardeal.

Se Mazarino era mesmo materialista e ateu, não sei. Vá por conta de Dumas. O que é certo é que, na defesa do nosso deísmo e do nosso espiritualismo, temos que apresentar razões e não meras alegações, fatos e não meras asserções. E, baseado no princípio do fato e da prova, é que o Espiritismo, ou a terceira Revelação, como lhe chamamos, surgiu, rodeada de toda a extensa gama da fenomenologia psíquica; dora (de agora) em diante não se trata mais de crer, porém de saber.

Compreendendo a ineficiência do dogma, a impossibilidade de divulgar princípios, só porque neles crê, é que alguns pensadores e publicistas vêm expendendo o melhor do seu tempo com a demonstração daquilo que afirmam.

O pobre escritor destas linhas, notando que é essa a base única e sólida da sustentação de qualquer princípio, tem procurado acompanhar as pegadas daqueles pensadores, não sem refletir na grande distância que separa um e outros.

Também notou quanto é precário o nosso conhecimento e daí a necessidade de esteia-lo da melhor forma possível; Spencer estabeleceu como lei a sua relatividade. E viu, ainda, que as ideias extremas são sempre obscurantistas, que, aos seus propagadores, falta isenção de ânimo, serenidade, tranquilidade espiritual; e que, finalmente, tudo na natureza nos está a demonstrar que a grande virtude reside no meio termo.

Só deveríamos ser radicais quando tivéssemos em mãos as provas seguras, e até estas falham tantas vezes !..

Imagine-se, agora, o radicalismo, o absolutismo, sem prova nenhuma!

Tais considerações vêm à baila, porque, há dias, censurava um confrade, entre outras, as minhas ideias científicas, no que toca ao Espiritismo, e ele achava que o Espiritismo não é ciência, é religião.

O interessante é que outro amigo, e destes que bem merecem tal nome, censurava-me, por seu turno, a religiosidade em Espiritismo, e me afirmava, com grande cópia de argumentos, que   o Espiritismo não e religião, é ciência.

Chama-se a isto estar preso por ter cão e por não ter cão.

Mas, o que a eles, ou a pouca gente se afigura claro é que o Espiritismo possa ser, ao mesmo tempo, religião e ciência. É com este caráter que ele se nos apresenta, é por esta forma, conseguintemente, que o encaramos.

Parece ter sido debalde que os mestres no-lo expõem sob esse duplo aspecto, ou melhor ainda, sob o tríplice aspecto de religião, Ciência e filosofia..

Muitos, porém, só o reconhecem por uma das faces. E o fato se explica e justifica de maneira clara. Vamos buscar no passado as raízes dessa preferência. E, em vez de condena-la tentaremos, ao contrário, explicá-la.

Muitos de nós, que hoje militamos na doutrina espírita, viemos das fileiras religiosas, do absolutismo religioso. Vivemos, durante séculos, folheando os livros sagrados, engrazando (enfiando as contas dos) rosários, comentando as Escrituras, apostrofando os incréus ou os díscolos (rebeldes), anatematizando os contrários, proibindo as discordâncias, impondo os pontos teológicos.

Seria impossível que esse lidar, durante tempos imemoriais, num sentido único e num só feitio não nos fizesse uma ranhura na alma. Daí o infalibilismo bíblico, o sectarismo religioso, a inflexibilidade na interpretação dos textos, a fé desarrazoada, a inclinação a toda a sorte de fanatismo, o abandono da iniciativa pessoal, a propensão a deixar tudo por conta e as costas do Espírito Santo, no nosso caso, o espírito guia.

Eles não podem ver, ainda, com bons olhos o Espiritismo cientifico, que lhes parece orgulho, bazófia e até ignorância.

Há o reverso; há o outro extremo: os que não admitem o espirito religioso. Para eles, só vale o conhecimento. Foram provavelmente, como Giulio Mazarino, conforme no-lo pinta Dumas. Não tinham nenhum elemento de convicção. Faltando-lhes a fé, sua crença não passava de mera encenação, espécie de fogo de vistas. Só acreditavam nos cinco sentidos e nas fracas noções que a ciência nos oferece. Não viam, nem veem que muita coisa há que nos entra na alma pela via da intuição; que há pobres de espírito mais iluminados que muitos sábios sublunares; que uma simples prece faz conseguir o que muitos anos de esforço não puderam realizar.

O estudo, a meditação, a lição dos maiores convenceram-me de que amputaremos o Espiritismo, se lhe tirarmos uma de suas faces.

Abstenho-me de o demonstrar a confrades e amigos, por fugir a controvérsias dentro de nossos arraiais. Além disso. disse-me há tempos distinto irmão em crenças espiritas, que não me replicaria, porque não tinha onde publicar seus escritos.

Aprendi a tolerância na adversidade. Tempos houve em que vi, a respeito de trabalhos meus, a mais disparatada crítica, sem ter por onde revidar. As vezes, mesmo, me vinham pedir artigos, opiniões, entrevistas, que eu dava, com dificuldade, por falta de tempo e de saúde. Surgiam os contestadores, nem sempre imunes de virulência. Eu voltava com a tréplica. Neste ponto, porém, os entrevistadores ou donos de jornais davam por finda a questão. Não queriam polêmicas, não desejavam agitar as questões religiosas. Fácil é adivinhar donde provinha a proibição e eu acabava arrolhado. O que ninguém sabia é se havia parado por falta de jornal.          

Graças a Deus rendo eu hoje em dia, porque tais provas me ensinaram a paciência e me fizeram ver quanto fere a injustiça, a intolerância, o espírito de seita.

Nada direi, portanto, aos argumentos de confrades e, sobretudo, de confrades amigos.

As leis da amizade e do cavalheirismo me obrigam a passar de largo.

O mesmo já não sucederá a um ilustrado publicista o qual, ocupando em S. Paulo importante função pública, negou a uma escola o direito de ensinar Espiritismo, a exemplo do que ela fazia com outras religiões, porque esta disciplina não era uma religião, assegurava ele.

Esse tem, por certo, ao seu dispor, inúmeros jornais. Não faltará nunca a ninguém uma publicação qualquer, quando se trate de dar combate ao Espiritismo.

Ora, negar ao Espiritismo o seu lado religioso seria retirar-lhe o pé de igualdade junto às demais crenças; seria desnivela-lo perante as outras religiões; seria desconhecer os favores que a Constituição concede a todos os credos; seria vedar-lhe a propagação; seria tornar legal a sua proibição; seria impedir o seu conhecimento, frustrar a reunião dos seus crentes, fechar as suas sessões, matá-lo; enfim.

Tal é o escopo dos nossos adversários, infelizmente com aplausos de alguns amigos, os quais, sinceros embora, não veem por onde a serpe (serpente) rasteja.

Que eles, os antagonistas, obrem com mãos livres, estão no seu direito. Os seus argumentos, porém, é que pouco valem, e tão só isto é o que pretendo demonstrar, sem molestar ninguém.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

26 de Setembro




A mais alta recompensa,
De quem procura ajudar,
Vibra pura, viva e imensa,
No próprio prazer de dar.

Casimiro Cunha
por Chico Xavier
in ‘Centelhas de Sbedoria’  (1ª Ed. ‘FEB  1975)

Antecipam-se as negativas de Pedro



Antecipa-se as Negativas de Pedro

 26,30  Depois do canto dos Salmos, dirigiram-se eles para o Monte das Oliveiras.
26,31  Disse-lhes, então, Jesus: “ -Esta noite, serei para todos vós um motivo de desapontamento, porque está escrito na Bíblia: “Ferirei ao Pastor, e as ovelhas do rebanho serão dispersadas (Zac 13,7),” 
26,32  mas, depois da Minha ressurreição, Eu vos precederei na Galileia.”0
26,33 Pedro interveio: -Mesmo que sejas para todos um motivo de desapontamento, para mim jamais O serás. 
26,34  Disse-lhe Jesus: “ -Em verdade te digo, nesta noite mesmo, antes que o galo cante 3 vezes, Me negarás! 
26,35  Respondeu-Lhe Pedro: Mesmo que seja necessário morrer contigo, jamais Te negarei! e, todos os outros discípulos, diziam-Lhe o mesmo.                                                                           

           Néio Lúcio, por Chico Xavier, em “Jesus no Lar” nos ensina sobre:

O Culto Cristão no Lar

           “Povoava-se o firmamento de estrelas, dentro da noite prateada de luar, quando o Senhor, instalado provisoriamente em casa de Pedro, tomou os Sagrados Escritos e, como se quisesse imprimir novo rumo à conversação que se fizera improdutiva e menos identificante, falou com bondade:
            -Simão, que faz o pescador quando se dirige para o mercado com os frutos de cada dia?
           -Mestre, naturalmente, escolhemos os peixes melhores. Ninguém compra os resíduos da pesca.
             Jesus sorriu e perguntou, de novo:
            -E o oleiro? que faz para atender à tarefa a que se propõe?
          - Certamente, Senhor -redarguiu o pescador, intrigado, modela o barro, imprimindo-lhe a forma que deseja.
            O Amigo Celeste, de olhar compassivo e fulgurante, insistiu:
            -E como procede o carpinteiro para alcançar o trabalho que pretende?
            O interlocutor, muito simples, informou sem vacilar:
        -Lavrará a madeira, usará  a enxada e o serrote, o martelo e o formão. De outro modo, não aperfeiçoará a peça bruta.
            Calou-se Jesus, por alguns instantes, e aduziu:
            -Assim, também, é o lar diante do mundo. O berço doméstico é o primeiro templo da alma. A casa do homem é a legítima exportadora de caracteres para a vida comum. Se o negociante seleciona a mercadoria, se o marceneiro não consegue fazer um barco sem afeiçoar a madeira aos propósitos, como esperar uma comunidade segura e tranquila sem que o lar se aperfeiçoe? A paz do mundo começa sob as telhas a que nos acolhemos. Se não aprendemos a viver em paz, entre quatro paredes, como aguardar a harmonia das nações? Se nos não habituarmos a amar o irmão mais próximo, associado à nossa luta de cada dia, como respeitar o Eterno Pai que nos parece distante?
            Jesus relanceou o olhar pela sala modesta, fez pequeno intervalo e continuou:
       Pedro, acendamos aqui, em torno de quantos nos procuram a assistência fraterna, uma claridade nova. A mesa de tua casa é o lar de teu pão. Nela, recebes do Senhor o alimento para cada dia. Por que não instalar, ao redor dela, a sementeira da felicidade e da paz na conversação e no pensamento? O Pai, que nos dá o trigo para o celeiro, através do solo, envia-nos a luz através do Céu. Se a claridade é a expansão dos raios que a constituem, a fartura começa no grão. Em razão disso, o Evangelho não foi iniciado sobre a multidão mas, sim, no singelo domicílio dos pastores e dos animais.
            Simão Pedro fitou no Mestre os olhos humildes e lúcidos e, como não encontrasse palavras adequadas para explicar-se, murmurou, tímido:
            -  Mestre, seja feito como desejas.
          Então Jesus, convidando os familiares do apóstolo à palestra edificante e à meditação elevada, desenrolou os escritos da sabedoria e abriu, na Terra, o primeiro culto do lar.”      

                Para  Mt (26,30-35) -Antecipam-se as  negativas  de  Pedro,  encontramos em
“Elucidações Evangélicas”(Ed. FEB) de A. L. Sayão o lindo trecho que se segue:

            “Jesus dá a ver, de antemão, a seus discípulos, quão frágil é a vontade humana e quão pouco deve o homem contar com as suas próprias forças. Dizendo a Pedro: Roguei por Ti, mostra que só na prece pode o homem encontrar amparo. Naquela ocasião, nenhum assim o compreendeu, tanto que nenhum recorreu a esse cordial da alma, pelo que todos faliram no momento do perigo. Foi uma lição que muito devemos aproveitar.
            Nisto que também disse a Pedro: Simão, Simão, satanás vos reclamou a todos para vos joeirar, como se faz ao trigo, aludia à influência que, sobre aquele apóstolo, exerceria o temor dos acontecimentos que poderiam dar-se, aos maus pensamentos que lhe germinavam no coração e que, por vezes, o faziam deplorar ter enveredado por tão perigoso caminho, pensamentos esses que, embora fugazes, não escapavam à percepção do Mestre. Pedro compreendia que um grande perigo os ameaçava, a eles e a Jesus, e a fraqueza humana lhe fazia nascer no íntimo, de quando em quando, um vago sentimento de pesar, por se haver exposto de tal modo.”


            A Seguir, extraído de “Revelação dos Papas” (Ed. UES - 1936), leiamos um ditado do próprio...

            Pedro Apóstolo (O médium vê um homem de barba e cabelos brancos, envolto em luz também branca. A irradiação luminosa impede que ele distinga as suas vestes.)

            Meus irmãos, quem vos visita hoje é Pedro, a quem chamais apóstolo e guarda das portas do céu.    
            O humilde espírito que ora baixa a terra, para vos falar em nome de Deus, é aquele a quem denominas santo e proclamas fundador da Igreja, que dizeis de Jesus Cristo.
            Tendes junto a vós o espírito de Pedro - o humilde pescador da Galileia, que vem à vossa presença dissipar as trevas que ainda envolvem a vossa consciência, impedindo-vos a visão clara e perfeita das coisas a que chamais sagradas.
            Deus, meus irmãos, coloca-me nesta hora perante a cristandade para que lhe fale em Seu nome, desmentindo tudo quanto de falso e absurdo se afirma a seu nome e a meu respeito.
            Ides ouvir a palavra do humilde e obscuro pescador da Galileia, do mais fraco e pequeno discípulo do Mestre, que neste momento olha para mim e me ordena dizer a verdade inteira, pura, como pura é a consciência do meu amado Mestre.
            Jesus está me acenando e dizendo: “Pedro, fala como falei, prega como preguei, ensina como ensinei, guia como guiei, nega como neguei, afirma como afirmei, ama como teu Mestre amou e perdoa como Ele perdoou. Pedro, fala, anuncia, profetiza, promete, garante em nome de Teu Pai e abençoa em nome de Teu Mestre.”
            O pescador vai, pois, declarar o que sabe; vai dizer o que todos precisam saber desde já, vai confirmar as palavras do Mestre e destruir o erro e a mentira ensinados em nome de Jesus como também no seu.
            Fui discípulo de Jesus e ouvi dos seus lábios a verdade que hoje exalto; recebi dele os ensinamentos que ora divulgo pelos homens, bebi na fonte inesgotável que é o Evangelho do Mestre, todas as lições que vos venho trazer. Fui humilde e obscuro pescador e jamais recebi a luz da instrução que, no meu tempo, era difundida pelos homens.
            Meus pais me destinaram ao mar e o mar exigia de mim apenas duas coisas: robustez física e coragem para lutar contra a fúria dos elementos. A minha inteligência era, por isso, inculta e acanhada.
            Todo o meu saber se limitava às coisas do mar, às necessidades da vida de marujo, e eu era dos mais audazes e resolutos.
            Nada compreendia do que respeita à filosofia, às superiores cogitações a que se entregavam os doutores nas sinagogas, onde eu assistia, absorto, aos atos religiosos e divinos, unicamente levado até ali pela fé simples e ingênua de homens do mar. Nada sabia das coisas sublimes de que se ocupavam os doutores da Lei; nada percebia do que estava escrito no Antigo Testamento, que o meu mestre-pescador lia à tardinha, sentado na proa da nossa barca, explicando-nos aquilo que a sua inteligência, também precária e desprovida de luzes e do preparo com que a instrução nos aperfeiçoa o entendimento e esclarece a razão, mal podia compreender.   
            Nada, portanto, sabia eu das verdades eternas e dos ensinamentos trazidos ao mundo pelos profetas de Israel.
            Leigo, obscuro, ignorante e simples, vivi até o dia em que fui ouvir o Mestre, que, então, falava aos pescadores da Galileia, ensinando-lhes a interpretar o Decálogo que Moisés recebera no alto do Sinai.
            Jesus falava mansamente; sua voz, pausada e firme, era cheia de ternura e encanto e abalava os corações dos que ouviam, arrebatados de assombro, as grandes verdades expostas com tanta simplicidade e clareza por aquele homem moreno, de tez lisa e ampla, cabelo cor do vinho claro que bebíamos à hora do repasto.
            Jesus sentara-se sobre o bordo da barca de Luiz e dali dizia aos pescadores, agachados no fundo de suas barcas, a verdade emanada de Deus, que o incumbira de trazê-la aos homens para liberta-los das trevas do obscurantismo.
            Quando Jesus terminou era noite já, ao clarão dos fachos que acendemos para acompanha-lo até a margem, escolheu os que desejavam aprender dele - que era bom e manso - as sublimes verdades da vida eterna, da bondade e misericórdia de Deus.
            Jesus disse: “-Quereis acompanhar-me, vinde. Dar-vos-ei outro ofício, outra tarefa, outro trabalho, mas não pagarei salário, como faz o vosso mestre-pescador, porque sou muito pobre, nada tenho para mim e muito menos para dar. Meu Pai, entretanto, vos pagará um dia, e garanto-vos aquele dentre vós que mais se esforçar para servi-lo, ele pagará generosa e fartamente. São estas as condições em que ides trabalhar; se vos agradam, aceitai-as, se não, deixai-me ir só e ficai com o vosso mestre-pescador.”
            Eu e Tiago fomos os primeiros que bradamos: “-Não mais vos abandonaremos, Senhor; morreremos ao vosso lado.”
            Jesus sorriu e acrescentou: “Refleti bem no que ides fazer, pois eu venho para sofrer, e todos aqueles que me pertencerem sofrerão também.”
            Tomamos o compromisso de comer o mesmo pão e beber a mesma água que o nosso Mestre. Partimos. Caminhamos dia e noite para chegar à Palestina, onde o esperavam ansiosos para ouvi-Lo. Ali chegados, embora cansados e famintos, sentimo-nos satisfeitos, contentes e confortados, sem que soubéssemos porque. Nada do que nos ofereciam para matar a fome e mitigar a sede foi devorado, bastando alguns bocados para refazer as forças perdidas durante a marcha penosa, através dos campos e cidades que percorremos.
            Jesus tocou apenas num bocado de pão e bebeu um pouco de água, oferecida por uma mulher que se aproximara para beijar-Lhe a mão e oferecer-Lhe aquela água do seu poço, por ser - dizia ela - a mais fresca do lugar.
           Daí por diante começou para mim nova vida, nova era; tudo se me afigurava claro e risonho; toda a dificuldade que até então encontrava para compreender o porque e a razão de ser das coisas desapareceu e, dentro de alguns dias, eu explicava aos que procuravam o Mestre, durante o seu repouso, as grandes verdades que ouvira dele durante a jornada.
        Quando se me perguntavam onde havia estudado para falar, com tanto acerto, ficava embaraçado para responder, e era sempre Tiago que me socorria, dizendo: “Foi o Mestre quem nos ensinou a falar assim.”
            Tinha então adquirido tanta facilidade de raciocínio e exposição que a mim mesmo causava assombro.
            Jesus dizia-me: “Tu és fraco, não tens a coragem e a energia de João, a audácia e a resignação de Simão; não obstante, a tua palavra medrará, a tua boca derramará as claridades divinas sobre teus irmãos. Mas, olha lá, não te deixes levar pelo teu gênio irrequieto, sôfrego, altivo e intolerante. Tu não é homem para a firmeza e para o sacrifício. Possuís virtudes, mas não tens ainda a fé bem enraizada no fundo da tua alma. Toma cuidado, pois, contigo mesmo; teu inimigo está na tua própria alma, vê se te livras dele.”
            Pensava e meditava sobre estas palavras do Mestre e dizia comigo mesmo: Onde irei buscar a força e a coragem de que me fala sempre o Mestre? E desatava a chorar copiosamente, pedindo a Deus me tornasse digno da missão que eu tomara sobre os ombros, concedendo-me a graça de ser um verdadeiro discípulo de Seu Filho.
          Continuamos sempre unidos, sempre juntos - Mestre e discípulos, caminhando de terra em terra, espalhando a luz da verdade que Jesus punha em nossos lábios.
         Em toda a parte éramos ouvidos com atenção e respeito, chegando a receber, em alguns lugares, aplausos extraordinários, que se traduziam nas ofertas trazidas ao Mestre e a nós, no agasalho e conforto que nos ofereciam povos inteiros.
            Correram assim os dias, meses e anos, até chegar o momento do sacrifício do Mestre. Todos os discípulos se resignaram a ver aproximar-se a hora do martírio de Jesus, conformando-se com a afronta que publicamente Ele ia suportando.
            Pedro era o único que não se conformava com a ideia de ver seu Mestre sacrificado; mas, quando lhe diziam - “Se não queres vê-Lo torturado, humilhado e morto, dá a tua vida por Ele”- a minha resposta era o silêncio. Recolhia-me dentro de mim mesmo, apavorado ante a idéia de me deixar imolar pelo Mestre.
            Jesus fitava-me e dizia: “Pedro, meu filho, és fraco, mas a tua palavra terá força; continua, pois.”
            Chegara a hora da condenação de Jesus e o galo cantara já duas vezes, pois duas vezes eu fora interrogado sobre as minhas relações íntimas com o Rabino da Galileia e o negara, declarando jamais te-Lo visto, sequer de relance.
            À terceira pergunta respondi negativamente, como as outras, mas desta vez Jesus apresentou-se na minha frente e disse: És fraco, Pedro, mas Eu te perdoo.”
            Olhei em volta e não mais encontrei o Mestre. Chorei toda a noite; não comia, não tinha sossego, não encontrava alívio em parte alguma; a cada passo parecia-me ouvir o Mestre dizer: “És fraco, Pedro, mas Eu te perdoo.”
            Aqui tendes o que fui enquanto estive junto de Jesus: fraco e vacilante, tendo fé pouco firme e confiança muito limitada na infinita sabedoria de Deus.
            Jesus me perdoou, dando-me esta luz que trago e intercedendo junto ao Pai pelo pescador da Galileia, fraco e vacilante.
            Após a morte, o espírito de Pedro ficou errante, confuso, ouvindo sempre a voz do Mestre ecoar-lhe nos ouvidos: “És fraco, Pedro, mas Eu te perdoo.”
            Fui, pois, dos discípulos de Jesus o mais fraco e o menos crente.
            Porque razão havia de caber-me uma tarefa tão espinhosa qual a de defender a sua doutrina após a desencarnação do Mestre?
           Porque haveria de merecer a graça de ser no mundo o esteio da doutrina de Jesus, defendendo-as dos golpes desferidos contra ela e seus adeptos pelos grandes da Terra, que procuravam, pelo ultraje e massacre, abafar a voz do Messias, ainda ecoando dos lábios dos discípulos e dos crentes.
            Porque me chamais príncipe dos apóstolos, quando fui o último deles?
            Porque haveis de acreditar tenha sido eu o organizador da Igreja se, por ocasião de sua fundação, eu já me achava na eternidade, de onde saí hoje para vir dizer-vos estas coisas?
            Jesus Cristo que me confia hoje a magna tarefa de afirmar que a realidade está toda inteira no Espiritismo, que é o seu Evangelho em espírito e verdade, anunciando-vos, ao mesmo tempo, que o Senhor mandará ao mundo muitos espíritos bem aventurados para vos ensinarem as verdades eternas e as restabelecerem onde os homens as desvirtuam, comprometendo a sua doutrina, procurando apagar o nome de seu Pai e o Seu no coração da criatura terrena.
            Pedro vem, assim, dizer-vos que não acrediteis seja ele o porteiro de um céu, que não existe senão na imaginação dos fracos e embusteiros, interessados em afastar-vos do caminho da verdade e da luz.
            O céu só existe na paz das consciências dos bons e dos puros e tem uma única chave, que está em vossas próprias mãos - a caridade.
            Vós mesmos é que sois porteiros do céu, onde haveis de viver um dia, quando terminada a provação terrena. Pedro, meus amigos, foi fraco e vacilante ao lado do Mestre e não teve a resignação e coragem e a confiança dos seus companheiros; para que, pois, emprestar ao humilde pescador da Galileia honras e títulos que não merece?
            Ficai certos e seguros de que tudo quanto vos contam a seu respeito são criações dos homens. Pedro foi grande, eloquente e sábio enquanto esteve ao lado do Mestre, recebendo as irradiações sublimes de seu espírito divino.
         Tudo isso desapareceu, porém, no momento em que negou o Mestre, na hora em que abandonou o compromisso de acompanha-Lo até a morte, comer do mesmo pão e beber da mesma água, faltando, deste modo à sua palavra e confirmando as de Jesus: “És fraco, Pedro, mas Eu te perdoo.”
            E perdoou-me o meu querido Mestre, o divino Jesus, e vai conceder-me novamente a graça de voltar à Terra, para continuar a sua obra e concluir o que há mil e novecentos anos não tive forças para sustentar. Volto, e desta vez o galo não cantará, nem mais ouvirei aquelas terríveis palavras que tantas vezes me escaldaram os ouvidos: “És fraco, Pedro, mas Eu te perdôo.”
            Jesus me falará e ouvirei sempre a sua voz; mas esta será um incitamento, um conforto que me alentará na luta em prol da verdade eterna, que voltarei a defender.
            Ficai, portanto, certos, meus irmãos, de que Pedro voltará entre vós, porém, mais forte, mais enérgico e firme na sua crença, mais inabalável na sua fé, confiando, em absoluto, em Deus e em Jesus, que o enviaram aqui para dizer certas palavras e ainda mais - que será Pedro o escolhido para dizer-vos muitas outras verdades em ocasiões diversas, em emergências difíceis, em situações perigosas nas quais vos achareis um dia na terra.
            Pedro vem, pois, à vossa presença declarar que não é santo, nem príncipe dos apóstolos; de todos os espíritos que acompanharam Jesus na Terra foi ele quem mais se perturbou após a sua desencarnação, e isso por ter sido o mais fraco e o menos crente de todos.
          Pedro já teve outras missões após aquela em que esteve entre vós. Seu espírito evoluiu e caminhou para poder hoje falar-vos humildemente, dizendo: “Sou pequeno e fraco, conservo ainda a simplicidade e rudeza do pescador dos mares tempestuosos da Galiléia; estou em meio do caminho e tenho ainda muito que andar para chegar à perfeição. Nada sei, muito me falta aprender ainda, muito tenho que estudar para alcançar o título de espírito sábio. Nada, pois, deveis conferir-me, nenhum título dar-me, nenhuma honra tributar ao meu nome, e, quando vos referirdes a mim, dizei sempre - o pescador da Galiléia. Isso me honrará muito mais do que o principado que injustamente me ofereceis.”   
            Aconselho-vos à prática do bem e da caridade, da justiça e do amor ao vosso semelhante, o respeito à lei de Deus e a observância rigorosa dos ensinamentos de Jesus.
           Agradeço a todos o ouvirem-me com atenção e afeto. Deus vos proteja e Jesus vos acompanhe em todos os atos da vida.
            Pedro, o pescador da Galiléia
                                               (Junho de 1916)