Inspirações
– 5
por Angel Aquarod
Reformador (FEB) Junho 1923
A IMPACIÊNCIA
O Espiritismo não pode ver-se livre de
descontentes, entre os seus adeptos. Não é isto uma exceção para ele, visto que
em nenhuma escola deixam de medrar os criadores de obstáculos à sua boa marcha.
O Espiritismo não podia ter o privilégio de
estar dispensado de tais adeptos, pois que às suas fileiras acodem espíritos
cheios de todas as idiossincrasias, entre os quais se acham os impacientes, a
quem nada satisfaz e que nunca aprovam o critério meditado e previsor dos que
não se conformam com o deles, no sentido de levar sua atuação além do que permite
o natural desenvolvimento de uma ideia.
Quantos desenganos sofrerão esses espíritos
inovadores, que militam no campo espírita, semelhantes em tudo ao moto-contínuo
e que quereriam que todos os seus confrades atendessem ao compasso que eles
marcam! Inovadores, querem, não obstante, ajustar ao seu o critério alheio,
moldando-o pelo de que dão mostras.
São geralmente espíritos noviços na ideia, ou
espíritos precipitados que, sem medirem distâncias, nem volumes, sem terem em
conta premissas indispensáveis, nem a ação das inteligências que intervêm, com
uma penada ou um discurso pretendem deixar solucionados todos os intrincados
problemas que se prendem à implantação de um ideal, como o ideal espírita, no mundo.
Quem quer que reflita no transcendental papel que o Espiritismo há de
desempenhar na transformação social do futuro, já iniciada, compreenderá que,
sendo o assunto tão profundo e tão sério, não é coisa de precipitar-se.
Um mal passo, um passo em falso, em tarefa
semelhante, pode acarretar decênios de estacionamento. Os espíritas militantes
devem distinguir-se por sua ponderação, pelo conhecimento da doutrina em toda a
sua extensão e ramificações, por saber discernir o que pode ser ou não aplicável,
tanto ao indivíduo, como à sociedade; deve conhecer perfeitamente o estado psicológico
de seus contemporâneos e muito melhor o de seus correligionários, bem como as
possibilidades do ideal em todos os terrenos, os desenvolvimentos e aplicações
de que é susceptível e, por conseguinte, a sua característica principal na
ordem do desenvolvimento da doutrina, tanto moral como experimental e científica,
que não admite entraves nem diques, à sua progressividade. Não é dogmático,
porquanto sabe que a verdade o homem a recebe sucessiva e progressivamente,
embora seus fundamentos sejam eternos; que, pois, sua manifestação pode variar
ao infinito, diversificando-se notavelmente mesmo duas apenas de suas etapas
evolutivas.
Por isso, não pode ser dogmático o Espiritismo,
visto que, amanhã, devido ao maior desenvolvimento intelectual e espiritual dos
homens, se lhe terão dilatado os horizontes, fazendo aparecer a mesma verdade
de forma diferente.
Vede a anomalia que há nisto. Observai e
notareis que os impacientes, os reformadores irrefletidos imputam aos que eles
consideram impedidores do progresso da ideia e qualificam de retrógrados, de
conservadores, de arcaicos, os estacionamentos que esta, segundo eles, sofre,
acarretando com a devida responsabilidade de serem dogmatistas. Entretanto,
eles que se blasonam de reformistas, que se dizem verdadeiros arautos do avanço
espírita, se colocam em terreno de irredutíveis dogmatismos e, por conseguinte;
se preparam para ser os conservadores, os impedidores de amanhã.
Todos os radicalismos imponderados, quando
chegam a triunfar, se tornam tirânicos. E a tirania, que outra coisa é senão o
dogmatismo intangível, formado pelo critério dos que pensam ter atingido o cume
e que de lá se julgam no direito de dispor e impor?
Vede como os impacientes e reformadores do
ideal espírita, sob a capa de liberalismo, manejam às mil maravilhas a crítica
incisiva, não reconhecendo aos adeptos, nem aos núcleos de adeptos que não
estejam talhados pelo seu padrão, o que quer que seja de bom. Deste modo,
poderá conseguir-se estabelecer a fraternidade espirita? Conseguir-se-á isso,
ferindo-se a consciência de confrades, no que tem de mais sagrado, não
respeitando a reputação, nem os méritos, nem as condições especiais dos outros,
nem os esforços e abnegações de que deem provas, só porque se encontram
distanciados em partes essenciais, ou mesmo circunstanciais
do ideal?
Quanto terão que retificar os tais inovadores
impacientes! São, com respeito ao Espiritismo, o que são esses políticos que
querem reformar o mundo, sem ter para isso outro conhecimento além do que
imaginaram e que, contra gregos e troianos, querem que se reconheça isso como a
fórmula infalível para o caso, cabendo-lhes o direito de impô-la. E, para tanto,
se grande é o poder de que dispõem, lançam mão de todos os recursos que a
posição lhes proporciona. Porém, longe de conseguirem seus propósitos, cada vez
mais se distanciam do que pretendiam.
É claro que quem, supondo dirigir-se para o
oriente, por mal orientado, se encaminhou para ocidente, em vez de aproximar-se
do seu ponto de mira, mais se afastou dele.
O mesmo sucederá aos espíritas que,
descontentes sempre, desviados da realidade, quiserem dirigir a barca do
Espiritismo pela rota que imaginaram ser a melhor para conseguir o pleno
desenvolvimento e triunfo da ideia. Quanto mais avançarem pelo caminho que
preferiram, mais se afastarão do porto da vitória.
Por conseguinte, não devem os espíritas precipitar-se
em querer dar forma determinada a muitas concepções fundadas em seu ideal,
porque este se acha no início do desenvolvimento que, progressivo como tem que
ser, reserva muitas surpresas. Assim, o que se quiser fundar com caráter
estável, quer se trate de princípios absolutos de certa natureza, quer de
orientações, organização e instituições de caráter espírita, poderia vir a ser,
no futuro, um obstáculo talvez intransponível, que entorpecesse
consideravelmente a marcha regular da evolução do Espiritismo, no mundo.
Presentemente, não cabe firmar princípios, de
modo formal, com caráter absoluto. Deve-se deixar em todos alguma coisa por
onde possam abrir passagem os futuros desenvolvimentos naturais que neles
existem latentes.
E se, a respeito de princípios e doutrina,
assim estamos: se assim estamos também na ordem experimental e científica, que
não será no que respeita à organização?
Fujam os espíritas de tudo o que pretenda ser definitivo
e conformem-se com ir evolucionando no passo que lhes permita o regular
desenvolvimento do ideal, pondo mais empenho em estudar-se a si próprios,
corrigir-se das próprias imperfeições e emendar desacertos, em adquirir
virtudes e praticá-las, do que em marcar rotas uniformes para todos,
em condenar a quem segue
outros rumos, em anatematizar os que lhes pareçam retrógados, pois que tudo
isso é ação negativa, que leva precisamente ao lado oposto daquele para onde
quereriam dirigir seus olhares.
Reflexão, respeito mútuo, serenidade e senso é
o principal, para quem milite no Espiritismo em lugar de destaque. E ao adepto,
que não se ache nestas condições, melhor será que se retire, para adquirir as
qualidades que as proporcionam, porque, do contrário, será sempre elemento mais
nocivo do que benéfico na ação desenvolvente das energias espíritas e não
preparará para si bom futuro, uma vez que o que tenha feito hoje mal, depois
terá que empregar em desfaze-lo um tempo precioso, que lhe podia facultar
enorme progresso, se dedicado fora a cultivar a sua espiritualidade.
A impaciência conduz à violência e ambas ao
fracasso. Nunca sejam impacientes os espíritas que quiserem triunfar, nem
violentos, e poderão contar a vitória segura.
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