Gabriel Delanne: A arte
de escrever em contraponto (1)
Cinquentenário de Desencarnação
Gilberto Campista Guarino
Reformador (FEB) Fevereiro 1976
(1) Contraponto - diz-se, em música, da arte de combinar
melodia com melodia,
fazendo com que uma
penetre a outra. Exige grande conhecimento técnico,
uma vez que se desenvolve
na base de nota contra nota, sem que seja a harmonia abalada.
A característica básica da
escola polifônica, e desafia o gênio
musical, porque limita,
de um certo modo, as
harmonias que comporão o corpo musical.
Na música, seu mais
extremado gênio foi o maior dentre os maiores:
Johann Sebastian Bach.
A comparação da escrita
musical contrapontistica com Gabriel Delanne
foi aventada por questões
de método. O contraponto, na música,
e se bem empregado, traz
diversas vozes dentro de um conjunto harmônico,
de forma que se tem a
nítida impressão de um diálogo imenso,
organizado e propositado;
que irá desembocar num fim especifico, após um stretto,
que é o surgimento de
todas as vozes, a um só tempo.
Gabriel Delanne adquiriu,
em vivências passadas, por certo,
a propriedade de escrever
assunto por assunto, colocando-os um em frente do outro,
numa espécie de desafio, a
fim de que eles mesmos se burilassem a si próprios,
e apresentassem a solução,
num só contexto harmônico.
As restrições que esse
método impõe,
só as vence quem tenha a
inata propriedade de construir, para o alto.
Assim como Sebastian Bach
foi o arquiteto do teclado,
Delanne bem pode ser
classificado, dentro dessa ordem de ideias,
como arquiteto do Espiritismo Científico,
concomitantemente
desenvolvido por William Crookes.
15
de fevereiro de 1926. Em plena maturidade, a mente ordenada de Gabriel Delanne
ainda cogita de mais um livro a ser passado para o papel. "A
Exteriorização do Pensamento", artigo de sua prodigiosa lavra, já fora
entregue à redação da "Revue Spirite", por essa época sob a direção de Jean Meyer,
criador do "Instituto Metapsíquico Internacional" e da "União
Espírita Francesa". Não o veria publicado, senão da grande nação dos
Espíritos. Não materializaria no papel de redação, que tantas vezes lhe fora
repositório das ideias com que, por assim dizer, fundara o Espiritismo
Científico, a saudação a todos os espíritas franceses, a qual seria publicada
no "Bulletin" da aludida "Union".
O
filho do comerciante Alexandre Delanne e da Sra Alexandrine Delanne, menino
esse que, mais tarde, em plena virilidade, se consorciaria com Suzanne Rabotin,
que lhe sobreviveu o trespasse, já havia partido, quando a "Revue" -
desde 1913, "La Revue" - circulou.
O
berço nitidamente espírita (não nos esqueçamos que que Mme. Delanne, sua mãe,
era médium de fortes recursos, e de que seu pai era amigo de Allan Kardec,
ambos, Alexandrine e Alexandre, aceitando plenamente os princípios sobre os
quais se embasa a Doutrina Espírita, consubstanciou-lhe a fé imorredoura, que o
preservou das exagerações frequentemente ocorridas no terreno da investigação
fenomênica, em especial numa época em que a qualificação de espírita valia por um verdadeiro
desafio e um acinte à moral dita superior da sociedade. Não tracejemos a biografia
de Gabriel Delanne. Tarefa que demanda tempo e muitas laudas de papel, deve
permanecer para oportunidade futura. Observemos, isto sim, por agora, aspectos
pouco considerados da mentalidade delaneana, como sejam, suas ideias, seus
métodos, sua visão praticamente futurista do Espiritismo, que nunca alienou de
seus propósitos a maturação dos conceitos evangélicos que lhe salvaguardam a
integridade entre os homens
Um
dos temas que sempre preocuparam vivamente o nosso personagem, engenheiro de
sólida formação, foi o perispírito,
que sabemos ser base de todo o fenômeno mediúnico, assim como de todo o
fenômeno anímico; o perispírito, sem o qual nada se explica, em termos de
psiquismo, e cuja não assimilação e internalização por parte da Ciência vem a
ser a causa da ignorância em que ela permanece, no campo da alma.
Definiu-o
de modos diversíssimos, um dos quais, entretanto, nos parece tão preciso e tão
seguro que não nos furtamos a transcrevê-lo: "estatuto das leis que regem a evolução orgânica". O
perispírito é um gigantesco livro, um notável arquivo, no qual se contêm todas
as peripécias que nos sejam peculiares, em descrição viva, sem fantasias,
exatas, e que hoje podem ser evocadas, até certo ponto, pelo fenômeno da
chamada regressão de memória, na qual, em determinado grau, o Espírito
desprendido alcança a fonte das reminiscências de etapas pregressas de nossa
vida como Espírito Imortal.
O
emprego do adjetivo ‘orgânica’
mostra o quão ampla era a mente de Delanne, porque o entendimento de organismo, já naqueles tempos, dentro
dos estudos espíritas, implicava o que hoje se apelidou de corpo somático (o corpo
físico) e corpo psicossomático (que sabemos ser o perispírito, pelos gregos
chamado eidolon). Assim, já encarava Delanne a evolução, embora única,
sob um aspecto nitidamente duplo, no qual, todavia, o norte era dado pelo
perispírito, síntese, por assim dizer, das aptidões e das perspectivas do ser-espírito.
Não o diferençou, propriamente, no animal irracional e no homem, mas o detectou,
inegavelmente, em ambos, evidenciando-lhe o mesmo papel de bússola evolutiva, e
vinculando-o à célebre ideia diretriz,
que Claude Bernard estabelecera, num passo gigantesco para as concepções de
então.
Assim
define o grande fisiologista essa ideia norteadora da própria vida, em sua
própria opinião, alheia - no que de mais transcendental envergue - à física ou
à química, como as entendem os homens (por exemplo, o caso da memória, que se
tenta reduzir aos limites somáticos, encarcerada em reações químicas):
"0 que
diz essencialmente com o domínio da vida e não pertence à química, nem à
física, nem ao que mais possamos imaginar, é a ideia diretriz dessa atuação
vital. Em todo o germe vivo há uma ideia dirigente, a manifestar-se e a
desenvolver-se na sua organização. Depois, no curso de toda a sua vida, o ser
permanece sob a influência dessa força criadora, até que morre quando ela não
mais se pode efetivar. É sempre o mesmo principio de conservação do ser, que
lhe reconstitui as partes vivas, desorganizadas pelo exercício, por acidentes
ou enfermidades." (Claude Bernard: "Introduction à Ia
Médecine")
Adequadíssima
a ideia de Claude Bernard às assertivas dos pesquisadores espíritas, e que,
hoje, dia após dia, vêm sendo comprovadas. Disse, intuitivamente, o notável
fisiologista que o ser permanece sob
a influência
dessa força criadora, o que, à
primeira vista, poderia parecer um engano, uma vez que o
perispírito é a própria criatura em si, é inalienável, acompanha-a por toda a
sua marcha evolutiva, transformando-se, a pouco e pouco, em substância
translúcida, invisível, nos Espíritos assaz superiores, aos nossos sentidos
grosseiros. Se assim compreendêssemos a força criadora, de Bernard, estaríamos
incursos em contra senso. Acontece que Delanne diferençou, nitidamente, aliás, perispírito de força vital. Esta seria o elemento através do qual o perispírito
gera o modelo condensado de nosso corpo, faz com que ele se desenvolva,
influencia-o e repara-o nos danos que venha a sofrer. Dentro desse esquema,
Gabriel Delanne classifica a força vital (que bem poderia identificar-se com o fluido universal, que, hoje, conhecemos
por energia) como substância
organizadora, mantenedora e reparadora, segundo o molde em si, que a
dirige. A própria composição do perispírito, na linguagem da época, faz-se com
base em fluido magnético, eletricidade e
demais modificações do fluido universal, ou energia. E é o próprio Delanne quem tudo enfeixa, nos
seguintes termos:
"Estabelecemos
de princípio, por experimentações espiríticas, que os Espíritos conservavam a
força humana e isto não só por se apresentarem tipicamente assim, como também porque o perispírito encerra
todo um organismo fluídico-modelo, pelo
qual a matéria se há de organizar, no condicionamento do corpo físico."
Quer
isso dizer que o próprio psicossoma guarda em si um organismo fluídico-modelo,
que é X em cada etapa evolutiva, podendo ser Xl, X2, X3, in fine, em
séries determinadas, ao fim das quais o automatismo se garanta através da
aquisição de valores inderrogáveis em nossa constituição mais íntima. E,
ainda, para que bem firme permaneça em nossa inteligência, destacado ficou que
a matéria se organiza segundo esse modelo, exteriorizado na própria força
vital. GabrieI Delanne, portanto, fala em perispírito como agente em relação
aos desígnios do Eu; em força vital
como paciente, em relação ao
perispírito, e, agente, para o corpo
físico.
De
tudo o que ficou dito, se vimos o papel fisiológico
do corpo espiritual, depreendemos
que há de verificar-se um papel psicológico em relação a esse mesmo corpo, uma
vez que, comprovadamente, o corpo padece mutações violentas, no transcurso da
vida, para, em seguida, extinguir-se, e qualquer sujet de experimentações em regressão de memória pode constatar,
anteriormente à vida fetal, a vida do
Espírito em erraticidade; pode mergulhar em ‘n’ ciclos vividos, sob
sua vontade aliada à do experimentador.
Psicologicamente,
parece-nos que seria impossível o reconhecimento da criatura como criatura se
as fibras perispirituais não estivessem previamente condicionadas à noção de
uma continuidade, e se o homem não detivesse, intimamente, a certeza de que a
vida, como a vemos, não passa de uma etapa. Psique
é alma, e alma não sofre soluções de continuidade. Aberra do sentimento inato
da própria deidade a vontade, por exemplo, condicionada à extinção; o
raciocínio vinculado à diluição, e assim por diante. O papel psicológico do
perispírito é radicalmente oposto às noções invertidas da psicologia sem alma.
A própria memória, no que fuja aos
condicionamentos cerebrais, como tudo o que se afaste dos componentes
hereditários (que respondem por necessidades do Espírito, não nos esqueçamos),
embora as teorias do metaeterismo e
do meio ambiente, permanecem no domínio da alma, porque mesmo essas correntes
estão invariavelmente condicionadas à existência de personalidades, as quais
nada mais são que manifestações da individualidade. É nesse sentido que Gabriel
Delanne definiu o perispírito como fonógrafo natural, que registra sensações e
as reproduz, retirando-as do próprio arquivo, e ordenando-as de forma a que os
acidentes e incidentes de nossa caminhada não nos apanhem sem um paradigma em
que, nos apoiemos e em que nos identifiquemos.
O
ato inteligente do homem, ato programado, deliberado, consciente, e o ato
instintivo, condicionado, disparado por mecanismo automatizado, ambos só se
desenrolam segundo as características da série em que respondam, e não
existiriam, caso não existisse a coordenação perispiritual, responsável, em
todos os níveis, pelas manifestações da vida. Comparemos, finalmente, o
perispírito a um gravador. Os
aparelhos que nossa eletrônica vem inventando possuem, em geral, três ou quatro
velocidades. Cada rolo de fita vem codificado numa forma X ou Y, de modo que deve
ser reproduzida na velocidade correspondente à velocidade de codificação: o que
se contenha na fita será descodificado e retransportado ao código em que exista na
natureza. Mais ou menos o mesmo é o mecanismo da memória, em termos de
reconhecimento, ou seja, filosoficamente falando. A forma de código natural se
imprime na fita que o perispírito representa, numa velocidade determinada (a
velocidade de gravação pode variar ao infinito, e é determinada pelo teor
emocional de que venha o fato investido), de modo que somente será recordada
quando se alcance a rotação primitiva, idêntica, portanto. Mas, assim como as
velocidades aproximativas dos gravadores que conhecemos produzem feitos
aproximativos, em fidelidade, ao feito natural, também as associações mentais
podem levar a reminiscências aproximativas ou a rotações idênticas no gravador
perispiritual, de modo a que reviva sem erros o fato lembrado. Esse o mecanismo
da memória: se a vibração é acelerada num dado estado, este não será percebido
quando vibremos em estado diverso, numa velocidade mais lenta, senão, e quando
muito, aproximativamente. Já em termos de aceleração da velocidade - e porque
os funcionamentos perispirituais são muito mais complexos que os do gravador
comum -, o que se deve considerar é que - dentro dos limites possíveis, e fiéis
à noção de que o mais pode perceber o
menos (estamos no terreno da alma, não nos esqueçamos...) -, um nível
vibratório mais acelerado possibilite a apreensão de níveis vibratórios
inferiores, assim como os Espíritos superiores percebem os Espíritos que lhes
são inferiores, sem que estes percebam aqueles, desde que haja considerável
diferença evolutiva. Assim, o ser em píncaros de caminhada tem acesso a
inúmeras vidas anteriores, patrimônio exclusivo da memória profunda. E
compreendamos, aqui, essas inúmeras vidas abarcando um acervo de informações
que somente o estado de grande elevação da criatura pode autorizar, sem
prejuízo para a sua integridade psicológica, com todas as suas repercussões.
Assim
nos leva a compreender o tema perispírito
a firme e lúcida inteligência de Gabriel Delanne. Que a Ciência o desconheça,
ou que faça por desconhecê-lo, não importa!.. É compreensível.
"Nada obstante, a verdade acabará por
sair da toca. Assim como o magnetismo acabou, mascarado, forçando a porta das
Academias, assim também o Espiritismo acabará recebendo, com um pseudônimo
arrevesado, a consagração oficial. E nós veremos, então, a turba dos imitadores
atirar-se aos fenômenos, a qualificarem-nos como novidades; veremos inúmeros
pseudo sábios vangloriarem-se de redescobrir o que já sabemos há mais de 50
anos." ("A Evolução Anímica" - Edição de 1976, FEB, pág,
170. A 1ª edição dessa obra foi lançada na França, em 1895, há, portanto, 81
anos.)
Cabe-nos
uma pergunta: - Profecia?..
*
Em
termos de ciência, de ciência dita profana, Delanne viveu no século XIX, e é
óbvio que só poderia ater-se às descobertas de seu século. Não nos esqueçamos,
porém, de que tudo o que o Espiritismo admitiu e provou, já no século XIX,
começa, começa apenas, a ser entrevisto pela ciência oficial de nossos dias.
Logo, ultrapassados estão, talvez, os exemplos de Delanne, além de uma ou outra
teoria, comprovadamente superada. Nada, contudo, está derrubado, em termos de
Revelação Espírita.
A
efluviografia, hoje consagrada pela
máquina Kirlian, com maior perfeição, é certo, já não é novidade. Sabemos
perfeitamente que o Dr. Paul Joire, no século passado, criou máquina
semelhante. O próprio Delanne inventou diversos dispositivos para eliminar a
influência calorífica na obtenção de fotografias da auréola vital (termo
empregado por René Sudre, ferrenho adversário das afirmações do Espiritismo).
Tais fotos são encontráveis na monumental obra em dois volumes "Les Apparitions Materialisées des Vivants et
des Morts", não traduzida para o português, e que contém outras fotos,
revelando presenças astrais tanto de "mortos" como de "vivos",
ao lado de entes queridos.
Outra
preocupação constante de Gabriel Delanne (e muito justa, aliás) foi a
concernente à diferenciação entre o fenômeno anímico e o fenômeno mediúnico
propriamente dito. Se lhe faltaram alguns outros
elementos para enxergar em alguns dos fatos anímicos a mescla da origem
mediúnica (é o caso da histeria), nada se escreveu, até a presente data, que
fosse superior, em qualidade, ao que disse Delanne. É preciso, a par disso, compreender que, na época da Codificação,
e na imediata, o cuidado dos sábios que se dedicavam ao estudo dos fenômenos
espíritas devia ser multiplicado por 100. Era necessário que fossem
estabelecidas fronteiras que impedissem as falsas interpretações, que haveriam
prejudicado o estabelecimento da Doutrina Espírita entre nós. Sem a prudência,
que lhe era característica, Kardec não teria sido o Codificador. A prudência de
Delanne foi a responsável pela alcunha que se lhe atribuiu de gigante do Espiritismo cientifico.
Por
exemplo, ensaiou e publicou uma lista de distinções entre os fenômenos ditos de
histeria e os do médium, propriamente dito. Mas, não nos parece, a nós, ao
menos, que em qualquer momento tenha Gabriel Delanne admitido que o histérico
não fosse um médium de possibilidades arruinadas para o bom
desempenho da faculdade. Não o disse nem o deixou de dizer: há conclusões a que
nós devemos chegar, por esforço próprio. Salientou, entretanto, que a faculdade
mediúnica (e já o dissera Kardec, que lhe foi, indefectivelmente, o mestre) é
uma predisposição orgânica; e que raramente se exerce quando o médium se
encontra doente. Neste ponto, o de que se pode discordar é que o histérico pode
ser (e geralmente o é) um doente psíquico, sem que o seja físico; ou melhor,
que os males físicos que apresente sejam originários do estado de
desorganização mental em que se acha imerso. Certo; correto: o médium obsidiado
apresenta sinais que a psiquiatria pode classificar como histeria ou até como loucura. Mas, a loucura essencial permanece sem explicação, para a ciência que põe
de lado a existência da alma, com todas as suas repercussões.
De
qualquer modo, se não é exata a diferenciação proposta por Delanne, neste
particular, ela serviu a que inúmeros histéricos
e médiuns obsidiados fossem
afastados do exercício de uma faculdade que, a eles, apenas levava consequências
funestas. Aliás, só como lembrete, continua a ser o melhor método de combate às
obsessões e aos fenômenos histéricos que não tenham por base a atuação
espiritual o afastamento do passivo onde este esteja a exercer ou a
desenvolver a faculdade, exista ela, no primeiro caso, ou não exista, no
segundo. Será bom recordar, também, que o fenômeno mediúnico autêntico vem
investido de um brilhantismo inconfundível, quer se trate da doutrinação de um obsessor, quer se trate da comunicação de
um mentor espiritual, quer se trate de uma poesia, ou seja o caso de página
psicográfica de caráter moral, filosófico, científico ou literário. Nunca será
demais a tomada em consideração de alguns cuidados, que - se não mais autorizam sejam os médiuns submetidos a
verdadeiros vexames -, não dispensa o critério da análise, nos padrões da
caridade, no tocante ao material que nos seja apresentado.
Não
nos furtaremos a transcrever a série de diferenças apontadas por Delanne entre
os histéricos e os médiuns, com as ressalvas que já apresentamos, material esse
que se encontra na opulenta obra, não traduzida para o português,
"Recherches sur Ia Mediumnité". Ei-Ia:
Nos
HISTÉRICOS:
1º) A
saúde geral encontre-se gravemente perturbada, e as anestesias profundas, que
alcançam um ou vários sentidos, determinam lacunas na vida mental, perda
completa de certas recordações e grande redução no campo da consciência;
2º) Os
fenômenos subconscientes não se desenvolvem sob a forma da escrita, senão após
uma educação bastante prolongada (Delanne refere-se ao surgimento da
faculdade, e não à imposição da disciplina do sujet);
3º) Só se
obtêm esses fenômenos sob a influência de sugestões tácteis ou verbais,
efetuada durante o estado de um certo alheamento, que é contínuo;
4º) A
escrita automática não pode ser sugerida por qualquer pessoa. Só se produz no
estado de relacionamento ou afinidade, e se é o 'magnetizador habitual quem
comanda a sugestão;
5º) A
escrita nada relata além de fatos conhecidos pelo sujet, e seu conteúdo não é
sensivelmente superior à sua capacidade intelectual (isso não é
absolutamente necessário para que se caracterize o fenômeno mediúnico. O
brilhantismo a que nos referimos mais acima não é de teor intelectual, mas de
impregnação vibratória sensível, que trai, realmente, a presença de um
desencarnado junto ao médium. Se a manifestação através de médium positivo é
inegável, inegáveis são também, forçoso será se conclua, as características do
Espírito comunicante. Se não se trata de entidade intelectualmente superior,
como se poderá exigir comunicações assim elaboradas? Quanto aos fatos
conhecidos, é sabido que os Espíritos nos acompanham, e, durante as
manifestações, podem, perfeitamente, fazer alusão ao que se passa conosco, fora
do estado de transe).
6º) Jamais
sabe o histérico o que escreveu. É uma operação involuntária e inconsciente.
(Convém recordar que, se a psicografia for mecânica, o médium não saberá o que
escreveu, embora mantenha a consciência de que escreveu algo. Na psicofonia sonambúlica, raramente o médium se
recorda da comunicação, embora saibamos que a inconsciência é posterior ao
fato, e não concomitante, mesmo porque o médium sonambúlico encontra-se
desdobrado, ao lado do veículo físico, e até muito mais consciente do que os
médiuns intuitivos.)
7º) Finalmente,
jamais se conseguiu obter esses fenômenos com os homens (sinceramente, não
entendemos integralmente a observação. Aludirá Delanne à teoria de que a
histeria só paira sobre os elementos do sexo feminino?)
Nos Médiuns:
1º) A
saúde é normal. Geralmente não se constata qualquer anestesia ou perda da
memória; a inteligência não é alcançada sob qualquer forma e a faculdade cessa
durante a enfermidade, exatamente o contrário do que se verifica com os
histéricos; (consultem-se às observações anteriores. O próprio Delanne
cita, em rodapé, que nem a Sra. Piper, nem Stainton Moses, nem Mme.
D'Espérance, Slade ou Home obtém qualquer fenômeno durante os períodos de
enfermidade).
2º) e 3º) Os
fenômenos da escrita produzem-se espontaneamente e sem sugestões verbais ou
tácteis (Esse é um argumento irrespondível. A verdadeira mediunidade
manifesta-se sem que haja necessidade das afamadas sessões de desenvolvimento;
a intromissão da mente do médium, se bem sempre ocorra, não pode suplantar a
interferência alienígena, que é a verdadeira característica da mediunidade. Em
recente e primoroso livro de Chico Xavier, publicado pelo GEEM, de São Bernardo
do Campo, São Paulo, colhe-se da terceira mensagem, da série de 5, ditada por
Jair Presente, esta notável consideração que, cremos, resume o problema:
-
"A gente aproxima do médium e quer falar, e aí temos de guentar (sic) o
assunto, porque só falamos em dupla; o
médium quando não tem muito exercício nos passa pra trás e fala na frente.")
4º) Não
existe, de um modo geral, qualquer influência eletiva de parte dos assistentes,
nem qualquer necessidade de uma relação ou afinidade magnética de qualquer
natureza (Delanne está certo: o feito mediúnico, a rigor, prescinde de tudo
isso. Há que considerar, todavia, que, como humano, o médium posto em prova
agressivamente poderá sofrer - e, com certeza, sofrerá -- os prejuízos da
inibição).
5º) O
médium sabe que escreve, seu movimento é involuntário, mas consciente;
6º) Obtêm-se,.
indiferentemente, mensagens através de elementos do sexo masculino ou feminino
(...). (Consulte-se a nota ao 7º parágrafo, atinente às características dos
histéricos. A se levar em consideração o conteúdo do item 6º da listagem referente
aos médiuns, dever-se-á concluir que o fenômeno mediúnico é, no homem, mais
seguro? A prática parece desmentir essa possibilidade.)
7º) Os
médiuns dão, por meio da escrita, e frequentemente, notícias que lhes são
desconhecidas, tanto quanto dos assistentes, e que, depois, se verificam exatas.
(Indiscutível. A série de identificações que os médiuns positivos podem trazer,
e que desafiam qualquer argúcia de pesquisador, não mais nos deixam quaisquer
dúvidas.)
Em
adição, repetiríamos que se trata - o que ficou acima - de mero esquema, em
nada definitivo, e que só pode ser interpretado à maneira de um
eletrocardiograma, ou de um eletroencefalograma, em cujos traçados as anomalias
apresentadas nem sempre são indicadoras de grave moléstia. O espírito de
análise do leitor atento saberá considerar prós e contras. Em momento algum, no
entanto, poderemos dizer que Delanne foi rigorista, pois que era esta uma das
características visceralmente contrárias a seu poder de observação.
*
Passando
de um polo a outro, após breve análise de alguns aspectos do pensamento
delaneano, geralmente esquecido, onde podemos sentir-lhe a exposição precisa e
profunda, levando-nos a um universo de considerações, dentro dos parâmetros
doutrinários, voltemo-nos para "flashes" do Delanne preocupado com o
movimento espírita, com o desenvolvimento das atividades espíritas que, em sua
abalizada e correta opinião, dever-se-iam pautar pelos conceitos genéricos
emitidos pelo excelente Codificador, de cuja linha de pensamento não se afastou
um minuto que fosse (Delanne é daqueles nitidamente engajados na equipe de
Kardec).
Seu
artigo de estreia, conforme o
definiu Sylvio Brito Soares, data de 1883, passando, desde então, a colaborar
constante e ininterruptamente com a difusão dos princípios contidos em "O
Livro dos Espíritos" e "O Livro dos Médiuns", conforme faz prova
o prefácio da "História das Aparições de Katie
King". Fundou, em 1897, a "Revue Scientifique et Morale du
Spiritisme", que desempenhou um papel de baluarte na divulgação
doutrinária.
A
preocupação de seu diretor com o Espiritismo no mundo tocava as raias da
concessão, no bom sentido. Jamais se negou a permitir a transcrição e tradução
de seus artigos ou livros, mas sempre foi um apologista por excelência dos
direitos de todos e de cada um. Fotoreproduzimos, traduzimos e
transcrevemos, a seguir, para o espírito fino do leitor, a carta-resposta de
Delanne à "Revista Internacional do Espiritismo", nos tempos de
Caírbar Schutel. Data de 20 de janeiro de 1925, da capital francesa:
"Sr. e estimado Confrade,
Acuso a recepção de vossa
missiva, datada de 28 de dezembro p.p., do mesmo modo que a assinatura de minha
Revue. Sinto-me feliz em tomar conhecimento de que o Brasil conta, agora, com
mais um defensor de nossa cara doutrina. Fico muito satisfeito de verificar que
o Espiritismo, no Brasil, desenvolve-se consideravelmente, e quero alimentar esperanças de que, graças a vós, sua ação moralizadora disseminar-se-á
mais e mais, para maior bem-estar vossa respeitável nação. Quer isso dizer que vos
autorizo, de modo pleno, a reprodução de todos os artigos de minha Revue que vos
pareçam de utilidade ao conhecimento de vossos compatriotas.
Que vos assistam os
caros Espíritos que dirigem vosso movimento, a fim de que a Revista
Internacional do Espiritismo tenha uma vida longa e uma carreira brilhante!
Aceitai, meu caro
confrade, a certeza de toda a minha fraternal simpatia.
G.
Delanne"
O
testemunho da alma boníssima de Delanne, além da visão a distância que possuía,
e que lhe dava a certeza de que o Espiritismo somente sobreviveria se estribado
em Kardec, naturalmente não o abandonou à beira da sepultura. A 20 de agosto de
1965, André Luiz formulou 20 questões a Gabriel Delanne (ambos Espíritos),
"um dos mais destacados continuadores de Allan Kardec", na opinião
do próprio entrevistador. Reproduzimos seis perguntas, como fecho deste
trabalho, as quais nos parecem mais expressivas:
1)
Admite que os princípios espíritas estão caminhando lentamente no mundo?
R - Não penso assim... As atividades
espíritas contam pouco mais de um século
e um século é período demasiado curto em assuntos do espírito.
2)
Muitos amigos na Terra são de parecer que os Mensageiros da Espiritualidade
Superior deveriam patrocinar mais amplas manifestações da mediunidade de
efeitos físicos para benefício dos homens, como sejam materializações e vozes
diretas. Que pensa a respeito?
R - Creio que a mediunidade de efeitos
físicos serve à convicção mas não adianta ao serviço indispensável da renovação
espiritual. Os Espíritos Superiores agem acertadamente em lhe podando os surtos
e as motivações, para que os homens, nossos irmãos, despertem à luz da Doutrina
Espírita, entregando a consciência ao esforço do aprimoramento moral.
3)
Conquanto tenha essa opinião, julga que o Espiritismo precisa atender ao
incremento e melhoria da mediunidade?
R - Não teríamos o Evangelho sem
Jesus-Cristo e não teríamos Jesus-Cristo sem o socorro aos sofredores pelos
processos medi únicos que lhe caracterizaram a presença na Terra.
4)
Para que região devemos nós, a seu ver, conduzir a pesquisa científica na
Terra, de vez que a conquista da paisagem material de outros planetas não
adiantará muito ao progresso moral das criaturas?
R - Devemos estimular os estudos em torno
da matéria e da reencarnação, analisar o reino maravilhoso da mente e situar no
exercício da mediunidade as obras da fraternidade, da orientação, do consolo e
do alívio às múltiplas enfermidades das criaturas terrestres... .
5)
Onde os percalços maiores para a expansão da Doutrina Espírita?
R - Em nossa opinião, os maiores embaraços
para o Espiritismo procedem da atuação daqueles que reencarnam, prometendo
servi-lo, seja através da mediunidade direta ou da mediunidade indireta, no
campo da inspiração e da inteligência, e se transviam nas seduções da esfera
física, convertendo-se em médiuns autênticos das regiões inferiores, de vez que
não negam as verdades do Espiritismo, mas estão prontos a ridicularizá-las,
através de escritos sarcásticos ou da arte histriônica, junto dos quais
encontramos as demonstrações fenomênicas improdutivas, as histórias
fantásticas, o anedotário deprimente e os filmes de terror.
6)
Como vê semelhantes deformações?
R - Os milhões de Espíritos inferiores que
cercam a Humanidade possuem seus médiuns. Impossível negar isso. (Perguntas
inseridas na obra "Entre Irmãos de Outras Terras", psicografia de
Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira," 2ª ed. FEB, 1967)
*
Não
se trata de mera entrevista, onde um Espírito tão conhecido, como André Luiz,
apresenta-nos, com espetaculosidade, um dos fundadores, por assim dizer, da
filosofia que abraçamos. A palavra de Gabriel Delanne (Espírito) é,
nitidamente, a continuação de um modus vivendi equilibrado e nivelado
pelo bom senso sem pedantismo, sem imposições de caráter medíocre e mesquinho:
convém que o vejamos, e, de resto, a todos os demais trabalhadores junto a
Kardec, diretamente, como Espíritos, tão-somente, esquecendo os enganos
porventura cometidos, inerentes à condição de humanidade terrena.
Das
faixas espirituais em que habita, e que, obviamente, não se confundem com as
grutas onde escondemos nosso profundo acabrunhamento, porque estamos
conscientes de nossos enganos, possa Gabriel Delanne inspirar-nos que "...esperança é sinônimo de paciência,
estudando e servindo sempre, na certeza de que, se a eternidade é a nossa
divina herança, cada dia é um tesouro de recursos infinitos que não podemos
desprezar." (Obra citada)
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