O
Mundo Psíquico do Professor Jung
Da Redação
Reformador
(FEB) Agosto 1961
Ligeira notícia telegráfica,
publicada pelo "O Globo" de 7 de Junho próximo passado, fez-nos
cientes da desencarnação do Dr. Carl Gustav Jung, famoso psicólogo e psiquiatra
suíço e "um dos homens mais cultos da Europa".
Criador da escola psicológica
analítica, foi chefe da Clínica Psiquiátrica da Universidade de Zurique, de
1905 a 1913; professor de Psicologia na Universidade Politécnica Federal, de
Zurique, desde 1932; fundador e primeiro presidente (1911) da Sociedade
Psicanalítica Internacional; presidente, em 1933, da Sociedade Médica
Internacional de Psicoterapia; professor, em 1943, da Universidade de Basel.
São numerosas as obras científicas por ele publicadas e traduzidas para várias
línguas.
Homem simples, sereno e não
"ortodoxo", o Dr. Jung, ao verificar que a psicanálise freudiana se
estagnava na exegese das palavras do mestre vienense, fossilizando-se em seita,
com dogmas intocáveis e muitas vezes inacessíveis ao entendimento, rompeu com
Freud e abriu um novo rumo para a análise da mente humana, "aprofundando ainda mais a psicologia abismal
até abranger as dimensões do espiritual e do cósmico".
Apesar de jamais ter esposado as
concepções espíritas, certamente por falta de melhores e mais amplas
observações, procurou, entretanto, dar de certa forma um passo nesse sentido,
sendo, principalmente por isto mesmo, criticado e arrolado como um
psicólogo-filósofo, de tendências místicas, embora houvesse declarado enfaticamente:
"Não me interessam os sistemas
filosóficos. Sou um experimentador. Se descubro um fato novo, não hesito em me
descartar das mais sedutoras teorias..."
Eis a noticia necrológica a que nos
referimos acima:
“ZURIQUE, Suíça, 7 (A.P. - O GLOBO)
- Em sua vila, em Kuesnacht, faleceu ontem aos 85 anos o notável Prof. Carl
Gustav Jung, que foi um dos fundadores da Psiquiatria moderna. O extinto foi, logo
no início de sua brilhante carreira, um dos mais íntimos colaboradores de
Sigmund Freud. Rompeu, entretanto, mais tarde, com ele, devido à ênfase que a
escola freudiana dava ao simbolismo sexual nas ações do ser humano. Jung atuou
inicialmente como neurologista, entrando depois pela Psiquiatria e redefinindo
muitos de seus conceitos fundamentais. Carl Jung era filho de um pastor e
nasceu em Kesswil,
às margens do lago de Constança, em 26 de Julho de 1875, demonstrando desde
logo enorme precocidade. Aos seis anos já lia com desembaraço livros didáticos
em latim. Mais tarde estudou Medicina em Basel, Zurique e Paris, passando a
trabalhar na clínica para doenças mentais de Burghoezli, dirigida pelo Prof.
Eugen Bleuler, autor de um dos primeiros livros de Psiquiatria moderna. Nomeado
chefe de clínica em 1905, Jung atraiu a atenção
do mundo médico com seus trabalhos sobre a esquizofrenia e sua introdução aos
conceitos da extroversão e introversão. Passou longo tempo na África estudando
mitos e símbolos, para aperfeiçoamento de sua teoria de que a alma humana pode
transcender do tempo e no espaço."
Ao
ensejo desta notícia, aproveitamos para apresentar aos nossos leitores, em
tradução, interessante trabalho estampado na revista londrina "Two
Worlds", de Junho do ano em curso, trabalho que levou a epígrafe destas
colunas.
"Embora eu nunca tenha feito qualquer notável pesquisa original neste
campo (psíquico), não hesito em declarar que observei uma quantidade suficiente
de tais fenômenos, que me convenceram inteiramente de sua realidade."
Este é o veredicto dos 85 anos do Prof. Carl Gustav Jung, o psicólogo mais
famoso do mundo. É citado na revista "Tomorrow" (publicada pela
"Fundação Parapsicológica de Nova Iorque") por Aniela Jaffé, que foi
secretária de Jung nos últimos anos e, antes disso, secretária do "Instituto
C. G. Jung", de Zurique, fundado em 1948.
O professor emitiu o juizo acima na
Introdução que escreveu para a edição alemã de "The Unobstructed
Universe", um dos mais excelentes livros sobre fenômenos psíquicos,
baseado em experiências pessoais do seu autor, Stewart Edward White (1). Jung acrescentou que considerava
esses fenômenos inexplicáveis. "Se de um lado - escreveu ele - nossas
faculdades críticas duvidam de todo caso individual de aspecto espírita, somos,
contudo, incapazes de demonstrar um caso sequer da não existência de Espíritos.
Devemos, por esse motivo, limitar-nos, a este respeito, a um julgamento de
"non liquet!" (2)
(1) Nota do
Tradutor - Conhecido novelista norte-americano, autor de numerosas obras de
ficção, desencarnado em 1946.
"The Betty book" foi a obra com a qual, em 1937, o famoso
escritor inaugurava uma série de livros espíritas. Encerra, este primeiro, a
narrativa de excursões no mundo espiritual, recebidas por Betty (pseudônimo de
Elizabeth Calvert White) entre 1919 e 1936. Fizeram-se muitas edições dessa
obra, tendo sido também editada na Inglaterra, em 1945.
Afora outras sobre o mesmo assunto,
é ele ainda autor de: "The Unobstructed Universe", publicada em Nova
Iorque, em 1940; "The stars are
still there”, N. I., 1946; "With
folded wings", N. I., 1947, esta última baseada em comunicações
recebidas através da mediunidade de Betty.
Aniela Jaffé lembra um fato pouco
conhecido. No começo de 1920, Jung participou de sessões com o Barão von Schrenck-Notzing,
o reputado médico e investigador psíquico (3), sendo médium Rudi
Schneider. A materialização foi um dos fenômenos que eles testemunharam. Em
1930, Jung assistiu a novas sessões, na presença de outros cientistas.
(3) Nota do Tradutor – Célebre autor da notável obra
"Os Fenômenos Físicos da Mediunidade", originalmente editada em
alemão.
Escreve Aniela Jaffé que "sonhos clarividentes e fatos de precognição
sucederam muitas vezes na vida de Jung". A mãe dele era médium. Ela
deixou um diário no qual registou aparecimentos de "fantasmas",
pressentimentos e outras "ocorrências invulgares", tendo ainda
declarado que, quando criança, concorria para proteger, dos fantasmas, o seu
pai, cura de uma igreja de Basle. Este escrevia os seus sermões com a filha
assentada atrás dele,
a fim de que os "fantasmas" não o molestassem.
A avó de Jung era também
clarividente. A família acreditava que este dom se originou quando ainda
menina, ela esteve aparentemente morta durante 36 horas. "Seus poderes
foram notáveis", diz Aniela Jaffé . "Ela via aparições de pessoas que lhe eram desconhecidas, mas cuja
existência histórica ficava provada mais tarde."
O interesse de Jung pelos assuntos
de Espiritismo foi-lhe despertado durante seus primeiros estudos médicos. Um
dos seus colegas de turma, Alberto Oeri, num elogio publicado por ocasião do
sexagésimo aniversário do professor, disse que Jung mostrara considerável
coragem naqueles estudos. Além de fazer experiências no campo mediúnico, o professor
realizou extensa pesquisa na literatura espírita. E acrescentou Oeri: "Ele se punha em campo quando a ciência
oficial daquele tempo simplesmente negava a existência dos fenômenos ocultos;
sem se abalançar a estudá-los ou explicá-los. Tinha certos espiritistas, quais
o Prof. Zollner e Sir William Crookes, como heroicos mártires da Ciência."
Oeri, que mais tarde se tornou
membro do Parlamento suíço e editor de um jornal diário, referiu-se às
primeiras experiências conduzidas por Jung cerca de sessenta anos atrás, sendo
médium uma estudante de 15 anos de idade, sua prima. Ao tempo em que ele estava
preparando a análise dos resultados obtidos naquelas sessões, para publicá-los sob
o título' - "Sobre a Psicologia e a
Patologia dos chamados Fenômenos Ocultos" (4), ocorreram dois desses
"fenômenos ocultos" na casa em que morava juntamente com sua mãe
viúva e sua irmã. Pesada mesa de nogueira, móvel herdado, rachou com um
estrondo. Uma faca de cortar pão, guardada numa gaveta, partiu-se em quatro
pedaços, com surdo estalo. Jung e sua mãe achavam-se presentes em ambos as
ocasiões. Ele ainda conserva as quatro partes da faca.
(4) Nota do Tradutor - "Zur
psychologie und pathologie sogenannter occulter phänomene" é o nome com
que, em 1902, saiu a edição alemã original. Embora divirja do ponto de vista
espírita, o Autor, nas conclusões desse ensaio, confessou estar longe de haver
chegado a um resultado concludente e cientificamente satisfatório.
Aniela Jaffé descreve como Jung
mudou de pensamento a respeito desses assuntos. Assim é que, numa conferência
pronunciada na "Society for Psychical Research", de Londres, em 1919,
ele declarava que os fenômenos psíquicos poderiam ser considerados
psicologicamente como "projeções dos complexos autônomos
inconscientes". (5) A respeito dos fenômenos
que ele observou, disse então: “Em tudo isso não posso ver nenhuma prova a favor
da existência real de Espíritos." E acrescentava que, "por ora, o
domínio desses fenômenos de assombração
faz parte de um capítulo especial da Psicologia".
(5) Nota do Tradutor - O inconsciente sempre ocupou no sistema
psicológico de Jung um posto inteiramente predominante, encerrando, segundo
ele, forças infinitamente mais poderosas que as do consciente.
Colocando ao que chamou inconsciente
coletivo ou racial (disposição herdada dos ancestrais) fora das categorias de
tempo e espaço, por meio dele procurava explicar o conhecimento que alguém pode
ter de ocorrências inacessíveis, em dado momento, pelas vias conscientes
habituais. "Assim - dizia o Dr. Jung -, posso saber que um amigo acaba de
morrer, a 500 quilômetros daqui, e mesmo do que morreu. Isto se passou comigo
não uma, mas diversas vezes. O Dr. Rhine, nos Estados Unidos, tem estudado
esses fenômenos parapsicológicos, provando que não podem ser explicados como
acaso ou coincidência." (Entrevista concedida a "O Globo" de
4-1-60).
Quanto a esses fenômenos
parapsicológicos ou parapsíquicos da escola de Rhine (percepção extra-sensorial
e psicocinesia), o Dr. Jung teceu sobre eles hipóteses explicativas, como a da
sincronicidade, hipóteses que vieram enfileirar-se a tantas outras de autores
diversos, todas discutíveis e longe de chegarem a um acordo. Sabemos, mesmo,
que sobre este assunto, mais especializado, ele escreveu, de parceria com o
psicólogo W. Pauli, uma brochura intitulada - "Naturerklärung und
Psyché", editada em Zurique, em 1952 (a segunda parte da brochura é um
ensaio de Pauli sobre Kepler).
Quase trinta anos mais tarde, em
1947, ao aparecer sua conferência em nova edição, Jung acrescentou em pé de
página uma nota dizendo que "depois de reunir, por 50 anos, experiências
psicológicas de muitas pessoas e em muitos países", ele já não se sentia
tão certo quanto o esteve em 1919. “Para falar francamente, duvido que uma maneira
de encarar (approach) exclusivamente psicológica possa fazer justiça aos
fenômenos em questão."
Aniela Jaffé recorda-se de "um
surpreendente fato" que ocorreu quando Jung, em 1920, passou vários fins
de semana numa casa assombrada, na Inglaterra. Ele se confessou possuído de certa
ansiedade durante as noites em que se processaram tumultuosos fenômenos de
assombração, batidas inexplicáveis, odores desagradáveis, ruídos semelhantes ao
do roçar da seda e ao de um gotejamento. O clímax foi atingido com a aparição,
a cerca de cinquenta centímetros de Jung, sobre um travesseiro, de uma cabeça
de mulher, com aparência semi sólida. Um dos olhos parecia estar bem aberto e
olhava fixamente para Jung. Quando a cabeça desapareceu, Jung acendeu uma vela
e passou o resto
da noite numa poltrona. Mais tarde, descobriu que a casa tinha a reputação de
assombrada e que mais cedo ou mais tarde os inquilinos eram afugentados.
As mais recentes observações de Jung
estão numa carta que ele escreveu em Maio de 1960, e na qual fornece seu ponto
de vista sobre se os fenômenos mediúnicos provam a vida depois da morte:
“A
relativa raridade de tais fenômenos sugere, de algum modo, que as formas de
existência, dentro e fora do tempo, são tão nitidamente separadas, que a
travessia da fronteira existente entre elas oferece as maiores dificuldades.
Isto não exclui, em todo caso, a possibilidade de haver uma existência fora do
tempo, que corresponde a uma existência dentro do tempo,
Sim, nós mesmos podemos existir simultaneamente em ambos os mundos, e só ocasionalmente
temos um indício dessas condições. Todavia, o que existe fora do tempo é, em
nossa opinião, imutável. Possui eternidade relativa."
Como vemos, Jung não chegou a uma
conclusão clara sobre a imortalidade do Espírito, e o que seja realmente o Espírito,
tal como nós o entendemos com Allan Kardec. Difícil, sem dúvida, lhe seria
chegar a esse ponto, imbuído que esteve, a vida inteira, de discutíveis e
fortemente arraigados conceitos psicológicos. De qualquer forma, ele deu um
passo no magno problema, como dissemos inicialmente, assegurando a realidade
dos fenômenos espíritas, ditos psíquicos, os quais ainda continuam a ser
levianamente negados por muitos homens "superiores".
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