A
Telepatia – a sentinela do coração
por
Canuto Abreu
Reformador
(FEB) Agosto 1923
É
engraçada esta época! Quando alguém, com critério e imparcialidade, afirma que
os fenômenos espíritas pertencem a uma ciência nova, que até já tem um nome
grego (1), as classes prejudicadas, bojo repleto e alma vazia, deixam escorrer
um sorriso de desdém ou
de rancor. No entanto, a pouco e pouco, sem perceber a incongruência e muita
vez o desproposito, essa interessante época, que nos cobre de ridículo, vai
lançando como científicos estes ou aqueles dos fenômenos que o Espiritismo
coordenou e interpretou.
(1) Metapsíquica ou metapsiquismo (da prep.
gr. META - além de-, sub. gr. PSUKHE – “alma” e terminação cismo.
Procede, todavia, como o agiota que
espeta na gravata a pérola de valor, cuidando que os olhares enlevados esquecem
o processo pelo qual ele a adquiriu.
Pouco importa, porém, a deslealdade
avassalante que vem lambendo há meio
século
as muralhas espíritas e fazendo em seu terreno incursões desonestas.
Seus pórticos continuarão abertos de
par em par e seus tesouros expostos a
todas
as cobiças. A perspectiva da enchente não apavora os que estão abrigados na
arca evangélica. Ao contrário. Esse momento futuro em que o dilúvio espírita
inundará todos os sistemas e todas as teorias humanas, será um grato espetáculo.
A fortuna que hoje nos cabe reunir será partilhada então por todos os que se
salvarem, como agora é repartida entre todos os que a procuram. Por isso é que
não bradamos, quando vemos as melhores economias do edifício espírita
carregadas as ocultas em dorsos de jumentos, para as cavernas dos ali-babás da ciência-indústria
e da religião-comércio.
*
Um dos primeiros pecúlios que nos
levaram foi a telepatia. Meteram-na no quadro das ciências e no âmago das
religiões (1). Como o onzenário (juro
extorsivo),
não explicam por que porta entrou ali, nem por que janela penetrou aqui, pois essas
revelações confundem. Seja hospedando-a, seja perfilhando-a, o fato é que se
apropriaram dela, pelo processo que outrora usaram os piratas e hoje empregam
os bolchevistas.
E a nossa, a muito nossa telepatia,
que se tem arrastado por toda a parte, vive agora metida até em aventuras
policiais!
O polônio (polonês) PRAGLOWSKY está
desde há alguns dias fazendo em nossa terra experiências
com ela. O Correio da Manhã, o estimado matutino carioca, começou por sujeita-lo
a uma complicada descoberta telepática do esconderijo dum testamento falso. O
relatório dessa prova foi publicado no rosto do Correio de 17 de julho com o espetaculoso
título: A ciência ao serviço da
investigação criminal.
Não perderíamos o tempo em perguntar
ao Correio que espécie de ciência
é
essa...
Quão poucos se lembram, mesmo entre
os estudiosos, que justamente nesse dia 17 de julho se comemorava, em Londres,
numa sessão solene, o 41º aniversário da fundação da Society for Psychical Research.
(2), o sábio e formidável reduto do Espiritismo cientifico, que, pelo seu
grande vogal MYERS (3) criou a palavra telepatia para designar as transmissões
de pensamentos, ideias e sensações de vivo a vivo!
(1) Os católicos admitem-na entre
vivos. O médico Van der ELST, que fez um curso no
Instituto Católico, em Paris, sobre o ocultismo, lhe reconheceu a existência.
Osprotestantes, representados por
252 bispos, sob a presidência do arcebispo de Canterbury, na conferência de 5
de julho a 7 de agosto de 1920, na Inglaterra, realizada a propósito do
Espiritismo, concluíram: “A conferência reconhece que os resultados de algumas
pesquisas têm levado muitas pessoas a crer na supervida. Estamos prontos a
aceitar as pesquisas, as críticas e as investigações científicas, nos limites
que a razão sã admite. Apenas queremos resguardar-nos e ao mesmo tempo impedir
que outros admitam, na prática, teorias que não estejam assentes em bases
sólidas e Indiscutíveis. Esta convicção já está firmada no que concerne à telepatia e à subconsciência.” (WARCOLLlER, ob. cit., pág. 344.) Os Israelitas
aceitam-na (BERNARD LAZARE, La télépathie
et le néo-spirttualisme, artigo Indépendant.) Os bramanistas e budistas,
bem como os teosofistas, fazem dela um artigo de fé. (ANNIE
BESANT e LEADBEATER, Les Formes-pensées.)
(2)
A Society for Psychchal Research foi fundada no dia 17 de julho de 1882, em
Londres, para examinar os fenômenos espíritas.
(3) MYERS publicou, em colaboração
com GURNEY e PODMORE, a grande obra “Phantoms of the Living.”
***
Será de fato o Sr. PRAGLOWSKY um
grande médium “percipiente” (que percebe com facilidade) ? Vimo-lo em casa
do nosso companheiro FIGNER, no dia seguinte à publicação do Correio. Perante sociedade numerosa, fez
uma demonstração que ele mesmo denominou de telepática. Um molho de chaves foi
ocultado dentro dum filtro, na copa, enquanto o Sr. PRAGLOWSKY palestrava na
sala nobre, explicando como devia agir mentalmente o guia. Escolheu depois para
esse fim o Dr. PIRES, engenheiro brasileiro. (O guia como se sabe, é
o agente, que deve transmitir o pensamento.) Com ele a mão, encaminhou-se para
a sala de jantar. Foi uma partida rápida, agitada, com indecisões de
itinerário, como acontece em todas as experiências desse gênero exibicionista. Chegando
à sala de jantar, marchou resoluto para a cristaleira, cujas portas abriu. E, diante
dos finos cristais demorou-se, ora acocorando-se, ora inclinando-se para os
lados, braços na atitude litúrgica do Dominus
vobiscum. (significa "O
Senhor esteja convosco", cuja resposta é: Et cum spiritu tuo ("E com
o teu espírito") é um sacramental) De vez em quando passava nervosamente as
mãos por sobre a cabeça. Contamos oito minutos, durante os quais ele várias
vezes recorreu ao agente, segurando o braço do Dr. PIRES e pedindo que “pensasse
fortemente”. Sentindo-se extraviado, mudou de guia. Veio substituir o Dr. PIRES
um cavalheiro do qual ignoramos o nome e a nacionalidade, porque
não nos foi apresentado mas que parecia alemão... E o Sr. PRAGLOWSKY pode,
graças ao novo agente, descobrir em cinco minutos a copa, o filtro e o molho de
chaves.
Foi a única manifestação que deu em
casa do Sr. FIGNER. Tão somente com ela era impossível ajuizar bem da sua
mediunidade. Intentamos, por isso, uma palestra. Perguntamos-lhe se conhecera em
Varsóvia, donde ele é natural, o grande psícometra OSSOWIECKI, o maior vidente
masculino da atualidade, bem assim o mundialmente afamado psicólogo OCHOROWITZ,
autor da A sugestão Mental.
Respondeu-nos afirmativamente. Assegurou-nos também que trabalhara por diversas
vezes sob a inspecção do prof. RICHET e do Dr.GELEY, este diretor e aquele
membro notável, do Instituto Metapsíquico Interacional e ambos da Sociedade Polonesa de Estudos
Psíquicos. Quando, entretanto,
lhe perguntamos que espécie de trabalho fizera,
nada
respondeu, antes mudou de assunto e de interlocutor.
Quer o Instituto, quer a Sociedade
registram em anais os seus trabalhos.
Possuímos,
a exceção de poucos números, essas revistas metapsíquicas e em
nenhuma
encontramos referência a trabalhos do Sr. PRAGLOWSKY. Isso, aliás, nada
significa, pois é bem possível que tenham sido publicados justamente nos
números que nos faltam.
* * *
Essa muito nossa conhecida telepatia
de salão nenhuma novidade é para a
sociedade
carioca. Um sem número de profissionais do hipnotismo e da prestidigitação lha tem apresentado em empolgantes sessões. Vários são mesmo os nossos patrícios
que gozam da faculdade “percipiente.” Recordemos um.
Em casa do senador F..., anos atrás,
assistimos a uma prova telepática muito
Curiosa.
Mais de trinta pessoas notáveis de ambos os sexos, se lessem estas linhas,
haviam
de recordar-se dela ainda com espanto. Pena é que a situação católica da
ilustre família nos impeça de lhes citar os nomes. Só o fazemos com relação ao simpático
e inteligente médium, que nunca mais vimos. O Dr. ROLLI, brasileiro, de pais
italianos, residente no Sul, formado em engenharia, achava-se de passeio pelo
Rio e foi levado á recepção. Ali, anuiu à experiência. O rabiscador destas
linhas, a pedido da Sra. F...aplicou dois tampões de algodão sobre os olhos de
ROLLI, apertando-os em seguida com um lenço
de seda preta várias vezes dobrado. Esse pequeno trabalho foi muito fiscalizado;
uma pintora paulista de justa fama fez questão de apertar ela própria o laço,
que julgava meio frouxo. ROLLI foi conduzido a uma poltrona para a sala de música.
A Sra. B. C ... , que deixara
a janela nesse momento, para reunir-se às senhoras que, num canto da sala,
cogitavam do objeto a ocultar, propôs que se escondesse a luva, que
apresentava. Onde? Sobre o aparador havia um relógio “Luís XV”, de mármore. Colocada
a luva atrás dele, retiraram-se
todos para o ângulo oposto. ROLLI, avisado que estava oculto o objeto, levantou-se
e dirigiu-se ao salão sem auxílio de ninguém. Estávamos prevenidos de que, se
ele marchasse de encontro a um obstáculo, nos cabia dizer mentalmente: olha a
cadeira, ou olha a parede, etc. Transposta a larga porta de vidros à catedral,
ROLLI parou e o sorriso que trazia dissipou-se.
- Vejo muitas correntes luminosas
para a esquerda. . . Esses raios morrem sobre um objeto... erguido metro e meio
do chão... Tenho facilidade de ir até lá, mas, ao que parece, o objeto que vejo
não é o que devo descobrir... É muito grande... Queiram pensar um instante
na exclusiva natureza do objeto oculto, repetindo-lhe mentalmente o nome.
Após alguns segundos, voltado para o
aparador, continuou:
- Não há harmonia nos pensamentos.
Vejo confusamente um mostrador de horas, uma espécie de cofre de joias...
muitas sombras de mão... Queiram pensar somente no objeto que devo descobrir...
Sim... Multiplicam-se as mãos. Será uma luva? Deve ser.... É realmente uma
luva. Vejo-a por traz do mostrador de horas...
E encaminhando-se para o aparador:
- Luva delicada, perfumada... mas
indiscreta ...
- Extraordinário! Extraordinário! exclamou
duas vezes o prof. C. M., que a princípio não estava levando a experiência a sério.
A conversa generalizou-se, trocaram-se
comentários e interjeições. ROLLI alcançou o aparador, deslizou a mão pelo mármore
e, como se estivesse vendo, pegou a luva.
A Sra. B. C., aproximando-se de
ROLLI, que já estava sem o lenço preto, ao receber a luva, perguntou-lhe:
- Indiscreta, porque?
ROLLI, sorridente, beijou delicado a
ponta dos dedos de pelica branca e replicou, apresentando a luva:
- Porque este não foi o primeiro
beijo que ela recebeu hoje.
***
Todos sabem o que seja a telepatia. Queremos
dizer: todos sabem que o fenômeno existe. Quantos, procuram indagar do seu
mecanismo? A curiosidade dos fúteis não vai até lá. Quando muito, ensaiam
compreender a palavra, e ficam satisfeitos com descobrir que ‘Tele’ significa “longe”, ‘Pathos’, moléstia. Para eles, ROL.LI,
PRAGLOWSKY e tantos outros são enfermos elegantes que padecem da moléstia de
adivinhar o que a gente pensa.
É tempo, contudo, de dizer alguma
coisa séria a respeito dos trabalhos do Sr. PRAGLOWSKY.
Não querendo passar por suspeito,
vamos, para esse fim, recorrer a uma grande autoridade europeia no assunto, o Sr.
WARCOLLIER, que também é engenheiro químico, Vejamos o que ele diz em seu
importante livro ‘La Télépathie’
(Alcan-1921), a propósito de Cumberlandismo. (1)
(1) Como os espirítistas sabem, o nome
proveio do celebre CUMBERLAND que por muito tempo entusiasmou a Europa com
experiências telepáticas no gênero das do Sr. PRAOLOWSKV.
“Trata-se de adivinhar
onde está o objeto, pela interpretação dos movimentos musculares de uma
pessoa-que sabe onde o objeto está escondido - incumbida, pela assistência, de
guiar, segurando-lhe a mão, aquele que vai fazer a descoberta. Este,
geralmente, tem os olhos vendados; escondido o objeto, uma moeda, uma medalha,
um anel, a procura não é demorada, porquanto estas experiências facilmente
alcançam bom êxito, muitas vezes logo às primeiras tentativas. Se assim não
acontecer, substitui-se o paciente ou o seu guia, o que permite proceder-se a
uma seleção de pessoas sensitivas e mesmo encontrar-se muitas, tão bem dotadas,
que podem tentar a experiência, não mais segura pela mão, mas por intermédio de
uma bengala ou de uma corda e, até, sem nenhum contato. Basta, então, que
alguém acompanhe o paciente a poucos passos de distância, para que ele seja
guiado por murmúrios inconscientes ou mesmo, parece, por telepatia . (1)
Aqui
ficamos por hoje.
(1)
Ob. cit., pág. 178.