sexta-feira, 31 de maio de 2019

A Telepatia - a sentinela do coração



A Telepatia – a sentinela do coração
por Canuto Abreu
Reformador (FEB) Agosto 1923

            É engraçada esta época! Quando alguém, com critério e imparcialidade, afirma que os fenômenos espíritas pertencem a uma ciência nova, que até já tem um nome grego (1), as classes prejudicadas, bojo repleto e alma vazia, deixam escorrer um sorriso de desdém ou de rancor. No entanto, a pouco e pouco, sem perceber a incongruência e muita vez o desproposito, essa interessante época, que nos cobre de ridículo, vai lançando como científicos estes ou aqueles dos fenômenos que o Espiritismo coordenou e interpretou.
           
            (1) Metapsíquica ou metapsiquismo (da prep. gr. META - além de-, sub. gr. PSUKHE – “alma” e terminação cismo.

            Procede, todavia, como o agiota que espeta na gravata a pérola de valor, cuidando que os olhares enlevados esquecem o processo pelo qual ele a adquiriu.

            Pouco importa, porém, a deslealdade avassalante que vem lambendo há meio
século as muralhas espíritas e fazendo em seu terreno incursões desonestas.

            Seus pórticos continuarão abertos de par em par e seus tesouros expostos a
todas as cobiças. A perspectiva da enchente não apavora os que estão abrigados na arca evangélica. Ao contrário. Esse momento futuro em que o dilúvio espírita inundará todos os sistemas e todas as teorias humanas, será um grato espetáculo. A fortuna que hoje nos cabe reunir será partilhada então por todos os que se salvarem, como agora é repartida entre todos os que a procuram. Por isso é que não bradamos, quando vemos as melhores economias do edifício espírita carregadas as ocultas em dorsos de jumentos, para as cavernas dos ali-babás da ciência-indústria e da religião-comércio.

*

            Um dos primeiros pecúlios que nos levaram foi a telepatia. Meteram-na no quadro das ciências e no âmago das religiões (1). Como o onzenário (juro  extorsivo), não explicam por que porta entrou ali, nem por que janela penetrou aqui, pois essas revelações confundem. Seja hospedando-a, seja perfilhando-a, o fato é que se apropriaram dela, pelo processo que outrora usaram os piratas e hoje empregam os bolchevistas.

            E a nossa, a muito nossa telepatia, que se tem arrastado por toda a parte, vive agora metida até em aventuras policiais!

            O polônio (polonês) PRAGLOWSKY está desde há alguns dias fazendo em nossa terra experiências com ela. O Correio da Manhã, o estimado matutino carioca, começou por sujeita-lo a uma complicada descoberta telepática do esconderijo dum testamento falso. O relatório dessa prova foi publicado no rosto do Correio de 17 de julho com o espetaculoso título: A ciência ao serviço da investigação criminal.

            Não perderíamos o tempo em perguntar ao Correio que espécie de ciência
é essa...

            Quão poucos se lembram, mesmo entre os estudiosos, que justamente nesse dia 17 de julho se comemorava, em Londres, numa sessão solene, o 41º aniversário da fundação da Society for Psychical Research. (2), o sábio e formidável reduto do Espiritismo cientifico, que, pelo seu grande vogal MYERS (3) criou a palavra telepatia para designar as transmissões de pensamentos, ideias e sensações de vivo a vivo!

            (1) Os católicos admitem-na entre vivos. O médico Van der ELST, que fez um curso no Instituto Católico, em Paris, sobre o ocultismo, lhe reconheceu a existência. Osprotestantes, representados por 252 bispos, sob a presidência do arcebispo de Canterbury, na conferência de 5 de julho a 7 de agosto de 1920, na Inglaterra, realizada a propósito do Espiritismo, concluíram: “A conferência reconhece que os resultados de algumas pesquisas têm levado muitas pessoas a crer na supervida. Estamos prontos a aceitar as pesquisas, as críticas e as investigações científicas, nos limites que a razão sã admite. Apenas queremos resguardar-nos e ao mesmo tempo impedir que outros admitam, na prática, teorias que não estejam assentes em bases sólidas e Indiscutíveis. Esta convicção já está firmada no que concerne à telepatia e à subconsciência.” (WARCOLLlER, ob. cit., pág. 344.) Os Israelitas aceitam-na (BERNARD LAZARE, La télépathie et le néo-spirttualisme, artigo Indépendant.) Os bramanistas e budistas, bem como os teosofistas, fazem dela um artigo de fé. (ANNIE BESANT e LEADBEATER, Les Formes-pensées.)
            (2) A Society for Psychchal Research foi fundada no dia 17 de julho de 1882, em Londres, para examinar os fenômenos espíritas.
            (3) MYERS publicou, em colaboração com GURNEY e PODMORE, a grande obra “Phantoms of the Living.”

***

            Será de fato o Sr. PRAGLOWSKY um grande médium “percipiente” (que percebe com facilidade) ? Vimo-lo em casa do nosso companheiro FIGNER, no dia seguinte à publicação do Correio. Perante sociedade numerosa, fez uma demonstração que ele mesmo denominou de telepática. Um molho de chaves foi ocultado dentro dum filtro, na copa, enquanto o Sr. PRAGLOWSKY palestrava na sala nobre, explicando como devia agir mentalmente o guia. Escolheu depois para esse fim o Dr. PIRES, engenheiro brasileiro. (O guia como se sabe, é o agente, que deve transmitir o pensamento.) Com ele a mão, encaminhou-se para a sala de jantar. Foi uma partida rápida, agitada, com indecisões de itinerário, como acontece em todas as experiências desse gênero exibicionista. Chegando à sala de jantar, marchou resoluto para a cristaleira, cujas portas abriu. E, diante dos finos cristais demorou-se, ora acocorando-se, ora inclinando-se para os lados, braços na atitude litúrgica do Dominus vobiscum. (significa "O Senhor esteja convosco", cuja resposta é: Et cum spiritu tuo ("E com o teu espírito") é um sacramental) De vez em quando passava nervosamente as mãos por sobre a cabeça. Contamos oito minutos, durante os quais ele várias vezes recorreu ao agente, segurando o braço do Dr. PIRES e pedindo que “pensasse fortemente”. Sentindo-se extraviado, mudou de guia. Veio substituir o Dr. PIRES um cavalheiro do qual ignoramos o nome e a nacionalidade, porque não nos foi apresentado mas que parecia alemão... E o Sr. PRAGLOWSKY pode, graças ao novo agente, descobrir em cinco minutos a copa, o filtro e o molho de chaves.

            Foi a única manifestação que deu em casa do Sr. FIGNER. Tão somente com ela era impossível ajuizar bem da sua mediunidade. Intentamos, por isso, uma palestra. Perguntamos-lhe se conhecera em Varsóvia, donde ele é natural, o grande psícometra OSSOWIECKI, o maior vidente masculino da atualidade, bem assim o mundialmente afamado psicólogo OCHOROWITZ, autor da A sugestão Mental. Respondeu-nos afirmativamente. Assegurou-nos também que trabalhara por diversas vezes sob a inspecção do prof. RICHET e do Dr.GELEY, este diretor e aquele membro notável, do Instituto Metapsíquico Interacional e ambos da Sociedade Polonesa de Estudos
Psíquicos. Quando, entretanto, lhe perguntamos que espécie de trabalho fizera,
nada respondeu, antes mudou de assunto e de interlocutor.

            Quer o Instituto, quer a Sociedade registram em anais os seus trabalhos.
Possuímos, a exceção de poucos números, essas revistas metapsíquicas e em
nenhuma encontramos referência a trabalhos do Sr. PRAGLOWSKY. Isso, aliás, nada significa, pois é bem possível que tenham sido publicados justamente nos números que nos faltam.

* * *

            Essa muito nossa conhecida telepatia de salão nenhuma novidade é para a
sociedade carioca. Um sem número de profissionais do hipnotismo e da prestidigitação lha tem apresentado em empolgantes sessões. Vários são mesmo os nossos patrícios que gozam da faculdade “percipiente.” Recordemos um.

            Em casa do senador F..., anos atrás, assistimos a uma prova telepática muito
Curiosa. Mais de trinta pessoas notáveis de ambos os sexos, se lessem estas linhas,
haviam de recordar-se dela ainda com espanto. Pena é que a situação católica da ilustre família nos impeça de lhes citar os nomes. Só o fazemos com relação ao simpático e inteligente médium, que nunca mais vimos. O Dr. ROLLI, brasileiro, de pais italianos, residente no Sul, formado em engenharia, achava-se de passeio pelo Rio e foi levado á recepção. Ali, anuiu à experiência. O rabiscador destas linhas, a pedido da Sra. F...aplicou dois tampões de algodão sobre os olhos de ROLLI, apertando-os em seguida com um lenço de seda preta várias vezes dobrado. Esse pequeno trabalho foi muito fiscalizado; uma pintora paulista de justa fama fez questão de apertar ela própria o laço, que julgava meio frouxo. ROLLI foi conduzido a uma poltrona para a sala de música. A Sra. B. C ... , que deixara a janela nesse momento, para reunir-se às senhoras que, num canto da sala, cogitavam do objeto a ocultar, propôs que se escondesse a luva, que apresentava. Onde? Sobre o aparador havia um relógio “Luís XV”, de mármore. Colocada a luva atrás dele, retiraram-se todos para o ângulo oposto. ROLLI, avisado que estava oculto o objeto, levantou-se e dirigiu-se ao salão sem auxílio de ninguém. Estávamos prevenidos de que, se ele marchasse de encontro a um obstáculo, nos cabia dizer mentalmente: olha a cadeira, ou olha a parede, etc. Transposta a larga porta de vidros à catedral, ROLLI parou e o sorriso que trazia dissipou-se.

            - Vejo muitas correntes luminosas para a esquerda. . . Esses raios morrem sobre um objeto... erguido metro e meio do chão... Tenho facilidade de ir até lá, mas, ao que parece, o objeto que vejo não é o que devo descobrir... É muito grande... Queiram pensar um instante na exclusiva natureza do objeto oculto, repetindo-lhe mentalmente o nome.

            Após alguns segundos, voltado para o aparador, continuou:

            - Não há harmonia nos pensamentos. Vejo confusamente um mostrador de horas, uma espécie de cofre de joias... muitas sombras de mão... Queiram pensar somente no objeto que devo descobrir... Sim... Multiplicam-se as mãos. Será uma luva? Deve ser.... É realmente uma luva. Vejo-a por traz do mostrador de horas...

            E encaminhando-se para o aparador:

            - Luva delicada, perfumada... mas indiscreta ...

            - Extraordinário! Extraordinário! exclamou duas vezes o prof. C. M., que a princípio não estava levando a experiência a sério.

            A conversa generalizou-se, trocaram-se comentários e interjeições. ROLLI alcançou o aparador, deslizou a mão pelo mármore e, como se estivesse vendo, pegou a luva.

            A Sra. B. C., aproximando-se de ROLLI, que já estava sem o lenço preto, ao receber a luva, perguntou-lhe:

            - Indiscreta, porque?

            ROLLI, sorridente, beijou delicado a ponta dos dedos de pelica branca e replicou, apresentando a luva:

            - Porque este não foi o primeiro beijo que ela recebeu hoje.

***

            Todos sabem o que seja a telepatia. Queremos dizer: todos sabem que o fenômeno existe. Quantos, procuram indagar do seu mecanismo? A curiosidade dos fúteis não vai até lá. Quando muito, ensaiam compreender a palavra, e ficam satisfeitos com descobrir que Tele’ significa “longe”, ‘Pathos’, moléstia. Para eles, ROL.LI, PRAGLOWSKY e tantos outros são enfermos elegantes que padecem da moléstia de adivinhar o que a gente pensa.

            É tempo, contudo, de dizer alguma coisa séria a respeito dos trabalhos do Sr. PRAGLOWSKY.

            Não querendo passar por suspeito, vamos, para esse fim, recorrer a uma grande autoridade europeia no assunto, o Sr. WARCOLLIER, que também é engenheiro químico, Vejamos o que ele diz em seu importante livro ‘La Télépathie’ (Alcan-1921), a propósito de Cumberlandismo. (1)

            (1) Como os espirítistas sabem, o nome proveio do celebre CUMBERLAND que por muito tempo entusiasmou a Europa com experiências telepáticas no gênero das do Sr. PRAOLOWSKV.

            “Trata-se de adivinhar onde está o objeto, pela interpretação dos movimentos musculares de uma pessoa-que sabe onde o objeto está escondido - incumbida, pela assistência, de guiar, segurando-lhe a mão, aquele que vai fazer a descoberta. Este, geralmente, tem os olhos vendados; escondido o objeto, uma moeda, uma medalha, um anel, a procura não é demorada, porquanto estas experiências facilmente alcançam bom êxito, muitas vezes logo às primeiras tentativas. Se assim não acontecer, substitui-se o paciente ou o seu guia, o que permite proceder-se a uma seleção de pessoas sensitivas e mesmo encontrar-se muitas, tão bem dotadas, que podem tentar a experiência, não mais segura pela mão, mas por intermédio de uma bengala ou de uma corda e, até, sem nenhum contato. Basta, então, que alguém acompanhe o paciente a poucos passos de distância, para que ele seja guiado por murmúrios inconscientes ou mesmo, parece, por telepatia . (1)

Aqui ficamos por hoje.

(1) Ob. cit., pág. 178.

A estreia do Messias





A Estreia do Messias
-Exemplo a ser imitado na propaganda do Espiritismo-
Palestra feita na FEB pelo Dr. Canuto Abreu
Reformador (FEB) Outubro 1925

            Como principiou Jesus a sua obra messiânica?

Não começou por dizer que era o Messias. Teria sido grave erro. Uma entrada assim violenta lhe acarretaria invencível oposição inicial. O Messias esperado pela gente israelita devia descer do céu numa nuvem, acompanhado de todo o reino  de Deus. Teria uma apresentação pomposa imponente. Jesus teve que estrear como simples rabi, isto é, como pregador e médico. Conquanto seu empenho sempre fosse convergir a atenção sobre a prodigiosa personalidade do Messias, ao começo procurou atrair pelas palavras de sabedoria, pelos atos de doçura e caridade e, principalmente, pelas curas extraordinárias. Todos os rabis contemporâneos também pregavam a Lei e os Profetas, perambulavam pelos burgos pobres e tratavam os doentes. Nenhum, porém, possuía o cabedal filosófico, o poder sobre normal de curar e a impressionante simpatia do novo Rabi. Foi-lhe fácil vencer.

Contudo, no começo, era preciso que não houvesse, entre o moço operário de Nazaré e o jovem pregador, uma profunda separação. Nesse meio conhecido e pequeno, Jesus devia evolver gradativa e suavemente. Durante trinta anos, ele, para os homens de então, teria estudado e meditado a Velha Escritura e as teses dos doutores. Mas não quis, no pequeno recanto em que vivia, surgir de repente como rabi, abandonando a ferramenta de operário. Quando chegou o dia decisivo, partiu, porque em sua terra não podia ser profeta.

Partiu para onde?

            Outro, menos prudente e sábio, teria buscado Jerusalém, o lugar preferido pelos rabis inteligentes. Jesus não quis deixar a sua Galileia. Sairia de Nazaré, porque esta vila, escondida nas montanhas, era muito pequena para a sua atividade e nela habitava sua família, que se oporia, talvez, à sua carreira messiânica.

            Mas, para partir, era necessário romper com tudo quanto, na aparência, lhe era mais caro na vida: sua Mãe. Tinha que renunciar à sua companhia, à amizade dos parentes, ao convívio dos conhecidos, à vida calma do operário sem patrão. Tudo Ele previu e preparou. Havia muito que aguardava o momento, esse momento que chega para todos. E o momento chegou-Lhe. João, seu primo e amigo, que lhe preparava o caminho e que o havia batizado há mês e meio, foi preso.  Era imprescindível o sacrifício. Renunciou à Mãe, à família, aos amigos, a tudo. Fechou os ouvidos as súplicas mais comoventes, dos rogos mais soluçantes e partiu. Louco! – teriam dito.  

Solteiro, partiu só, pensativo, ansioso para iniciar enfim a missão que o Pai lhe confiara. Qual era a sua missão? Salvar os pecadores e remir os condenados! Divino Missionário!

Ao sair de Nazaré, o caminho pedregoso sobe em zig-zag até um ponto, dos mais altos da Galileia, depois dobra à direita e desce, cheio de acidentes e curvas que se esconde atrás das colinas e dentro das vegetações.  Ao ganhar o ponto culminante, antes de descer, Jesus teria olhado o vasto horizonte, desde o monte Carmelo, até a longínqua montanha de Hermon, sempre coberta de neve, e cujas vertentes se despenham em pirâmides de olivais e de pedras negras até a Galileia dos gentios. Aí, nesse elevado ponto de mira, Ele teria antevivido em pensamento aquela subida final para o Gólgota. Teria anteprovado em seu coração as consequências desse medonho desígnio. Mas não estancou. Não retrocedeu. Não mandou sequer, para trás, para a sua querida Nazaré, onde passara, em aparência, a mocidade e onde ficara em lágrimas sua Mãe, o derradeiro olhar do visionário. Começou a descer, sozinho, o íngreme caminho, como qualquer viajante em busca do litoral. Uma hora depois, ao tangenciar uma colina maior, teria divisado, à direita, o monte Tabor e, lá embaixo, bem longe ainda, como um espelho azul, sulcado de barquinhos, o lago de Genesaré e os diversos burgos ribeirinhos, que ia percorrer e que estavam destinados a desaparecer da terra, mas a ficar na história de sua vida: Tiberíades, Magdala, Cafarnaum, Betseida, Corozaim, Dalmanuta.     

Jesus desce direto até o mar da Galileia, evitando passar por Tiberíades, cidade idólatra e pagã. Contorna pela beira mar, até encontrar seus amigos Simão e André. Em seguida, vai ao encontro de seus primos Jaques e João e de seu tio Zebedeu, também pescadores. Todos eram amigos e conhecidos velhos. João, o mais moço, era discípulo de João Batista, e profundamente votado à propaganda messiânica. E o primeiro encontro de Jesus com os pescadores amigos foi para começar logo a nova profissão. Em vez de peixes, convidou-os a também pescar homens.

Apesar de, naqueles tempos, a tarefa de pescador ser uma das mais elevadas e conceituadas, os quatro primeiros discípulos de Jesus eram humildes e simples, porque eram espíritos de certa elevação moral. Jesus hospedou-se na casa de João, pai de Simão e André. Essa noite foi a véspera do nascimento do Cristianismo. Ele teria falado sobre a prisão do Batista e combinado com seus amigos o modo de agir.  

            No dia seguinte -  o primeiro do Cristianismo - vem até á praia e aí, ao ar livre, entre o povo simples e humilde, começa a pregar. Os pescadores, as mulheres e as crianças, cheios de curiosidade, rodeiam o novo Rabi. Jesus, então, a fim de melhor ser visto e ouvido, sobe para o barco de Simão. Outros barcos se aproximam e atracam perto.

Que prega Jesus? 

Fala de João Batista, da verdade de sua doutrina, da próxima vinda do reino dos céus. Fala do amor de Deus, da sua misericórdia e piedade, da fraternidade humana, do perdão.
Mas fala por parábolas, para não ser compreendido desde logo. O auditório não conhecia senão os ritos endurecidos, as leis rigorosas de sangue e de vindita, a pena de talião, o olho por olho e dente por dente, o apedrejamento, a forca, a crucificação. O Deus de Israel era um Deus suscetível, impulsivo, ciumento e vingativo, guerreiro e perseguidor do homem até as mais remotas gerações. Jesus tinha que falar por meio de parábolas, para ser entendido apenas por aqueles que, entre a multidão, tinham ouvidos de ouvir.  

Apesar do simbolismo, já era o Evangelho que Jesus pregava. Era a Boa Nova que principiava a espalhar-se pelo povo simples, a evolar-se cristalina, sob o céu de anil e a borda do mar cinzento da Galileia. Era o Novo Testamento que nascia.

Foi assim, como simples Rabi, no pequeno burgo de Cafarnaum (caphar – aldeia; nahum – consolação, segundo Orígenes, confusão, segundo outros), a sete horas de viagem de Nazareth, que Jesus, apoiado por quatro amigos, começou a obra ingente de regeneração da humanidade. Mas, ai de ti, Cafarnaum...

            Como todos os rabis, ele ensinava e curava. Mas os seus ensinos possuíam um encanto novo, que apaixonava os ouvintes, e as suas curas encerravam um prodígio que impressionava a assistência. Era, na verdade, um rabi invulgar.

No entanto, sabiam todos que Ele era o Nazareno, filho do operário José. Onde teria aprendido tantos ensinamentos? Estaria nele o Espírito de Elias ou de qualquer outro profeta? Indagam, e Jesus afirma que o Espírito de Elias estava em João Batista. Mas não diz quem ele é. Era cedo para dizê-lo.  Tudo estaria prejudicado. A Simão, porém, confia o segredo porque, este, por inspiração, havia já percebido que o Mestre era o Messias.

Ninguém descobre, nas primeiras palavras e atos do Rabi, o grande plano que Ele havia de desenvolver em pouco mais de trinta meses. Nem mesmo os discípulos. Jesus se limitava, nesse período da sua missão, a falar sobre a Lei, a responder às consultas e a interpretar os acontecimentos que se desenrolavam em torno de sua notável pessoa. Seus pareceres foram, pouco a pouco, impondo sua autoridade de doutor. Ao emitir opinião, nem sempre enunciava uma doutrina inteiramente nova, que não existia em parte alguma da Lei dos Profetas ou dos doutores. Ora ficava ao lado de Hillel, ora ao lado de Chamahi – os dois maiores luminares da teologia hebraica. Assim, a respeito do divórcio, pensava como Chamahi; sobre a justiça, opinava como o Dr. Hillel que a seu turno repetia Tobias. Mas o ensino de Jesus era mais claro, mais penetrante, mais agudo, mais espiritualizado. Hillel dizia, por exemplo: “Só deveis julgar o próximo quando estiverdes na mesma posição ou situação que ele.” Jesus ensinava: “Não julgueis para não serdes julgados.”
  
Ao pregar as passagens do Antigo Testamento, procurava arrancar da letra o espírito novo. Soprava nas letras mortas a vida nova. Combatia em absoluto as contravenções que os escribas toleravam: o juramento, a hipocrisia dos fariseus, as preces em voz alta para serem ouvidas pelos que passam, a esmola apregoada para ser vista e admirada, a pena de talião. Ensinava e exemplificava a humildade absoluta, mesmo a auto humilhação, e, como Jeremias, aconselhava ao que recebia ofensa na face esquerda a voltar ao ofensor a face direita. “Perdoai para serdes perdoados.” – dizia Ele; mas não sete vezes como interpretavam os doutores e sim setenta vezes sete vezes ou, para quem perdesse a conta, sempre. Tudo o que lhe saía dos lábios, mesmo quando reproduzia a Escritura Antiga, tinha um sabor novo e doce. Os deveres do homem para com Deus e o próximo, a adoração, a caridade, a bondade de coração e a simplicidade de espírito, o desinteresse material, jamais foram antes pregados com tanto entusiasmo e sinceridade. Ele pregava com o exemplo.

Como o mais instruído de todos os escribas, sabia tirar do patrimônio legal e profético do seu povo “coisas velhas e novas”. Não se limitava a reproduzir literalmente o que estava escrito; apresentava a Escritura sob novo prisma, sob forma diferente, melhor, mais nítida, mais espiritualizada e tão que, apesar de não escrever uma só palavra, ela manifesta um sentido único, inimitável. Com isso, Jesus não abolia nem a Lei nem os Profetas; dava-lhes cumprimento. Seus ensinos eram uma espécie de revelação dessas doutrinas. Procurava restabelecer o espírito de verdade e nisso consistiam as “coisas novas”. Daí lhe veio a necessidade de combater as interpretações falsas dos fariseus, saduceus e essênios, cheios de casuística, de hipocrisia e de vãs formalidades. Mas, notai bem, esse rebate não é o principiado senão depois que já possui auditório entusiasta e quando esse auditório começa a lutar contra os fariseus.

Na vida de Jesus, tudo é um exemplo de perfeição.  Vede como principiou a missão. Tomemo-lhe o exemplo. Estudemos bem as letras santas, antes de pregar outras. Não convém desde logo repudiar, por sistema, ou melhor, por orgulho, a teologia cristã.  Devemos, antes, procurar assimilá-la bem, em espírito e verdade, e depois ensiná-la sob novos moldes. Ninguém contesta que os ensinos de Jesus ali estão adulterados; mas a adulteração não inutilizou completamente a obra dos nossos maiores, como a exegese da sinagoga, por mais tortuoso, não sacrificou a Primeira Revelação.  Esta foi salva por Jesus: aquela está salva pelo Espiritismo. Os dogmas, que serviram à edificação moral do Ocidente em que vivemos, estão velhos, caducos e alguns em estado comatoso. Mas todos podem e devem ser explicados pelo Espiritismo, sob influxo do Espírito da Verdade. Foi assim que Jesus deu cumprimento à Doutrina Antiga. Os tempos envelheceram a obra complementar e reformadora dos Apóstolos e dos seus sucessores. Cabe ao Espiritismo rejuvenece-la.

É por isso que a Federação nos ensina que a Doutrina Espírita é o cumprimento do Cristianismo. Assim como Jesus, outrora à beira do mar da Galileia, pregando a Lei e os Profetas, ensinava o verdadeiro espírito do Antigo Testamento, também, nos tempos que correm – tempos de transição – o Espiritismo, pregando os ensinos de Jesus, propala o verdadeiro espírito dos Evangelhos.

Tudo vem a seu tempo, porque tudo está marcado no quadrante do Criador.

Jesus conservou o Passado. Repetiu o Passado mas o Passado saiu novo de seus lábios. Conservemos também o Passado. Repitamos o Passado. Naturalmente, à luz da Nova Revelação que nos felicita, o Passado, que muitos levianos cuidam morto, surgirá redivivo, novo, perpetuado de vida, é a lei. É o rodar sucessivo das vidas progressivas, rumo da Perfeição.

Os escribas exigiam as práticas exteriores, os ritos, os sacrifícios, as abstinências, os jejuns. Sem esses cuidados, os Judeus não teriam entrada no reino dos céus. Jesus exigiu as práticas interiores, a prece em segredo, a vigilância da serpente, a mansidão da pomba, os sacrifícios pelo próximo, o jejum moral. Só assim o homem terá entrada. Repetindo a Jesus, exijamos de nós mesmos a reforma interior, pelo sacrifício de nossas paixões grosseiras, pela higiene dos pensamentos, pela disciplina das palavras e pelo norteamento dos atos. Sem isso, não teremos dentro de nós o reino de Deus.

Mas, nem todos se acham no mesmo grau de evolução. Uns precisam ainda das exigências dos escribas; outros ainda não compreenderam bem a Jesus. Não queiramos, pois, arrancar os primeiros degraus, por onde já subimos, arrasar o passado, a que estamos ligados pela vida eterna. Contentemo-nos com ser, no seio do Cristianismo, o fermento que o há de transformar.

Para Jesus, os ritos não tinham importância. Ele pregava a fé interior, livre, sincera e espontânea. Porém, não aboliu os ritos. Não censurou os que tinham a fé cega e medrosa. Não arrasou o passado.  Sigamos o seu passado.

Jesus não instituiu nenhum sacerdócio organizado. Como os grandes doutores, eEle punha o sentimento acima do ato, a intencionalidade acima da ação.  Mas, da letra da Lei, não tirou o pingo do i. Limitou-se a esclarecer as interpretações ridículas ou infundadas dos fariseus. Conservemos, também, a Lei e os Evangelhos. Não toquemos numa só letra. Limitemo-nos a esclarecer, sem desvario nem abuso, ao contrário, com prudência e amor, as interpretações extravagantes, ou sem base, dos que se dizem os intermediários entre Deus e os homens.

É possível que, mais tarde, o Espiritismo, como aconteceu ao Cristianismo, se afaste dessa escopo. O que hoje lhe é designado é o de revelar, em espírito e verdade, o Passado. Certamente, ensinando as “coisas velhas” por moldes novos, um corpo de doutrina religiosa surgirá. Será talvez a religião predominante em próximo futuro.

Não importa! O que importa é saber que não nos cabe mais: tão somente repetir os ensinos de Jesus, dos Profetas e da Lei, por “palavras novas”. O tempo da teoria, das pragmáticas, dos sermões e dos salmos, para nós, já passou. O que nos compete de no tempo que vivemos, é PRATICAR os ensinos do Mestre. Só deste modo mudaremos a face do mundo.

Tendo isso em mente, foi que nos ocorreu rever, nesta palestra, a estreia e o primeiro período da missão de Jesus. Diante do Modelo divino, que, na aparência, levou trinta anos em Nazareth a preparar-se para a luta de trinta meses, comecemos nosso preparo interior. Sopitemos os ímpetos grosseiros de nossa natureza. Fechemos os sentidos às solicitações da matéria e, a sós, dentro de nós próprios, à luz dos Evangelhos, eduquemos a nossa vontade, orientemos os pensamentos e esclareçamos a fé.  Amemo-nos uns aos outros. Toleremo-nos mutuamente. Respeitemos as crenças adversárias, por mais absurdas que que sejam ou que nos pareçam. Acatemos a palavra de todos os que se propõem a ensinar aos homens o caminho da salvação. Pode ser que alguns não sejam, ao nosso ver, arautos fieis da verdade. Deixemo-los em paz. Se forem sinceros, terão luz e recompensa. Se forem hipócritas, terão trevas e castigo. Bem ou mal, cada qual tem, neste mundo, sua utilidade na obra geral. Não perturbemos a ação do nosso próximo, mesmo que seja contrária à nossa. Não levantemos contra o adversário nenhum sentimento de condenação, por isso que ele está investido por Deus duma permissão de agir e só Deus pode julgar se agiu mal ou bem.

Assim é que devemos principiar a tarefa espírita. Como Jesus em Nazareth, sejamos primeiro o simples operário de nossa própria consciência, o rabi de nós mesmos, educando os nossos pendores egoísticos e curando as nossas mazelas sensuais.   

Só depois desse preparo, só depois de duma longa vida de artífice do próprio aperfeiçoamento, só depois de batizados nas águas da regeneração, só depois da quarentena do deserto em jejum e no convívio dos Espíritos, é que, chegada a nossa hora, poderemos tomar, como Jesus, a deliberação de partir, de deixar a nossa Nazareth, a família, os amigos, a velha ferramenta, e marchar, sozinhos e ansiosos, para o ponto mais elevado do caminho e, de lá, avistando ao longe o horizonte vastíssimo da nossa Galileia e em baixo, o campo aberto à nossa atividade, descer, sem olhar para trás, como Jesus desceu outrora para Cafarnaum.

quinta-feira, 30 de maio de 2019

A reencarnação e o esquecimento do passado




A reencarnação e o esquecimento do passado
por Carlos Imbassahy
Reformador (FEB) Janeiro 1924

Escrevem-nos, perguntando: - “Por que o espírito que volta à Terra, isto é, que se reencarna, há de pagar por faltas cometidas em vida anterior, se não se lembra de coisa alguma?”

O consulente muito delicadamente nos pede desculpas do incômodo que supõe nos dar, e declara que, assediado por amigos que lhe fazem perguntas que tais, não sabe como responder-lhes.

Também não o saberíamos, se os espíritos que nos vieram trazer a nova revelação, já nos não tivesse dito alguma coisa a respeito, como que prevendo essas interrogações e dúvidas.

O esquecimento das vidas anteriores é uma necessidade.

Se não olvidassem o passado, as novas gerações, tendo na lembrança os rancores  com que se foram, conservando vívidas, as imagens de antigas inimizades, viriam continuar na nova existência as mesmas lutas, engolfar-se nas mesmas contendas, praticar as mesmas iniquidades; seria uma nova existência com os mesmos ódios, existência, por consequência, ainda de fel e de crimes.

E não é só.

A lembrança das faltas passadas, caso o indivíduo tivesse o propósito de regenerar-se, trá-lhe-ia uma vida de remorsos e de vergonha. Teria ele que viver se escondendo daqueles a quem ofendera ou maltratara. Suplício ingente seria esse, e a que poucos poderiam resistir. E se ele, o indivíduo, soubesse que teria que pagar essas faltas, a expectativa contínua do momento da prova, ser-lhe-ia suplício ainda maior, que a maldade humana até agora não soube inventar.

Espere a criatura uma desgraça e essa desgraça tomar-se-á um castigo inominável.  

Deus, porém, na sua bondade, escondeu aos homens a previsão do futuro, como lhes tirou a memória do passado. Assim, eles passam pela Terra, esquecidos do que fizeram e inconscientes do que lhes vai suceder. É essa a lei, lei de benignidade, para a qual só deveríamos ter agradecimentos e louvores.

Depois de passadas as nossas provas, depois de termos na nossa vida de relação, nos aproximado de pessoas outrora desafetas e inimigas, e extinto, por novos atos, por favores, pela convivência e pela amizade que então se forma, os antigos ressentimentos, é que, tornando ao espaço, vemos voltar a pouco e pouco as reminiscências das várias existências que percorremos. Mas aí, já as provas fizeram os seus efeitos; já os inimigos estão amigos, já os sentimentos de rancor estilo apagados.

Deus assim fez para que os homens não prolongassem indefinidamente as suas raivas, os seus ciúmes, fugindo à lei divina que é a da estima, da fraternidade, do amor.

Amai-vos uns aos outros-é o grande princípio de direito divino; e para que ós nos amemos, força é que se apaguem, nas sombras do passado, os sentimentos de azedume que nos traziam desunidos.

- Por que há de pagar o espírito, se não se lembra, pergunta o amigo.

O fato de se não lembrar tira-lhe, por ventura, a responsabilidade? Deixa ele de ser o criminoso, porque o crime se lhe apagou da memória?

Muitas vezes, o tempo faz com que a justiça humana considere prescrito o delito.

Mas, nem por isso, deixa de ser o seu autor um delinquente. E a justiça divina, que não pode deixar impune o culpado, o traz de novo ao cenário de suas iniquidades para que ele pague o mal que fez.

Não se conta o tempo no além; para as coisas do além, ele é como se não existisse. As vidas são solidárias umas com as outras, e como o ser é o mesmo, qualquer que seja a sua vestidura carnal, uma segunda vida para ele é continuação da primeira, a sua consequência inevitável.

É como se uma criatura, na mocidade, cometesse uma falta que viesse a pagar anos depois. Ninguém acharia isso injusto. Todos diriam: pagou o que fez, ainda mesmo que o faltoso houvesse esquecido a falta.

Pois uma segunda existência é uma dilação no tempo, dilação que não é nada
perante o Supremo Juiz e diante da Eternidade.

Temos inúmeras provas da sobrevivência, da solidariedade das existências, da justiça do Criador.

Platão dizia: aprender é recordar. Os casos de precocidade, os gênios, as aptidões extraordinárias, nada mais são que a armazenagem de conhecimentos anteriores. E isso vem demonstrar que nem sempre a memória do passado jaz completamente mergulhada em trevas. Mozart é um exemplo. Foram outros tantos exemplos, Paganini, Thereza Milanollo, Liszt, Beethoven, Rubinstein, que, antes dos dez anos de idade já se faziam admirar.

Pascal aos 12 anos descobriu a Geometria plana.

Jacques Chrichton, aos 15, discutia qualquer assunto em latim, grego, hebreu ou árabe.

Henrique de Heinecken falou quase ao nascer; aos dois anos já sabia três idiomas.

Mezzofanti conhecia setenta línguas e atualmente o Sr. Trombetti parece passar, em conhecimentos poliglóticos, o ilustre cardeal. Ele consegue aprender uma língua em poucas semanas.

O prof. Richet, no Congresso Internacional de Psicologia de Paris, apresentou uma criança, que sem saber ler nem conhecer música, aos 3 anos de idade, improvisava vários trechos musicais muito interessantes.

George Stephenson, o inventor da locomotiva a vapor, nunca entrou numa escola. Aprendeu a ler e a escrever já na maturidade.

Donde teriam vindo esses conhecimentos?

A hereditariedade não pode explicar o gênio. Nem sempre os pais inteligentes produzem filhos prodígios; nem os filhos prodígios são sempre nascidos de pais inteligentes.

0s filhos de Péricles, o grande Péricles, que deu nome a um século, eram dois tolos. E o de Cícero, de Carlos Magno, de Goethe, de Napoleão?

E quem eram os pais de Mozart, de Newton, de Shakespeare, de Dante?

Quem nos diz, ainda, a nós, que as pessoas só não recordam das vidas anteriores?

Lamartine, na sua viagem à Palestina, antes de chegar a certos lugares, descrevia-os como se já houvesse passado por eles. Era, no entanto, a primeira vez que os visitava.

São muitas as pessoas notáveis que declaram parecer-lhes ter vivido uma outra vida, de cujos episódios se recordam.

É muito comum, em algumas crianças, ouvi-las dizer que já viveram em outras regiões, que já tiveram outros pais, que já possuíram outro nome.

Tem-se mesmo procurado verificar se o que elas dizem é verdadeiro, quando mencionam nomes e circunstâncias que ninguém conhece, e, por várias vezes, conseguiu-se averiguar que tudo era de exatidão surpreendente.

Enfim, os livros sagrados nos falam dessas vidas sucessivas, doutrina que já vem de remota antiguidade.

Virgílio nos diz que a alma, mergulhando no Letes; perde a lembrança de suas existências passadas.

Assim é. E feliz daquele que, mesmo nesta vida, pode mergulhar no Letes do esquecimento, e assim amortecer na memória os dias que mal empregou, as injustiças que praticou, as más doutrinas que pregou, o que ruim aconselhou, todas as maldades que engendrou.

Feliz seria se tudo pudesse esquecer, como nos esquecemos dos fatos de uma existência para outra.

Mas a voz da consciência nos acompanha às portas da morte e mesmo depois da morte, até que um arrependimento profundo a faça calar. Transpomos, então, de novo o espaço, acalentados pela esperança da redenção e mergulhamos de novo no Letes da vida, onde vimos saldar as nossas contas, sem o peso temível das recordações do passado.

É essa a Lei.

Conspiração dos sacerdotes



Conspiração dos Sacerdotes

26,1 Quando Jesus acabou todo esses discursos, disse aos seus discípulos:
26,2 “-Sabeis que daqui a dois dias será a Páscoa e o Filho será traído para ser crucificado.”
26,3  Então, os sacerdotes e os anciãos do povo reuniram-se no pátio do sumo-sacerdote, chamado Caifás.
26,4   E deliberaram sobre os meios de prender a Jesus por astúcia e de o matar; 
26,5 E diziam: -Sobretudo, não seja durante a festa. Poderá haver tumulto entre o povo.                                                                               
                    
            Para  Mt (26,1-5)  -Conspiração dos Sacerdotes -  leiamos  Luiz  Sérgio  por   Irene Pacheco Machado em “Dois Mundos Tão Meus”:

            “Buscava eu, ansiosamente, no teatro vivo, os ensinamentos do Senhor. Cristo aparecia vivo, bem vivo, diante dos meus olhos, expulsando do Templo os que o profanavam.
            Via-o, agora, profanado como antes.
             Jesus olhava os animais mortos, inocentes vítimas, e o seu sangue recolhido pelos sacerdotes e derramado sobre o altar, sem compreender como os judeus consentiam que ocorressem essas cenas tão cruéis de derramamento de sangue.
             Aqueles sacerdotes haviam endurecido suas almas pelo egoísmo e pela avareza.
             Eles não estavam preocupados em pregar a palavra de Deus mas sim em transformar aquele lugar num meio de auferir lucro.
             E o Mestre, com olhar tristonho, proferia as palavras de Samuel:

            Tem, porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à Palavra do Senhor? Eis que obedecer é melhor do que o sacrifício e o atender melhor do que a gordura de carneiros (I Samuel 15,22).

            E ainda citou Isaías:

           Ouvi a palavra do Senhor, príncipes de Sodoma e Gomorra; prestai ouvidos à lei do nosso Deus, ó povo de Gomorra. De que me serve a multidão de vossos sacrifícios? diz o Senhor. Já estou farto dos holocaustos de carneiros e de gordura de animais; e não folgo com o sangue dos bezerros, nem dos carneiros, nem dos bodes. Quando vindes para comparecerdes diante de mim, quem requereu isto de vossas mãos, que viésseis pisar meu átrio?  Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos, de diante de meus olhos, cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem; praticai o que é reto, ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão, tratai da causa das viúvas. (Isaías 1,10-12 e 16-17) 

            Os sacerdotes e príncipes voltaram-se para Ele e o penetrante olhar de Jesus percorria todo o pátio do Templo.
            Pouco a pouco, eles foram fugindo, afastando-se sem olhar para trás.
       Os sacerdotes e príncipes ouviam em silêncio as repreensões de Jesus, sem se defender, entretanto, ficaram enfurecidos, decididos a armarem-Lhe ciladas.
            E assim, diante de nossos olhos, continuou Jesus Sua peregrinação, ofertando a cada ser deste Planeta  grandes  exemplos  de  amor  e  humildade.
            No entanto, a Seu lado caminhavam espias que fingiam ser Seus seguidores; eram fariseus e herodianos que ao lado de Jesus dissimulavam amizade, esperando a hora de levar aos sacerdotes algum fato que O incriminasse...”

         Para   Mt  (26,1-5)  -Anúncio de sua Crucificação - repete-se Antônio Luiz Sayão em
“Elucidações Evangélicas”:

            “De novo, neste passo, a seus discípulos anunciou Jesus “sua morte”, segundo a maneira de ver dos homens, e também a sua crucificação.” 

quarta-feira, 29 de maio de 2019

O médium Mozart



O médium Mozart
por Canuto Abreu
Reformador (FEB) Novembro 1924

Minha atenção foi chamada para o médium MOZART por um médico católico, leitor da Vanguarda. Li os números atrasados desse vespertino em casa dum confrade federalista e, conquanto admirados, ficamos ele e eu desde logo convencidos da presença dum grande médium curador. Divergíamos num ponto, o qual, por transcendente, não podia ser resolvido por nenhum de nós. Ele dizia que todo médium tem igual faculdade de curar, pois ninguém fica sarado fora de tempo. Eu afirmava que esse princípio estava sujeito a muitas restrições, entre elas a do adiantamento moral do mediam. Quanto mais evolvido, mais poderes de curar possuía. Se um doente não sentisse alívio por um médium, poderia senti-lo em contato com outro. No fundo estávamos ambos de acordo: quem cura não é o médium.

Sofrendo duma psoríase rebelde, há mais de dez anos, minha companheira tem empregado os recursos da terapêutica oficial e espírita. Já batemos à porta de quase todos os médiuns do Rio, do Estado do Rio e de S. Paulo. Somente dois deles fizeram um diagnóstico aproximado. Os demais, ou nada disseram sobre a moléstia em si mesma, ou disseram coisas inaceitáveis. Qual seria a opinião do novo médium?

Na Praia Formosa, às cinco e meia horas dum domingo, tomamos o trem para Recreio. Não tivéssemos o cuidado de falar ao chefe de estação na véspera e teríamos de viajar em pé. Em uma verdadeira romaria de estropiados e de enfermos o que aquele trem levava. Onde tanta gente iria ser abrigada? Já estavam em Recreio, segundo informações, mais de três mil forasteiros! Por isso, ou talvez por inspiração, descemos em Providência, a duas horas de viagem de Recreio, e. no dia seguinte, pelas nove horas e meia, estávamos diante do casebre onde se hospedava o reputado médium. Aí, no meio do povo, gente simples, camponeses e aldeões, passei a escutar os relatos de curas e fatos. As perguntas eram feitas por um moço que viajara conosco de Providência a Recreio e se dizia representante, em Porto Novo, dum conhecido jornal do Rio. Era um rapaz meio pretensioso, meio tagarela e disposto a pôr em pratos limpos a tal histeria dos milagres. No seio do povo simples, um representante de jornal tem sempre umas atitudes de águia. A imprensa, numa sociedade inculta, é como o mestre-escola na aldeia. O jovem repórter era cercado, informado, apontado. Sentindo-se superior, insuflado pelas atenções a que talvez não estava acostumado, o rapaz principiou catedraticamente, pastoralmente, a elucidar aquela pobre gente. A prestidigitação tem coisas admiráveis. A fé remove montanha. Não queria com isso dizer que o Sr. Mozart era um charlatão. Estava ali para ver tudo e dizer o que visse. Confessava, porém, a sua absoluta descrença em qualquer poder sobrenatural.

Enquanto o ouvia, percebi que era possível ganhar o interior da modesta habitação pela portinha de madeira lascada, que se abria no muro do quintal e por onde dois homens espiavam para dentro. De fato, não sem alguns protestos, consegui penetrar e abrir em cheio onde queria, pois ali estava um moço alto, moreno, simpático, dando passes num aleijadinho. Não foi preciso indagar se aquele índio era o Sr. Mozart. Destacava-se tanto do comum dos homens pelo olhar e pelo gesto que o mais desprevenido dos mortais o distinguiria entre mil. No quintal havia umas cem pessoas que se acotovelavam e queriam falar ao médium. Dentro de casa o aperto era maior. Disputado ao mesmo tempo por todos, ele dizia em tom firme:

- Não posso trabalhar assim. Calma! Paciência! Os que quiserem ser os primeiros serão os últimos, pois os Espíritos curadores se aproximam dos resignados e tranquilos e se afastam dos egoístas e apressados. Todos serão atendidos a seu tempo. Vieram para curar-se e, se Deus quiser, serão melhorados.

A turba não tem responsabilidade. O trabalho do médium era sempre interrompido. Ele então repetia suavemente:

- Estamos perdendo tempo. A falta de compostura mental impede os trabalhos espíritas. Sem vibração e harmonia nada se pode fazer.

Estabelecia-se o confrangimento, Algumas mulheres choravam. Alguns homens lamentavam o aperto. Outros se queixavam. Há tantos dias à espera!.. Mozart encarava a multidão e, apontando alguns no meio dela, dizia: - Vão almoçar e voltem a uma hora. Serão atendidos.

Mas qual! Ninguém arredava um passo. Pelo contrário, cada vez entrava mais gente. Qualquer outro médium talvez se desesperasse. Mozart, porém, estava impassível, como a boia salvadora no mar tempestuoso. Pedia ao povo que o esperasse. Ia Já dentro acalmar a agitação de ânimos.  Acompanhei-o. Lá, foi agarrado como caça rara. Súplicas de mulheres, pedidos de homens, choros de crianças, um pequeno inferno!

- Larguem-me, senhoras! É impossível atender ao mesmo tempo a todos. O melhor critério é deixar que o Espírito procure aquele que estiver mais resignado e calmo. Os que só precisarem de remédio, deixem nome, idade, residência e selo para resposta. Fiquem os que necessitam de passes e os paralíticos. Para o Espirito não é necessário me digam o que sofrem. Calma, senhores!

Perguntava eu a mim mesmo como se poderia estabelecer método naquela desordem e nenhuma solução me ocorria. Dois homens recolhiam os nomes dos doentes. Cada papel tinha um número. A minha vista caiu sobre o número 96.512 e senti o gelo do desânimo tocar-me a nuca. Arrepiei-me. Como poderia um homem, só, atender a tanta gente? Cada pessoa que se aproximava trazia dez, vinte, não sei quantos pedidos de receita!

Mozart mandou distribuir a Vanguarda para entreter o povo. Depois, resolveu ele próprio fazer a distribuição, dizendo!

- Enquanto não sou assistido, vou bancar o vendedor de jornal. Quem quer a Vanguarda. Custa cem reis.

Vou fazer uma fortuna como todos os vendedores de jornais... Distribuiu umas vinte folhas. Voltou depois ao quintal. De passagem pela sala de jantar, abriu a porta duma alcova e disso lá para dentro:

Calma! O Espírito que lhe vai curar ainda não chegou, mas a hora se aproxima.
Alguém o segurou pelo braço. Era um confrade. Pediu-lhe para atender a um obsidiado. Mozart prometeu começar os trabalhos logo que chegassem os Espíritos curadores.

- Por enquanto, só há Espíritos sofredores.

E caminhou para o quintal. Junto a janela estava o repórter. Mozart estaca diante dele, coloca-lhe ao ombro a forte mão de atleta, respira profundamente e diz-lhe:  - Meu pobre materialista! Como é triste ser-se cego no meio da luz! Sabe o irmão o que é estar atuado?

- !?!

- É viver num ambiente de pensamentos maus, é viver mal acompanhado. O irmão sabe quem está neste momento a seu lado?

- ???

Mozart disse-lhe alguma coisa ao ouvido. O moço ficou perturbado, pálido e mudo.

- Meu irmão, quando relatar o que viu, procure dizer a verdade.

E seguiu para o quintal.

Quem lhe havia dito que era um repórter. Ignoro. Talvez um Espírito. O que sei é que nunca mais vi tal moço. Penso que tomou o primeiro trem...  

No quintal, deparou com uma senhora estrábica e disse-lhe apontando um banco na saleta de jantar:

-Sente-se ali; vou curar o seu estrabismo.

No banco estava um moço magro, doente. Era um caso de tabes dorsalis. Esta afecção caracteriza-se clinicamente pela incordenação motora, pelas perturbações da motilidade. O moço era incapaz de permanecer em pé sem apoio e não andava coordenadamente. A distinta senhora, estrábica que também era perseguida, sentou-se a seu lado e passou a ser tratada por Mozart. Subitamente, sem ultimar o tratamento iniciado, este voltou-se para o moço e entrou a dar-lhe passes rápidos pelo corpo. Era de comover a alegria de que foi possuído o doente ao ver-se tão inesperadamente sob a ação curadora do médium. Quando Mozart, após meia dúzia de passes longitudinais, lhe ordenou se levantasse, foi em vão que o tentou. O médium meteu os joelhos do moço entre suas pernas, uniu-as bem e, segurando-lhe as mãos repetiu a ordem e o ajudou a erguer-se. Correu pela sala a emoção. O homem, que cinco minutos antes era incapaz de permanecer em pé sem forte apoio, agora, ali, estava só em suas fracas pernas. Obedecendo ao médium, andou, passos ainda trôpegos, mas resistentes. Sua digníssima esposa, sua dedicadíssima companheira, encostada a parede, chorava aquele choro eloquente e comunicativo que só as almas boas podem devidamente apreciar. O moço, sorrindo e soluçando, encaminhou-se para o quintal, onde fez um pouco de ginástica auxiliado por Mozart. Em seguida, ficou meia hora sentado ao sol, costas nuas. Aproximei-me da senhora sua esposa e, com atitude de jornalista, pedi-lhe o nome e residência.

- Mas não me conhece?

Fixei-lhe as faces tristes, lavadas de lágrimas. Meu Deus! Uma conterrânea, companheira de infância! Aquele moço, desfigurado pela dor, um amigo antigo! Viera de S. Paulo vencendo mil dificuldades para ser tratado. Os médicos haviam perdido toda esperança...

No quintal, novo “pátio dos milagres”, coxos, estropiados, paralíticos, surdos, mudos, leprosos, cegos... sob um sol causticante, aguardavam o precioso momento de serem curados- Mozart dirigiu-se ao mais pobre, tão pobre que nunca tivera nunca dinheiro para comprar muletas e por isso se arrastava pelo chão, como jacaré:

- Meu irmão, que sente o senhor? Como chegou a esse estado?

- Sou coxo, sim senhor.

- Mas não vejo motivo para rastejar. Porque não usa muletas?

- Custa caro, sim senhor, disse o pobrezinho, admirado e triste.

- Caro? Mas não encontrou uma alma caridosa que lhe desse um par de muletas? Onde mora? Quando chegou?

- Campo Limpo, sim senhor. Vim pela estrada de rodagem... pousei no mato, cheguei de manhãzinha...

- Pobre amigo! Arrastando-se pela estrada fora tantas léguas! Meu Deus, perdão para tanta desumanidade! Meu amigo vai ficar melhor. Vai andar algum tempo de muletas. Escolheremos depois as que lhe convierem. No meu quarto há algumas que ficaram como lembrança.

Abaixou-se, ergueu nos seus braços o mendigo, sentou-o numa tora de madeira, endireitou- lhe o mais possível as pernas, deu-lhe passes e orou em silencio. Um menino de nove anos, corcunda, claudicante, aproximou-se e segurou a perna do médium. Era um sofredor. Mozart deitou-lhe aquele forte olhar e tremeram-lhe os lábios. Acocorou-se, falou-lhe de mansinho à altura da face, endireitou-lhe a perna torta e, erguendo-se, ordenou ao pequeno andasse direito, sem claudicar. E o menino andou. Mas era um olhar viciado. Mozart agarrou-o pelas pernas, pô-lo de cabeça para baixo e fê-lo passar por pêndulo alguns instantes. Esta ginástica arrancava berros da criança. Mas, quando se vi livre das tenazes do atleta, quase não mancava. Deixando-o entregue à alegria materna, Mozart, pegou uma criança de colo, endireitou-lhe as perninhas e disse à mãe que procurasse um médico para colocar um aparelho durante alguns dias.

Moro no Rio. Que médico devo procurar?

O Dr. X, disse ele após um minuto de concentração.

Voltando-se para um velho paralítico, que usava muletas de acajú com pontas
niqueladas e sobraços (apoios) de veludo, disse-lhe firmemente, olhando-o com aquele poderoso olhar indu:

- Largue essas muletas, meu irmão!

Um momento de hesitação para o paralítico. Como havia de largar aquilo que o amparava? Quanta coisa teria atravessado o pensamento desse homem naquele instante! A queda talvez fosse o menos...

- Largue as muletas e tenha fé! Porque hesita?

Mudo, estupefato, o pobre homem não fazia gesto algum. Então Mozart, pedindo-lhe licença, tirou-lhe as muletas. O doente, sem apoio, vacilou como ébrio. Mozart estendeu-lhe as mãos por sobre a cabeça e o equilíbrio restabeleceu-se.

- Pedro vacilou e ia afogando-se. Mas Jesus estava perto e salvou-o. Ele também o salvará, meu irmão se o senhor tiver um pouco de fé. Ande. Eu quero que ande! Eu o ampararei se cair, mas não cairá.

Com esforço, o velho moveu uma perna, depois outra.

- Ande mais! O senhor não cairá!

E o velho principiou a andar. A meu lado, uma senhora, que rendia graças a Deus, de minuto em minuto, e que orava sempre nesses momentos solenes, disse em meia voz: “Teve fé e sarou, ai! meu rico Senhor!” De fato, esse homem, que não queria largar as muletas de acaju subiu pouco depois sem apoio de coisa alguma a escada íngreme, cavada na terra da colina. Diante do povo comovido. Mozart explicou:

Meus irmãos, não há milagre. Este irmão tinha um entorpecimento de nervos e Jesus permitiu a elasticidade nervosa se restabelecesse. É mais um trabalho do espaço. Rendamos graças a Deus.

O velho partiu no trem do dia seguinte, levando apenas bengala. Entre as muletas, que existem no Recreio, no Grupo Espirita, os curiosos encontrarão um par, pintadas de acaju com pontas de níquel e apoios de veludo. São as muletas do velho, cuja cura eu vi.

Mozart penetrou novamente o interior da casa. Acompanhei-o. Na casinha, dirigi-pela vez primeira a palavra. Vendo-se diante dum confrade, que se dizia da Federação Espírita Brasileira, deu-me um afetuoso aperto de mão e, indagando onde eu me achava hospedado e o que fora fazer a Recreio, disse-me que à noite iria visitar-me e receitar para minha mulher. Desde então fui um constante assistente de suas curas. Acompanhei-o por toda parte e tornei-me depositária de sua generosa e fraternal amizade. Posso, portanto, afirmar que ele é bem o grande médium, que todos proclamam.  

Aos trinta e dois anos de idade, cheio de vida, de energia e de talento enquanto outros moços de menos vigor e recurso procuram a orgia dos teatros e dos casinos, enchendo-se de responsabilidades, ele passa a vida numa aldeia, trabalhando vinte horas por dia, auscultando a miséria, a desgraça, o sofrimento, a dor do próximo e aliviando-o,  em nome de Deus. E, em paga, recebe o salário do mártir.