sexta-feira, 31 de maio de 2019

A Telepatia - a sentinela do coração



A Telepatia – a sentinela do coração
por Canuto Abreu
Reformador (FEB) Agosto 1923

            É engraçada esta época! Quando alguém, com critério e imparcialidade, afirma que os fenômenos espíritas pertencem a uma ciência nova, que até já tem um nome grego (1), as classes prejudicadas, bojo repleto e alma vazia, deixam escorrer um sorriso de desdém ou de rancor. No entanto, a pouco e pouco, sem perceber a incongruência e muita vez o desproposito, essa interessante época, que nos cobre de ridículo, vai lançando como científicos estes ou aqueles dos fenômenos que o Espiritismo coordenou e interpretou.
           
            (1) Metapsíquica ou metapsiquismo (da prep. gr. META - além de-, sub. gr. PSUKHE – “alma” e terminação cismo.

            Procede, todavia, como o agiota que espeta na gravata a pérola de valor, cuidando que os olhares enlevados esquecem o processo pelo qual ele a adquiriu.

            Pouco importa, porém, a deslealdade avassalante que vem lambendo há meio
século as muralhas espíritas e fazendo em seu terreno incursões desonestas.

            Seus pórticos continuarão abertos de par em par e seus tesouros expostos a
todas as cobiças. A perspectiva da enchente não apavora os que estão abrigados na arca evangélica. Ao contrário. Esse momento futuro em que o dilúvio espírita inundará todos os sistemas e todas as teorias humanas, será um grato espetáculo. A fortuna que hoje nos cabe reunir será partilhada então por todos os que se salvarem, como agora é repartida entre todos os que a procuram. Por isso é que não bradamos, quando vemos as melhores economias do edifício espírita carregadas as ocultas em dorsos de jumentos, para as cavernas dos ali-babás da ciência-indústria e da religião-comércio.

*

            Um dos primeiros pecúlios que nos levaram foi a telepatia. Meteram-na no quadro das ciências e no âmago das religiões (1). Como o onzenário (juro  extorsivo), não explicam por que porta entrou ali, nem por que janela penetrou aqui, pois essas revelações confundem. Seja hospedando-a, seja perfilhando-a, o fato é que se apropriaram dela, pelo processo que outrora usaram os piratas e hoje empregam os bolchevistas.

            E a nossa, a muito nossa telepatia, que se tem arrastado por toda a parte, vive agora metida até em aventuras policiais!

            O polônio (polonês) PRAGLOWSKY está desde há alguns dias fazendo em nossa terra experiências com ela. O Correio da Manhã, o estimado matutino carioca, começou por sujeita-lo a uma complicada descoberta telepática do esconderijo dum testamento falso. O relatório dessa prova foi publicado no rosto do Correio de 17 de julho com o espetaculoso título: A ciência ao serviço da investigação criminal.

            Não perderíamos o tempo em perguntar ao Correio que espécie de ciência
é essa...

            Quão poucos se lembram, mesmo entre os estudiosos, que justamente nesse dia 17 de julho se comemorava, em Londres, numa sessão solene, o 41º aniversário da fundação da Society for Psychical Research. (2), o sábio e formidável reduto do Espiritismo cientifico, que, pelo seu grande vogal MYERS (3) criou a palavra telepatia para designar as transmissões de pensamentos, ideias e sensações de vivo a vivo!

            (1) Os católicos admitem-na entre vivos. O médico Van der ELST, que fez um curso no Instituto Católico, em Paris, sobre o ocultismo, lhe reconheceu a existência. Osprotestantes, representados por 252 bispos, sob a presidência do arcebispo de Canterbury, na conferência de 5 de julho a 7 de agosto de 1920, na Inglaterra, realizada a propósito do Espiritismo, concluíram: “A conferência reconhece que os resultados de algumas pesquisas têm levado muitas pessoas a crer na supervida. Estamos prontos a aceitar as pesquisas, as críticas e as investigações científicas, nos limites que a razão sã admite. Apenas queremos resguardar-nos e ao mesmo tempo impedir que outros admitam, na prática, teorias que não estejam assentes em bases sólidas e Indiscutíveis. Esta convicção já está firmada no que concerne à telepatia e à subconsciência.” (WARCOLLlER, ob. cit., pág. 344.) Os Israelitas aceitam-na (BERNARD LAZARE, La télépathie et le néo-spirttualisme, artigo Indépendant.) Os bramanistas e budistas, bem como os teosofistas, fazem dela um artigo de fé. (ANNIE BESANT e LEADBEATER, Les Formes-pensées.)
            (2) A Society for Psychchal Research foi fundada no dia 17 de julho de 1882, em Londres, para examinar os fenômenos espíritas.
            (3) MYERS publicou, em colaboração com GURNEY e PODMORE, a grande obra “Phantoms of the Living.”

***

            Será de fato o Sr. PRAGLOWSKY um grande médium “percipiente” (que percebe com facilidade) ? Vimo-lo em casa do nosso companheiro FIGNER, no dia seguinte à publicação do Correio. Perante sociedade numerosa, fez uma demonstração que ele mesmo denominou de telepática. Um molho de chaves foi ocultado dentro dum filtro, na copa, enquanto o Sr. PRAGLOWSKY palestrava na sala nobre, explicando como devia agir mentalmente o guia. Escolheu depois para esse fim o Dr. PIRES, engenheiro brasileiro. (O guia como se sabe, é o agente, que deve transmitir o pensamento.) Com ele a mão, encaminhou-se para a sala de jantar. Foi uma partida rápida, agitada, com indecisões de itinerário, como acontece em todas as experiências desse gênero exibicionista. Chegando à sala de jantar, marchou resoluto para a cristaleira, cujas portas abriu. E, diante dos finos cristais demorou-se, ora acocorando-se, ora inclinando-se para os lados, braços na atitude litúrgica do Dominus vobiscum. (significa "O Senhor esteja convosco", cuja resposta é: Et cum spiritu tuo ("E com o teu espírito") é um sacramental) De vez em quando passava nervosamente as mãos por sobre a cabeça. Contamos oito minutos, durante os quais ele várias vezes recorreu ao agente, segurando o braço do Dr. PIRES e pedindo que “pensasse fortemente”. Sentindo-se extraviado, mudou de guia. Veio substituir o Dr. PIRES um cavalheiro do qual ignoramos o nome e a nacionalidade, porque não nos foi apresentado mas que parecia alemão... E o Sr. PRAGLOWSKY pode, graças ao novo agente, descobrir em cinco minutos a copa, o filtro e o molho de chaves.

            Foi a única manifestação que deu em casa do Sr. FIGNER. Tão somente com ela era impossível ajuizar bem da sua mediunidade. Intentamos, por isso, uma palestra. Perguntamos-lhe se conhecera em Varsóvia, donde ele é natural, o grande psícometra OSSOWIECKI, o maior vidente masculino da atualidade, bem assim o mundialmente afamado psicólogo OCHOROWITZ, autor da A sugestão Mental. Respondeu-nos afirmativamente. Assegurou-nos também que trabalhara por diversas vezes sob a inspecção do prof. RICHET e do Dr.GELEY, este diretor e aquele membro notável, do Instituto Metapsíquico Interacional e ambos da Sociedade Polonesa de Estudos
Psíquicos. Quando, entretanto, lhe perguntamos que espécie de trabalho fizera,
nada respondeu, antes mudou de assunto e de interlocutor.

            Quer o Instituto, quer a Sociedade registram em anais os seus trabalhos.
Possuímos, a exceção de poucos números, essas revistas metapsíquicas e em
nenhuma encontramos referência a trabalhos do Sr. PRAGLOWSKY. Isso, aliás, nada significa, pois é bem possível que tenham sido publicados justamente nos números que nos faltam.

* * *

            Essa muito nossa conhecida telepatia de salão nenhuma novidade é para a
sociedade carioca. Um sem número de profissionais do hipnotismo e da prestidigitação lha tem apresentado em empolgantes sessões. Vários são mesmo os nossos patrícios que gozam da faculdade “percipiente.” Recordemos um.

            Em casa do senador F..., anos atrás, assistimos a uma prova telepática muito
Curiosa. Mais de trinta pessoas notáveis de ambos os sexos, se lessem estas linhas,
haviam de recordar-se dela ainda com espanto. Pena é que a situação católica da ilustre família nos impeça de lhes citar os nomes. Só o fazemos com relação ao simpático e inteligente médium, que nunca mais vimos. O Dr. ROLLI, brasileiro, de pais italianos, residente no Sul, formado em engenharia, achava-se de passeio pelo Rio e foi levado á recepção. Ali, anuiu à experiência. O rabiscador destas linhas, a pedido da Sra. F...aplicou dois tampões de algodão sobre os olhos de ROLLI, apertando-os em seguida com um lenço de seda preta várias vezes dobrado. Esse pequeno trabalho foi muito fiscalizado; uma pintora paulista de justa fama fez questão de apertar ela própria o laço, que julgava meio frouxo. ROLLI foi conduzido a uma poltrona para a sala de música. A Sra. B. C ... , que deixara a janela nesse momento, para reunir-se às senhoras que, num canto da sala, cogitavam do objeto a ocultar, propôs que se escondesse a luva, que apresentava. Onde? Sobre o aparador havia um relógio “Luís XV”, de mármore. Colocada a luva atrás dele, retiraram-se todos para o ângulo oposto. ROLLI, avisado que estava oculto o objeto, levantou-se e dirigiu-se ao salão sem auxílio de ninguém. Estávamos prevenidos de que, se ele marchasse de encontro a um obstáculo, nos cabia dizer mentalmente: olha a cadeira, ou olha a parede, etc. Transposta a larga porta de vidros à catedral, ROLLI parou e o sorriso que trazia dissipou-se.

            - Vejo muitas correntes luminosas para a esquerda. . . Esses raios morrem sobre um objeto... erguido metro e meio do chão... Tenho facilidade de ir até lá, mas, ao que parece, o objeto que vejo não é o que devo descobrir... É muito grande... Queiram pensar um instante na exclusiva natureza do objeto oculto, repetindo-lhe mentalmente o nome.

            Após alguns segundos, voltado para o aparador, continuou:

            - Não há harmonia nos pensamentos. Vejo confusamente um mostrador de horas, uma espécie de cofre de joias... muitas sombras de mão... Queiram pensar somente no objeto que devo descobrir... Sim... Multiplicam-se as mãos. Será uma luva? Deve ser.... É realmente uma luva. Vejo-a por traz do mostrador de horas...

            E encaminhando-se para o aparador:

            - Luva delicada, perfumada... mas indiscreta ...

            - Extraordinário! Extraordinário! exclamou duas vezes o prof. C. M., que a princípio não estava levando a experiência a sério.

            A conversa generalizou-se, trocaram-se comentários e interjeições. ROLLI alcançou o aparador, deslizou a mão pelo mármore e, como se estivesse vendo, pegou a luva.

            A Sra. B. C., aproximando-se de ROLLI, que já estava sem o lenço preto, ao receber a luva, perguntou-lhe:

            - Indiscreta, porque?

            ROLLI, sorridente, beijou delicado a ponta dos dedos de pelica branca e replicou, apresentando a luva:

            - Porque este não foi o primeiro beijo que ela recebeu hoje.

***

            Todos sabem o que seja a telepatia. Queremos dizer: todos sabem que o fenômeno existe. Quantos, procuram indagar do seu mecanismo? A curiosidade dos fúteis não vai até lá. Quando muito, ensaiam compreender a palavra, e ficam satisfeitos com descobrir que Tele’ significa “longe”, ‘Pathos’, moléstia. Para eles, ROL.LI, PRAGLOWSKY e tantos outros são enfermos elegantes que padecem da moléstia de adivinhar o que a gente pensa.

            É tempo, contudo, de dizer alguma coisa séria a respeito dos trabalhos do Sr. PRAGLOWSKY.

            Não querendo passar por suspeito, vamos, para esse fim, recorrer a uma grande autoridade europeia no assunto, o Sr. WARCOLLIER, que também é engenheiro químico, Vejamos o que ele diz em seu importante livro ‘La Télépathie’ (Alcan-1921), a propósito de Cumberlandismo. (1)

            (1) Como os espirítistas sabem, o nome proveio do celebre CUMBERLAND que por muito tempo entusiasmou a Europa com experiências telepáticas no gênero das do Sr. PRAOLOWSKV.

            “Trata-se de adivinhar onde está o objeto, pela interpretação dos movimentos musculares de uma pessoa-que sabe onde o objeto está escondido - incumbida, pela assistência, de guiar, segurando-lhe a mão, aquele que vai fazer a descoberta. Este, geralmente, tem os olhos vendados; escondido o objeto, uma moeda, uma medalha, um anel, a procura não é demorada, porquanto estas experiências facilmente alcançam bom êxito, muitas vezes logo às primeiras tentativas. Se assim não acontecer, substitui-se o paciente ou o seu guia, o que permite proceder-se a uma seleção de pessoas sensitivas e mesmo encontrar-se muitas, tão bem dotadas, que podem tentar a experiência, não mais segura pela mão, mas por intermédio de uma bengala ou de uma corda e, até, sem nenhum contato. Basta, então, que alguém acompanhe o paciente a poucos passos de distância, para que ele seja guiado por murmúrios inconscientes ou mesmo, parece, por telepatia . (1)

Aqui ficamos por hoje.

(1) Ob. cit., pág. 178.

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