terça-feira, 9 de abril de 2019

Pretório ou Calvário?



Já foi pior...

Pretório ou Calvário?
Editorial
Reformador (FEB) Outubro 1919

Assim contra vós mesmo testificais
que são filhos daqueles que mataram aos Profetas.
Mateus XXVIII, v.3J

            Nosso irmão o Cardeal Arcoverde acaba de endereçar ao seu clero uma carta-circular, recomendando-lhe durante o corrente mês a recitação do terço, ladainhas lauretanas (Loreto, cidade na Itália) e pregação, ao menos durante os últimos dias do mês, contra o Protestantismo e o Espiritismo.

            A imprensa profana, de onde extraímos esta notícia, registra sem comentários mais esse gesto intolerante e, para nós, contraproducente, do alto dignatário Romano, em nosso país.

            Contra o Protestantismo, essa atitude do clero católico vale, ou pelo menos pretende valer por um protesto à “heresia” que vivamente ataca (sic) o culto de hiperdulia (culto especial que na religião católica é reservado à Virgem Maria, superior à dulia (que se dedica aos santos e aos anjos).-que ele, clero, tributa ou pretende, pelo menos, também, tributar à “Mãe de Deus” (sic).

            Contra nós outros a circular não articula os fundamentos do seu anátema, que, aliás justificamos, pois eles se patenteiam integralmente e fundamentalmente na contextura da nossa doutrina rebelde à toda a sistematização dogmática, à idolatria como à simonia (compra ou venda ilícita de coisas espirituais (como indulgências e sacramentos) ou temporais ligadas às espirituais (como os benefícios eclesiásticos)., à tudo, enfim, que não parta do coração para o cérebro, da inteligência para a razão já que Deus, Suprema Inteligência e Infinito Amor, não pode infirmar a liberdade de consciência.

            Naturalmente - repetimos que não conhecemos a circular na íntegra -o oráculo do Vaticano vai justificar o seu ato de intolerância anticristã, com os males que, no seu conceito especioso, a nossa doutrina tem causado à humanidade...

            É o velho chavão de todos os tempos, e tanto mais anódino (banal, insignificante, medíocre) quanto desacompanhado de provas, como sói acontecer. Não é, portanto, o receio de abalos morais em nossas fileiras o que nos arrasta malgrado nosso a escrever estas linhas, e sim o dever de aproveitar a oportunidade para edificar nossos correligionários no espírito de tolerância a que nos obriga a qualidade - comezinha que seja - de pretensos discípulos de N. S. Jesus Cristo, buscando pautar os nossos atos, frutos legítimos do pensamento, pelo seu Evangelho em espírito e verdade.

            Pois valha, no caso, o espírito evangélico por pensamentos de amor para os que nos hostilizam, e valha a verdade por atos de cortesia e tolerância.

            A igreja católica assim procedendo ostensivamente contra seus irmãos em humanidade, convenhamos, é lógica com o seu lema, que afirma não haver salvação fora do seu grêmio.

            Se o faz com inteira convicção, se os seus ministros, muitos deles dignos de respeito por suas intenções e virtudes, ao nos atarem ao pelourinho da difamação o fazem em consciência, é coisa que só a Deus compete julgar.

            A nós compete-nos ser lógicos, também, mas de lógica radicalmente contraria, o que importa dizer - lógicos com Aquele pelo qual - Caminho, Verdade e Vida - somente se vai a Deus.

            Esse, nós o sabemos e comprovamos diariamente pela voz fraterna dos seus mensageiros, mandava perdoar aos nossos inimigos, fazer o bem aos que nos odeiam, orar pelos que nos perseguem e caluniam. (*)                                                    (*) Mateus V, v.44

            Na faina de propagar a nossa doutrina; ao dever incoercível do altruísmo e no empenho de comunicar ao nosso semelhante os benefícios de uma doutrina de pura
regeneração, fadada a transformar o mundo, não devemos perder de vista que o problema religioso é um problema de consciência, que, para ser eficaz, deve compadecer-se com as vistas da Providência, que é a comunhão dos bons espíritos, dos espíritos do Senhor.

            Todos os que nos felicitamos hoje no conhecimento destas coisas, viemos a tempo e por misericórdia divina, dos arraiais em que elas predominam e prevalecem contra nós, ainda hoje.

            O exemplo maior de Saulo a caminho de Damasco, é bastante significativo para que não revidemos, antes agradeçamos o desafio, tomando-o como salutar aviso ao cerramento de fileiras em torno do nosso Ideal, pela serenidade na Fé, pela firmeza na Esperança, pela emulação na Caridade.

            Preces a Deus vão ser feitas contra nós em todos os templos católicos, de ordem de um irmão que se julga em santidade e ministro de Cristo, que ele confunde com o próprio Deus!

            Por mais absurdo que isso pareça em tempos de puro racionalismo, quais os que atravessamos, é um fato que se justifica dentro da própria doutrina, e cuja intensificação nos vem sendo de longa data assegurada.

            A luta é necessária, porque é na luta que se retemperam as energias da vontade, que se apuram as faculdades do espírito, tanto quanto se delimitam as responsabilidades da criatura em prova.

            Lutemos, pois, para a dignificação da Verdade Divina, mas tendo por armas o amor contra o ódio, a razão contra o erro, a justiça, a dignidade, o sacrifício de nós mesmos contra o sectarismo inconsequente, que adora a Deus e esbofeteia o próximo, maldizendo de quantos não sabem, não podem ou não querem ler a sua cartilha. Para tanto não se diga nos falte estímulo, que bem o temos na circunstância de não ser a luta conosco, simples “coxos e estropiados” tomados de surpresa na senda do pecado, mas com os Mensageiros de Jesus, encarregados de relembrar a esta humanidade impenitente e cega, que o crucificou há perto de vinte séculos a realização das suas profecias.

            Sem outra autoridade além da que nos arrogamos pelo acendrado amor à causa comum, nesta conjuntura gratuitamente criada pelos nossos irmãos católicos e lamentando mais esse erro de psicologia religiosa tão contrário ao espírito do Cristianismo quanto aos próprios interesses morais da sua igreja; tristes, mas não surpresos, por conhecedores da política clerical de Constantino até os nossos dias, pedimos aos nossos confrades em geral para em nossas associações de fraternidade, em nossos centros de beneficência, em nossas  reuniões adventícias, em nossos lares, no templo do coração, em suma, rogarmos a Deus para que os ilumine e possam, mercê do prestígio longínquo que ainda lhes resta, como servos de instituição que completou o seu ciclo, darem melhores mostras de identidade com o sacerdócio que se arrogam.

            Por que o itinerário não é da Sinagoga para o Pretório, mas deste para o Calvário. O Cristo não foi juiz senão quando do cimo desse Calvário e do cimo da cruz, exorou para todos o perdão do Pai.

            Façamos como o Cristo, Nosso Senhor, perdoemos também.

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