quinta-feira, 4 de abril de 2019

Gabriel Delanne - A arte de escrever em contraponto




Gabriel Delanne: A arte de escrever em contraponto (1)
Cinquentenário de Desencarnação
Gilberto Campista Guarino
Reformador (FEB) Fevereiro 1976

            (1) Contraponto - diz-se, em música, da arte de combinar melodia com melodia,
fazendo com que uma penetre a outra. Exige grande conhecimento técnico,
uma vez que se desenvolve na base de nota contra nota, sem que seja a harmonia abalada.
A característica básica da escola polifônica, e desafia o gênio musical, porque limita,
de um certo modo, as harmonias que comporão o corpo musical.
Na música, seu mais extremado gênio foi o maior dentre os maiores:
Johann Sebastian Bach.

A comparação da escrita musical contrapontistica com Gabriel Delanne
foi aventada por questões de método. O contraponto, na música,
e se bem empregado, traz diversas vozes dentro de um conjunto harmônico,
de forma que se tem a nítida impressão de um diálogo imenso,
organizado e propositado; que irá desembocar num fim especifico, após um stretto,
que é o surgimento de todas as vozes, a um só tempo.
Gabriel Delanne adquiriu, em vivências passadas, por certo,
a propriedade de escrever assunto por assunto, colocando-os um em frente do outro,
numa espécie de desafio, a fim de que eles mesmos se burilassem a si próprios,
e apresentassem a solução, num só contexto harmônico.
As restrições que esse método impõe,
só as vence quem tenha a inata propriedade de construir, para o alto.
Assim como Sebastian Bach foi o arquiteto do teclado,
Delanne bem pode ser classificado, dentro dessa ordem de ideias,
como arquiteto do Espiritismo Científico,
concomitantemente desenvolvido por William Crookes.

            15 de fevereiro de 1926. Em plena maturidade, a mente ordenada de Gabriel Delanne ainda cogita de mais um livro a ser passado para o papel. "A Exteriorização do Pensamento", artigo de sua prodigiosa lavra, já fora entregue à redação da "Revue Spirite", por essa época sob a direção de Jean Meyer, criador do "Instituto Metapsíquico Internacional" e da "União Espírita Francesa". Não o veria publicado, senão da grande nação dos Espíritos. Não materializaria no papel de redação, que tantas vezes lhe fora repositório das ideias com que, por assim dizer, fundara o Espiritismo Científico, a saudação a todos os espíritas franceses, a qual seria publicada no "Bulletin" da aludida "Union".

            O filho do comerciante Alexandre Delanne e da Sra Alexandrine Delanne, menino esse que, mais tarde, em plena virilidade, se consorciaria com Suzanne Rabotin, que lhe sobreviveu o trespasse, já havia partido, quando a "Revue" - desde 1913, "La Revue" - circulou.

            O berço nitidamente espírita (não nos esqueçamos que que Mme. Delanne, sua mãe, era médium de fortes recursos, e de que seu pai era amigo de Allan Kardec, ambos, Alexandrine e Alexandre, aceitando plenamente os princípios sobre os quais se embasa a Doutrina Espírita, consubstanciou-lhe a fé imorredoura, que o preservou das exagerações frequentemente ocorridas no terreno da investigação fenomênica, em especial numa época em que a qualificação de espírita valia por um verdadeiro desafio e um acinte à moral dita superior da sociedade. Não tracejemos a biografia de Gabriel Delanne. Tarefa que demanda tempo e muitas laudas de papel, deve permanecer para oportunidade futura. Observemos, isto sim, por agora, aspectos pouco considerados da mentalidade delaneana, como sejam, suas ideias, seus métodos, sua visão praticamente futurista do Espiritismo, que nunca alienou de seus propósitos a maturação dos conceitos evangélicos que lhe salvaguardam a integridade entre os homens

            Um dos temas que sempre preocuparam vivamente o nosso personagem, engenheiro de sólida formação, foi o perispírito, que sabemos ser base de todo o fenômeno mediúnico, assim como de todo o fenômeno anímico; o perispírito, sem o qual nada se explica, em  termos de psiquismo, e cuja não assimilação e internalização por parte da Ciência vem a ser a causa da ignorância em que ela permanece, no campo da alma.

            Definiu-o de modos diversíssimos, um dos quais, entretanto, nos parece tão preciso e tão seguro que não nos furtamos a transcrevê-lo: "estatuto das leis que regem a evolução orgânica". O perispírito é um gigantesco livro, um notável arquivo, no qual se contêm todas as peripécias que nos sejam peculiares, em descrição viva, sem fantasias, exatas, e que hoje podem ser evocadas, até certo ponto, pelo fenômeno da chamada regressão de memória, na qual, em determinado grau, o Espírito desprendido alcança a fonte das reminiscências de etapas pregressas de nossa vida como Espírito Imortal.

            O emprego do adjetivo ‘orgânica’ mostra o quão ampla era a mente de Delanne, porque o entendimento de organismo, já naqueles tempos, dentro dos estudos espíritas, implicava o que hoje se apelidou de corpo somático (o corpo físico) e corpo psicossomático (que sabemos ser o perispírito, pelos gregos chamado eidolon). Assim, já encarava Delanne a evolução, embora única, sob um aspecto nitidamente duplo, no qual, todavia, o norte era dado pelo perispírito, síntese, por assim dizer, das aptidões e das perspectivas do ser-espírito. Não o diferençou, propriamente, no animal irracional e no homem, mas o detectou, inegavelmente, em ambos, evidenciando-lhe o mesmo papel de bússola evolutiva, e vinculando-o à célebre ideia diretriz, que Claude Bernard estabelecera, num passo gigantesco para as concepções de então.

            Assim define o grande fisiologista essa ideia norteadora da própria vida, em sua própria opinião, alheia - no que de mais transcendental envergue - à física ou à química, como as entendem os homens (por exemplo, o caso da memória, que se tenta reduzir aos limites somáticos, encarcerada em reações químicas):

            "0 que diz essencialmente com o domínio da vida e não pertence à química, nem à física, nem ao que mais possamos imaginar, é a ideia diretriz dessa atuação vital. Em todo o germe vivo há uma ideia dirigente, a manifestar-se e a desenvolver-se na sua organização. Depois, no curso de toda a sua vida, o ser permanece sob a influência dessa força criadora, até que morre quando ela não mais se pode efetivar. É sempre o mesmo principio de conservação do ser, que lhe reconstitui as partes vivas, desorganizadas pelo exercício, por acidentes ou enfermidades." (Claude Bernard: "Introduction à Ia Médecine")

            Adequadíssima a ideia de Claude Bernard às assertivas dos pesquisadores espíritas, e que, hoje, dia após dia, vêm sendo comprovadas. Disse, intuitivamente, o notável fisiologista que o ser permanece sob a influência dessa força criadora, o que, à primeira vista, poderia parecer um engano, uma vez que o perispírito é a própria criatura em si, é inalienável, acompanha-a por toda a sua marcha evolutiva, transformando-se, a pouco e pouco, em substância translúcida, invisível, nos Espíritos assaz superiores, aos nossos sentidos grosseiros. Se assim compreendêssemos a força criadora, de Bernard, estaríamos incursos em contra senso. Acontece que Delanne diferençou, nitidamente, aliás, perispírito de força vital. Esta seria o elemento através do qual o perispírito gera o modelo condensado de nosso corpo, faz com que ele se desenvolva, influencia-o e repara-o nos danos que venha a sofrer. Dentro desse esquema, Gabriel Delanne classifica a força vital (que bem poderia identificar-se com o fluido universal, que, hoje, conhecemos por energia) como substância organizadora, mantenedora e reparadora, segundo o molde em si, que a dirige. A própria composição do perispírito, na linguagem da época, faz-se com base em fluido magnético, eletricidade e demais modificações do fluido universal, ou energia. E é o próprio Delanne quem tudo enfeixa, nos seguintes termos:

            "Estabelecemos de princípio, por experimentações espiríticas, que os Espíritos conservavam a força humana e isto não só por se apresentarem tipicamente assim, como também porque o perispírito encerra todo um organismo fluídico-modelo, pelo qual a matéria se há de organizar, no condicionamento do corpo físico."

            Quer isso dizer que o próprio psicossoma guarda em si um organismo fluídico-modelo, que é X em cada etapa evolutiva, podendo ser Xl, X2, X3, in fine, em séries determinadas, ao fim das quais o automatismo se garanta através da aquisição de valores inderrogáveis em nossa constituição mais íntima. E, ainda, para que bem firme permaneça em nossa inteligência, destacado ficou que a matéria se organiza segundo esse modelo, exteriorizado na própria força vital. GabrieI Delanne, portanto, fala em perispírito como agente em relação aos desígnios do Eu; em força vital como paciente, em relação ao perispírito, e, agente, para o corpo físico.

            De tudo o que ficou dito, se vimos o papel fisiológico do corpo espiritual, depreendemos que há de verificar-se um papel psicológico em relação a esse mesmo corpo, uma vez que, comprovadamente, o corpo padece mutações violentas, no transcurso da vida, para, em seguida, extinguir-se, e qualquer sujet de experimentações em regressão de memória pode constatar, anteriormente à vida fetal, a vida do Espírito em erraticidade; pode mergulhar em ‘n’ ciclos vividos, sob sua vontade aliada à do experimentador.

            Psicologicamente, parece-nos que seria impossível o reconhecimento da criatura como criatura se as fibras perispirituais não estivessem previamente condicionadas à noção de uma continuidade, e se o homem não detivesse, intimamente, a certeza de que a vida, como a vemos, não passa de uma etapa. Psique é alma, e alma não sofre soluções de continuidade. Aberra do sentimento inato da própria deidade a vontade, por exemplo, condicionada à extinção; o raciocínio vinculado à diluição, e assim por diante. O papel psicológico do perispírito é radicalmente oposto às noções invertidas da psicologia sem alma. A própria memória, no que fuja aos condicionamentos cerebrais, como tudo o que se afaste dos componentes hereditários (que respondem por necessidades do Espírito, não nos esqueçamos), embora as teorias do metaeterismo e do meio ambiente, permanecem no domínio da alma, porque mesmo essas correntes estão invariavelmente condicionadas à existência de personalidades, as quais nada mais são que manifestações da individualidade. É nesse sentido que Gabriel Delanne definiu o perispírito como fonógrafo natural, que registra sensações e as reproduz, retirando-as do próprio arquivo, e ordenando-as de forma a que os acidentes e incidentes de nossa caminhada não nos apanhem sem um paradigma em que, nos apoiemos e em que nos identifiquemos.

            O ato inteligente do homem, ato programado, deliberado, consciente, e o ato instintivo, condicionado, disparado por mecanismo automatizado, ambos só se desenrolam segundo as características da série em que respondam, e não existiriam, caso não existisse a coordenação perispiritual, responsável, em todos os níveis, pelas manifestações da vida. Comparemos, finalmente, o perispírito a um gravador. Os aparelhos que nossa eletrônica vem inventando possuem, em geral, três ou quatro velocidades. Cada rolo de fita vem codificado numa forma X ou Y, de modo que deve ser reproduzida na velocidade correspondente à velocidade de codificação: o que se contenha na fita será descodificado e retransportado ao código em que exista na natureza. Mais ou menos o mesmo é o mecanismo da memória, em termos de reconhecimento, ou seja, filosoficamente falando. A forma de código natural se imprime na fita que o perispírito representa, numa velocidade determinada (a velocidade de gravação pode variar ao infinito, e é determinada pelo teor emocional de que venha o fato investido), de modo que somente será recordada quando se alcance a rotação primitiva, idêntica, portanto. Mas, assim como as velocidades aproximativas dos gravadores que conhecemos produzem feitos aproximativos, em fidelidade, ao feito natural, também as associações mentais podem levar a reminiscências aproximativas ou a rotações idênticas no gravador perispiritual, de modo a que reviva sem erros o fato lembrado. Esse o mecanismo da memória: se a vibração é acelerada num dado estado, este não será percebido quando vibremos em estado diverso, numa velocidade mais lenta, senão, e quando muito, aproximativamente. Já em termos de aceleração da velocidade - e porque os funcionamentos perispirituais são muito mais complexos que os do gravador comum -, o que se deve considerar é que - dentro dos limites possíveis, e fiéis à noção de que o mais pode perceber o menos (estamos no terreno da alma, não nos esqueçamos...) -, um nível vibratório mais acelerado possibilite a apreensão de níveis vibratórios inferiores, assim como os Espíritos superiores percebem os Espíritos que lhes são inferiores, sem que estes percebam aqueles, desde que haja considerável diferença evolutiva. Assim, o ser em píncaros de caminhada tem acesso a inúmeras vidas anteriores, patrimônio exclusivo da memória profunda. E compreendamos, aqui, essas inúmeras vidas abarcando um acervo de informações que somente o estado de grande elevação da criatura pode autorizar, sem prejuízo para a sua integridade psicológica, com todas as suas repercussões.

            Assim nos leva a compreender o tema perispírito a firme e lúcida inteligência de Gabriel Delanne. Que a Ciência o desconheça, ou que faça por desconhecê-lo, não importa!.. É compreensível.

            "Nada obstante, a verdade acabará por sair da toca. Assim como o magnetismo acabou, mascarado, forçando a porta das Academias, assim também o Espiritismo acabará recebendo, com um pseudônimo arrevesado, a consagração oficial. E nós veremos, então, a turba dos imitadores atirar-se aos fenômenos, a qualificarem-nos como novidades; veremos inúmeros pseudo sábios vangloriarem-se de redescobrir o que já sabemos há mais de 50 anos." ("A Evolução Anímica" - Edição de 1976, FEB, pág, 170. A 1ª edição dessa obra foi lançada na França, em 1895, há, portanto, 81 anos.)

            Cabe-nos uma pergunta: - Profecia?..

*

            Em termos de ciência, de ciência dita profana, Delanne viveu no século XIX, e é óbvio que só poderia ater-se às descobertas de seu século. Não nos esqueçamos, porém, de que tudo o que o Espiritismo admitiu e provou, já no século XIX, começa, começa apenas, a ser entrevisto pela ciência oficial de nossos dias. Logo, ultrapassados estão, talvez, os exemplos de Delanne, além de uma ou outra teoria, comprovadamente superada. Nada, contudo, está derrubado, em termos de Revelação Espírita.

            A efluviografia, hoje consagrada pela máquina Kirlian, com maior perfeição, é certo, já não é novidade. Sabemos perfeitamente que o Dr. Paul Joire, no século passado, criou máquina semelhante. O próprio Delanne inventou diversos dispositivos para eliminar a influência calorífica na obtenção de fotografias da auréola vital (termo empregado por René Sudre, ferrenho adversário das afirmações do Espiritismo). Tais fotos são encontráveis na monumental obra em dois volumes "Les Apparitions Materialisées des Vivants et des Morts", não traduzida para o português, e que contém outras fotos, revelando presenças astrais tanto de "mortos" como de "vivos", ao lado de entes queridos.

            Outra preocupação constante de Gabriel Delanne (e muito justa, aliás) foi a concernente à diferenciação entre o fenômeno anímico e o fenômeno mediúnico
propriamente dito. Se lhe faltaram alguns outros elementos para enxergar em alguns dos fatos anímicos a mescla da origem mediúnica (é o caso da histeria), nada se escreveu, até a presente data, que fosse superior, em qualidade, ao que disse Delanne. É preciso, a par disso, compreender que, na época da Codificação, e na imediata, o cuidado dos sábios que se dedicavam ao estudo dos fenômenos espíritas devia ser multiplicado por 100. Era necessário que fossem estabelecidas fronteiras que impedissem as falsas interpretações, que haveriam prejudicado o estabelecimento da Doutrina Espírita entre nós. Sem a prudência, que lhe era característica, Kardec não teria sido o Codificador. A prudência de Delanne foi a responsável pela alcunha que se lhe atribuiu de gigante do Espiritismo cientifico.

            Por exemplo, ensaiou e publicou uma lista de distinções entre os fenômenos ditos de histeria e os do médium, propriamente dito. Mas, não nos parece, a nós, ao menos, que em qualquer momento tenha Gabriel Delanne admitido que o histérico não fosse um médium de possibilidades arruinadas para o bom desempenho da faculdade. Não o disse nem o deixou de dizer: há conclusões a que nós devemos chegar, por esforço próprio. Salientou, entretanto, que a faculdade mediúnica (e já o dissera Kardec, que lhe foi, indefectivelmente, o mestre) é uma predisposição orgânica; e que raramente se exerce quando o médium se encontra doente. Neste ponto, o de que se pode discordar é que o histérico pode ser (e geralmente o é) um doente psíquico, sem que o seja físico; ou melhor, que os males físicos que apresente sejam originários do estado de desorganização mental em que se acha imerso. Certo; correto: o médium obsidiado apresenta sinais que a psiquiatria pode classificar como histeria ou até como loucura. Mas, a loucura essencial permanece sem explicação, para a ciência que põe de lado a existência da alma, com todas as suas repercussões.

            De qualquer modo, se não é exata a diferenciação proposta por Delanne, neste particular, ela serviu a que inúmeros histéricos e médiuns obsidiados fossem afastados do exercício de uma faculdade que, a eles, apenas levava consequências funestas. Aliás, só como lembrete, continua a ser o melhor método de combate às obsessões e aos fenômenos histéricos que não tenham por base a atuação espiritual o afastamento do passivo onde este esteja a exercer ou a desenvolver a faculdade, exista ela, no primeiro caso, ou não exista, no segundo. Será bom recordar, também, que o fenômeno mediúnico autêntico vem investido de um brilhantismo inconfundível, quer se trate da doutrinação de um obsessor, quer se trate da comunicação de um mentor espiritual, quer se trate de uma poesia, ou seja o caso de página psicográfica de caráter moral, filosófico, científico ou literário. Nunca será demais a tomada em consideração de alguns cuidados, que - se não mais autorizam sejam os médiuns submetidos a verdadeiros vexames -, não dispensa o critério da análise, nos padrões da caridade, no tocante ao material que nos seja apresentado.

            Não nos furtaremos a transcrever a série de diferenças apontadas por Delanne entre os histéricos e os médiuns, com as ressalvas que já apresentamos, material esse que se encontra na opulenta obra, não traduzida para o português, "Recherches sur Ia Mediumnité". Ei-Ia:

            Nos HISTÉRICOS:

1º) A saúde geral encontre-se gravemente perturbada, e as anestesias profundas, que alcançam um ou vários sentidos, determinam lacunas na vida mental, perda completa de certas recordações e grande redução no campo da consciência;

2º) Os fenômenos subconscientes não se desenvolvem sob a forma da escrita, senão após uma educação bastante prolongada (Delanne refere-se ao surgimento da faculdade, e não à imposição da disciplina do sujet);

3º) Só se obtêm esses fenômenos sob a influência de sugestões tácteis ou verbais, efetuada durante o estado de um certo alheamento, que é contínuo;

4º) A escrita automática não pode ser sugerida por qualquer pessoa. Só se produz no estado de relacionamento ou afinidade, e se é o 'magnetizador habitual quem comanda a sugestão;

5º) A escrita nada relata além de fatos conhecidos pelo sujet, e seu conteúdo não é sensivelmente superior à sua capacidade intelectual (isso não é absolutamente necessário para que se caracterize o fenômeno mediúnico. O brilhantismo a que nos referimos mais acima não é de teor intelectual, mas de impregnação vibratória sensível, que trai, realmente, a presença de um desencarnado junto ao médium. Se a manifestação através de médium positivo é inegável, inegáveis são também, forçoso será se conclua, as características do Espírito comunicante. Se não se trata de entidade intelectualmente superior, como se poderá exigir comunicações assim elaboradas? Quanto aos fatos conhecidos, é sabido que os Espíritos nos acompanham, e, durante as manifestações, podem, perfeitamente, fazer alusão ao que se passa conosco, fora do estado de transe).

6º) Jamais sabe o histérico o que escreveu. É uma operação involuntária e inconsciente. (Convém recordar que, se a psicografia for mecânica, o médium não saberá o que escreveu, embora mantenha a consciência de que escreveu algo. Na psicofonia sonambúlica, raramente o médium se recorda da comunicação, embora saibamos que a inconsciência é posterior ao fato, e não concomitante, mesmo porque o médium sonambúlico encontra-se desdobrado, ao lado do veículo físico, e até muito mais consciente do que os médiuns intuitivos.)

7º) Finalmente, jamais se conseguiu obter esses fenômenos com os homens (sinceramente, não entendemos integralmente a observação. Aludirá Delanne à teoria de que a histeria só paira sobre os elementos do sexo feminino?)

Nos Médiuns:

1º) A saúde é normal. Geralmente não se constata qualquer anestesia ou perda da memória; a inteligência não é alcançada sob qualquer forma e a faculdade cessa durante a enfermidade, exatamente o contrário do que se verifica com os histéricos; (consultem-se às observações anteriores. O próprio Delanne cita, em rodapé, que nem a Sra. Piper, nem Stainton Moses, nem Mme. D'Espérance, Slade ou Home obtém qualquer fenômeno durante os períodos de enfermidade).

2º) e 3º) Os fenômenos da escrita produzem-se espontaneamente e sem sugestões verbais ou tácteis (Esse é um argumento irrespondível. A verdadeira mediunidade manifesta-se sem que haja necessidade das afamadas sessões de desenvolvimento; a intromissão da mente do médium, se bem sempre ocorra, não pode suplantar a interferência alienígena, que é a verdadeira característica da mediunidade. Em recente e primoroso livro de Chico Xavier, publicado pelo GEEM, de São Bernardo do Campo, São Paulo, colhe-se da terceira mensagem, da série de 5, ditada por Jair Presente, esta notável consideração que, cremos, resume o problema:

            - "A gente aproxima do médium e quer falar, e aí temos de guentar (sic) o assunto, porque só falamos em dupla; o médium quando não tem muito exercício nos passa pra trás e fala na frente.")

4º) Não existe, de um modo geral, qualquer influência eletiva de parte dos assistentes, nem qualquer necessidade de uma relação ou afinidade magnética de qualquer natureza (Delanne está certo: o feito mediúnico, a rigor, prescinde de tudo isso. Há que considerar, todavia, que, como humano, o médium posto em prova agressivamente poderá sofrer - e, com certeza, sofrerá -- os prejuízos da inibição).

5º) O médium sabe que escreve, seu movimento é involuntário, mas consciente;

6º) Obtêm-se,. indiferentemente, mensagens através de elementos do sexo masculino ou feminino (...). (Consulte-se a nota ao 7º parágrafo, atinente às características dos histéricos. A se levar em consideração o conteúdo do item 6º da listagem referente aos médiuns, dever-se-á concluir que o fenômeno mediúnico é, no homem, mais seguro? A prática parece desmentir essa possibilidade.)

7º) Os médiuns dão, por meio da escrita, e frequentemente, notícias que lhes são desconhecidas, tanto quanto dos assistentes, e que, depois, se verificam exatas. (Indiscutível. A série de identificações que os médiuns positivos podem trazer, e que desafiam qualquer argúcia de pesquisador, não mais nos deixam quaisquer dúvidas.)

            Em adição, repetiríamos que se trata - o que ficou acima - de mero esquema, em nada definitivo, e que só pode ser interpretado à maneira de um eletrocardiograma, ou de um eletroencefalograma, em cujos traçados as anomalias apresentadas nem sempre são indicadoras de grave moléstia. O espírito de análise do leitor atento saberá considerar prós e contras. Em momento algum, no entanto, poderemos dizer que Delanne foi rigorista, pois que era esta uma das características visceralmente contrárias a seu poder de observação.

*

            Passando de um polo a outro, após breve análise de alguns aspectos do pensamento delaneano, geralmente esquecido, onde podemos sentir-lhe a exposição precisa e profunda, levando-nos a um universo de considerações, dentro dos parâmetros doutrinários, voltemo-nos para "flashes" do Delanne preocupado com o movimento espírita, com o desenvolvimento das atividades espíritas que, em sua abalizada e correta opinião, dever-se-iam pautar pelos conceitos genéricos emitidos pelo excelente Codificador, de cuja linha de pensamento não se afastou um minuto que fosse (Delanne é daqueles nitidamente engajados na equipe de Kardec).

            Seu artigo de estreia, conforme o definiu Sylvio Brito Soares, data de 1883, passando, desde então, a colaborar constante e ininterruptamente com a difusão dos princípios contidos em "O Livro dos Espíritos" e "O Livro dos Médiuns", conforme faz prova o prefácio da "História das Aparições de Katie King". Fundou, em 1897, a "Revue Scientifique et Morale du Spiritisme", que desempenhou um papel de baluarte na divulgação doutrinária.

            A preocupação de seu diretor com o Espiritismo no mundo tocava as raias da concessão, no bom sentido. Jamais se negou a permitir a transcrição e tradução de seus artigos ou livros, mas sempre foi um apologista por excelência dos direitos de todos e de cada um. Fotoreproduzimos, traduzimos e transcrevemos, a seguir, para o espírito fino do leitor, a carta-resposta de Delanne à "Revista Internacional do Espiritismo", nos tempos de Caírbar Schutel. Data de 20 de janeiro de 1925, da capital francesa:

            "Sr. e estimado Confrade,

            Acuso a recepção de vossa missiva, datada de 28 de dezembro p.p., do mesmo modo que a assinatura de minha Revue. Sinto-me feliz em tomar conhecimento de que o Brasil conta, agora, com mais um defensor de nossa cara doutrina. Fico muito satisfeito de verificar que o Espiritismo, no Brasil, desenvolve-se consideravelmente, e quero alimentar esperanças de que, graças a vós, sua ação moralizadora disseminar-se-á mais e mais, para maior bem-estar vossa respeitável nação. Quer isso dizer que vos autorizo, de modo pleno, a reprodução de todos os artigos de minha Revue que vos pareçam de utilidade ao conhecimento de vossos compatriotas.
            Que vos assistam os caros Espíritos que dirigem vosso movimento, a fim de que a Revista Internacional do Espiritismo tenha uma vida longa e uma carreira brilhante!
            Aceitai, meu caro confrade, a certeza de toda a minha fraternal simpatia.

                                                                                                                                 G. Delanne"

            O testemunho da alma boníssima de Delanne, além da visão a distância que possuía, e que lhe dava a certeza de que o Espiritismo somente sobreviveria se estribado em Kardec, naturalmente não o abandonou à beira da sepultura. A 20 de agosto de 1965, André Luiz formulou 20 questões a Gabriel Delanne (ambos Espíritos), "um dos mais destacados continuadores de Allan Kardec", na opinião do próprio entrevistador. Reproduzimos seis perguntas, como fecho deste trabalho, as quais nos parecem mais expressivas:

            1) Admite que os princípios espíritas estão caminhando lentamente no mundo?
            R - Não penso assim... As atividades espíritas contam  pouco mais de um século e um século é período demasiado curto em assuntos do espírito.

            2) Muitos amigos na Terra são de parecer que os Mensageiros da Espiritualidade Superior deveriam patrocinar mais amplas manifestações da mediunidade de efeitos físicos para benefício dos homens, como sejam materializações e vozes diretas. Que pensa a respeito?
            R - Creio que a mediunidade de efeitos físicos serve à convicção mas não adianta ao serviço indispensável da renovação espiritual. Os Espíritos Superiores agem acertadamente em lhe podando os surtos e as motivações, para que os homens, nossos irmãos, despertem à luz da Doutrina Espírita, entregando a consciência ao esforço do aprimoramento moral.
           
            3) Conquanto tenha essa opinião, julga que o Espiritismo precisa atender ao incremento e melhoria da mediunidade?
            R - Não teríamos o Evangelho sem Jesus-Cristo e não teríamos Jesus-Cristo sem o socorro aos sofredores pelos processos medi únicos que lhe caracterizaram a presença na Terra.

            4) Para que região devemos nós, a seu ver, conduzir a pesquisa científica na Terra, de vez que a conquista da paisagem material de outros planetas não adiantará muito ao progresso moral das criaturas?
            R - Devemos estimular os estudos em torno da matéria e da reencarnação, analisar o reino maravilhoso da mente e situar no exercício da mediunidade as obras da fraternidade, da orientação, do consolo e do alívio às múltiplas enfermidades das criaturas terrestres...     .

            5) Onde os percalços maiores para a expansão da Doutrina Espírita?
            R - Em nossa opinião, os maiores embaraços para o Espiritismo procedem da atuação daqueles que reencarnam, prometendo servi-lo, seja através da mediunidade direta ou da mediunidade indireta, no campo da inspiração e da inteligência, e se transviam nas seduções da esfera física, convertendo-se em médiuns autênticos das regiões inferiores, de vez que não negam as verdades do Espiritismo, mas estão prontos a ridicularizá-las, através de escritos sarcásticos ou da arte histriônica, junto dos quais encontramos as demonstrações fenomênicas improdutivas, as histórias fantásticas, o anedotário deprimente e os filmes de terror.

            6) Como vê semelhantes deformações?
            R - Os milhões de Espíritos inferiores que cercam a Humanidade possuem seus médiuns. Impossível negar isso. (Perguntas inseridas na obra "Entre Irmãos de Outras Terras", psicografia de Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira," 2ª ed. FEB, 1967)

*

            Não se trata de mera entrevista, onde um Espírito tão conhecido, como André Luiz, apresenta-nos, com espetaculosidade, um dos fundadores, por assim dizer, da filosofia que abraçamos. A palavra de Gabriel Delanne (Espírito) é, nitidamente, a continuação de um modus vivendi equilibrado e nivelado pelo bom senso sem pedantismo, sem imposições de caráter medíocre e mesquinho: convém que o vejamos, e, de resto, a todos os demais trabalhadores junto a Kardec, diretamente, como Espíritos, tão-somente, esquecendo os enganos porventura cometidos, inerentes à condição de humanidade terrena.

            Das faixas espirituais em que habita, e que, obviamente, não se confundem com as grutas onde escondemos nosso profundo acabrunhamento, porque estamos conscientes de nossos enganos, possa Gabriel Delanne inspirar-nos que "...esperança é sinônimo de paciência, estudando e servindo sempre, na certeza de que, se a eternidade é a nossa divina herança, cada dia é um tesouro de recursos infinitos que não podemos desprezar." (Obra citada) 


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