Já foi pior...
Pretório
ou Calvário?
Editorial
Reformador
(FEB) Outubro 1919
Assim contra vós mesmo testificais
que são filhos daqueles que mataram aos
Profetas.
Mateus XXVIII, v.3J
Nosso irmão o Cardeal Arcoverde acaba
de endereçar ao seu clero uma carta-circular, recomendando-lhe durante o
corrente mês a recitação do terço, ladainhas lauretanas (Loreto, cidade na
Itália)
e pregação, ao menos durante os últimos dias do mês, contra o Protestantismo e
o Espiritismo.
A imprensa profana, de onde extraímos
esta notícia, registra sem comentários mais esse gesto intolerante e, para nós,
contraproducente, do alto dignatário Romano, em nosso país.
Contra o Protestantismo, essa
atitude do clero católico vale, ou pelo menos pretende valer por um protesto à “heresia”
que vivamente ataca (sic) o culto de hiperdulia (culto especial que na religião
católica é reservado à Virgem Maria, superior à dulia (que se dedica aos santos
e aos anjos).-que
ele, clero, tributa ou pretende, pelo menos, também, tributar à “Mãe de Deus”
(sic).
Contra nós outros a circular não
articula os fundamentos do seu anátema, que, aliás justificamos, pois eles se
patenteiam integralmente e fundamentalmente na contextura da
nossa doutrina rebelde à toda a sistematização dogmática, à idolatria como à
simonia (compra
ou venda ilícita de coisas espirituais (como indulgências e sacramentos) ou
temporais ligadas às espirituais (como os benefícios eclesiásticos)., à tudo, enfim,
que não parta do coração para o cérebro, da inteligência para a razão já que
Deus, Suprema Inteligência e Infinito Amor, não pode infirmar a liberdade de
consciência.
Naturalmente - repetimos que não
conhecemos a circular na íntegra -o oráculo do Vaticano vai justificar o seu
ato de intolerância anticristã, com os males que, no seu conceito especioso, a
nossa doutrina tem causado à humanidade...
É o velho chavão de todos os tempos,
e tanto mais anódino (banal,
insignificante, medíocre)
quanto desacompanhado de provas, como sói acontecer. Não é, portanto, o receio
de abalos morais em nossas fileiras o que nos arrasta malgrado nosso a escrever
estas linhas, e
sim o dever de aproveitar a oportunidade para edificar nossos correligionários
no espírito de tolerância a que nos obriga a qualidade - comezinha que seja -
de pretensos discípulos de N. S. Jesus Cristo, buscando pautar os nossos atos,
frutos legítimos do pensamento, pelo
seu Evangelho em espírito e verdade.
Pois valha, no caso, o espírito
evangélico por pensamentos de amor para os que nos hostilizam, e valha a
verdade por atos de cortesia e tolerância.
A igreja católica assim procedendo
ostensivamente contra seus irmãos em humanidade, convenhamos, é lógica com o
seu lema, que afirma não haver salvação fora do
seu grêmio.
Se o faz com inteira convicção, se
os seus ministros, muitos deles dignos de respeito por suas intenções e
virtudes, ao nos atarem ao pelourinho da difamação o fazem em consciência, é
coisa que só a Deus compete julgar.
A nós compete-nos ser lógicos,
também, mas de lógica radicalmente contraria, o que importa dizer - lógicos com
Aquele pelo qual - Caminho, Verdade e Vida - somente se vai a Deus.
Esse, nós o sabemos e comprovamos
diariamente pela voz fraterna dos seus mensageiros, mandava perdoar aos nossos
inimigos, fazer o bem aos que nos odeiam, orar pelos
que nos perseguem e caluniam. (*)
(*) Mateus V, v.44
Na faina de propagar a nossa
doutrina; ao dever incoercível do altruísmo e no empenho de comunicar ao nosso
semelhante os benefícios de uma doutrina de pura
regeneração,
fadada a transformar o mundo, não devemos perder de vista que o problema
religioso é um problema de consciência, que, para ser eficaz, deve
compadecer-se com as vistas da Providência, que é a comunhão dos bons espíritos,
dos espíritos do Senhor.
Todos os que nos felicitamos hoje no
conhecimento destas coisas, viemos a tempo e por misericórdia divina, dos
arraiais em que elas predominam e prevalecem contra nós, ainda hoje.
O exemplo maior de Saulo a caminho
de Damasco, é bastante significativo para que não revidemos, antes agradeçamos
o desafio, tomando-o como salutar aviso ao cerramento de fileiras em torno do
nosso Ideal, pela serenidade na Fé, pela firmeza na Esperança, pela emulação na
Caridade.
Preces a Deus vão ser feitas contra
nós em todos os templos católicos, de ordem de um irmão que se julga em
santidade e ministro de Cristo, que ele confunde com o próprio Deus!
Por mais absurdo que isso pareça em
tempos de puro racionalismo, quais os que atravessamos, é um fato que se
justifica dentro da própria doutrina, e cuja intensificação nos vem sendo de
longa data assegurada.
A luta é necessária, porque é na
luta que se retemperam as energias da vontade, que se apuram as faculdades do
espírito, tanto quanto se delimitam as responsabilidades da criatura em prova.
Lutemos, pois, para a dignificação
da Verdade Divina, mas tendo por armas o amor contra o ódio, a razão contra o
erro, a justiça, a dignidade, o sacrifício de nós mesmos contra o sectarismo
inconsequente, que adora a Deus e esbofeteia o próximo, maldizendo de quantos
não sabem, não podem ou não querem ler a sua cartilha. Para tanto não se diga
nos falte estímulo, que bem o temos na circunstância de não ser a luta conosco,
simples “coxos e estropiados” tomados de surpresa na senda do pecado, mas com
os Mensageiros de Jesus, encarregados de relembrar a esta humanidade
impenitente e cega, que o crucificou há perto de vinte séculos a realização das
suas profecias.
Sem outra autoridade além da que nos
arrogamos pelo acendrado amor à causa comum, nesta conjuntura gratuitamente criada
pelos nossos irmãos católicos e lamentando mais esse erro de psicologia
religiosa tão contrário ao espírito do Cristianismo quanto aos próprios
interesses morais da sua igreja; tristes, mas não surpresos, por conhecedores
da política clerical de Constantino até os nossos dias, pedimos aos nossos confrades
em geral para em nossas associações de fraternidade, em nossos centros de
beneficência, em nossas reuniões adventícias,
em nossos lares, no templo do coração, em suma, rogarmos a Deus para que os ilumine
e possam, mercê do prestígio longínquo que ainda lhes resta, como servos de instituição
que completou o seu ciclo, darem melhores mostras de identidade com o sacerdócio
que se arrogam.
Por que o itinerário não é da Sinagoga
para o Pretório, mas deste para o Calvário. O Cristo não foi juiz senão quando
do cimo desse Calvário e do cimo da cruz, exorou para todos o perdão do Pai.
Façamos como o Cristo, Nosso Senhor,
perdoemos também.
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