quinta-feira, 14 de março de 2019

O Poder da Bondade



O poder da Bondade – parte 1 de 2
por Sra. Iveta Ribeiro 
Reformador (FEB)  Julho 1925

(Conferência lida na FEB a 24 de Maio de 1925)

            Bendito seja Deus que permite, mais uma vez, possa a sua humilde filha ser a intérprete da Divina Vontade, através das instruções de um dos seus filhos diletos. Bendito seja Jesus que deu forças à sua obscura imperfeita discípula, para transmitir as sugestões do bom amigo do Além. Bendito seja o meu guia espiritual, sob cuja inspiração preciosa tenho lavrado obras que só na essência tem valor, pois que, na forma são por demais rudes, pela deficiência de um cérebro incompetente.

            Benditos sejam vós, meus queridos amigos, pela vossa presença aqui; pela vossa boa vontade em ouvir-me; pelo conforto spiritual que me tendes dado, animando-me nos meus labores. Bendito seja este teto amigo, que agasalha irmãos e congrega almas voltadas para Jesus.

            Mais uma vez me encontro a ocupar a atenção preciosa dos meus irmãos de doutrina, dos meus irmãos do coração. A alegria que sinto por estar em comunhão com almas leais só se perturba pelo receio que tenho de não poder transmitir com justeza as ideais e as sugestões do meu guia. Quando a máquina é imperfeita e perra (emperra), não há operário capaz de com ela fazer obra completa, acabada. Sou essa máquina tosca, que submissa obedece ao impulso do obreiro abençoado, mas que não pode produzir a obra perfeita que ele deseja criar.

            Dessa forma, peço-vos perdão da minha insuficiência mental; da minha imperfeição mecânica; e rogo-vos que busqueis nos vossos corações a benevolência precisa para aceitar o meu esforço, compreendendo, através dele, o espírito real da palavra do meu guia vosso amigo.
***

            Foi o “Poder da Bondade”, o tema escolhido para esta palestra de hoje, tema cuja vastidão é Infinita e que não poderá ser esgotado nunca. Sobre ele bordou o meu inspirador as páginas cuja leitura ides ouvir, páginas singelas e nuas, sem o brilho da forma, que o meu cérebro não lhes pode dar, mas cheias de verdade e de pureza, porque sugeridas, ditadas por um abençoado e abnegado Espírito, aquele sob cuja direção tenho trabalhado.

            Bondade! Excelsa virtude divina que só em partículas penetras no coração da humanidade e que, mesmo em partículas, crias maravilhas e constrói obras de grandiosidades sublimes! Bondade! Raio divino do amor supremo de Deus! Auréola luminosa que ilumina a fronte divinal de Jesus! Bondade! Poesia sagrada que reveste de beleza a negrura triste da vida terrestre! Fonte de todos os consolos, de todas as graças, de todas as luzes que aclaram a alma enegrecidas pelo egoísmo, pela ambição; de todas as bênçãos que refrigeram as almas que sofrem, as almas que choram, as almas que gemem...

            Sob o influxo divino de tua força, oh! Bondade, apagam-se vulcões de amarguras e desesperos; as rochas abrem o seio de pedra fria, para a agasalhar amorosamente os animais e os homens; secam rios de lágrimas doridas, deixando nos seus leitos, não os negros  calhaus sobre que rolava o pranto, mas as flores perfumosas da esperança; serenam tempestades de ódios destruidores e a bonança vem acariciar os desatinos dos furacões indomados; aplacam-se medonhas tormentas e as vagas bravias se transmudam em marulhantes (barulhentas) ondulações, que vão beijar de mansinho, carinhosamente, a praia, cobrindo de brancas espumas rendilhadas os restos dos naufrágios que causaram; extinguem-se fogueiras abrasantes, que tudo tentam devorar em as enroscadas línguas flamejantes, deixando no chão requeimado o tênue manto de cinzas frias, que cobrem misericordiosamente o escombros denegridos; tristes escombros de ilusões desfeitas!..

            Sob a força prodigiosa que de ti dimana, desabrocham flores onde só havia espinhos; sussurram as fontes, a embalar os ninhos órfãos da asa amiga que o caçador abateu; frutificam árvores estéreis, onde não cantavam pássaros, nem zumbiam douradas abelhas; aplanam-se caminhos íngremes e pedregosos, onde os viajores cansados deixam pegadas de sangue e por onde depois caminha sem tropeços: perdem-se ao longe os rugidos medonhos das feras, confundidos com o murmúrio das águas que encobrem abismos sem fundo; iluminam-se noites tenebrosas, que viviam de almas rudes, mudando-se em suaves madrugadas, promissoras da luz radiosa do sol!

            Sob a influência divina do teu supremo poder, as avezinhas implumes a que o tufão desfez o ninho e a que o caçador roubou os pais, encontram de novo outro ninho, outra asa protetora que não as deixa morrer no desamparo, sem um grãozinho que as alimente, sem uma gota d’água que lhes mate a sede...

            O viajor fatigado que chega, cambaleante, ao fim da jornada, com o bornal vazio, as vestes rotas e os pés descalços, encontra, na irradiação abençoada de tua luz, um teto amigo que o abriga das intempéries, uma veste simples que agasalha o seu pobre corpo decrépito, um pedaço de pão que lhe restaura as forças, um leito branco onde esperará a redenção final...  o término do caminho.

            É sobre o poder bendito de tua força, que as gazelas transviadas, perdida na escuridão soturna das florestas, onde feras as espreitam a as desejam, encontram enfim a gruta salvadora que as esconde do temeroso faro, e dormem tranquilas e seguras contra o mal que as perderia...

            É por influência tua que o ceguinho trôpego encontra o guia que o ajuda a palmilhar as estradas, sob a clara luz do sol amigo, mas mergulhado na treva em que vive...

            És tu quem ensina a matar a fome ao mendigo desgraçado que rola pelo mundo, como pedregulho perdido na torrente, sofrendo todas as torturas, todas as desgraças, sem ânimo para reagir contra a dura sorte, até morrer como cão sem dono, desamparado de Tudo, de todos esquecido...

            Foi armado com a tua força que Jesus, o suavíssimo Rabi da Galileia, nos veio redimir do erro, abrir os olhos à luz clara da verdade. E porque subsistiu a doutrina santa de Jesus? Porque Ele não possuía uma partícula da Virtude Sagrada; não trazia em si apenas uma dessas partículas que só reunidas a outras consegue formar um diminuto todo. Nele refulgia todo um raio aquecedor de sua virtude e com esse raio redimiu Ele o mundo!

            Se não fosse a sublime bondade que impregnava todos os atos e palavras do Divino Mestre, seus ensinamentos não criariam as raízes que depois floriram em coroas luminosas de crenças puras, em frutos doces de obras boas!

            É que Jesus, sendo o filho dileto do Senhor, recebeu d'Este, o Supremo Criador de todas as coisas, como dádiva preciosa de sua emanação, a celeste Bondade nele personificada. A seus discípulos transmitiu algumas centelhas divinas que o Iluminara, e nunca mais a Bondade deixou a terra. Para cada dor, criou ela um conforto; para cada crime um perdão; para cada erro, um suave corretivo; para cada infortúnio; uma consolação balsâmica. Espalhou-a o Santo dos Santos pela face do mundo como poeira luminosa; tenue, que vagueia, rodopia no ar e cai de manso sobre todas as coisas, redoirando negruras, rebrilhando em cima de monturos, escondendo chagas vivas... dores linindo (?), estancando lágrimas...

            Passa de quando em quando vendaval infrene, num ponto onde o Pólen da Bondade pousara, e desvairado tenta varre-lo. Passa furioso, desnudando antros, descobrindo charcos! Mas vem de novo o sol de Deus e a poeira dourada volta a tremeluzir no ar claro,  a pairar no espaço e vai novamente cair onde há uma chaga a sangrar ou uma podridão a rescender. E volta tudo a parecer diferente, sob manto tênue das partículas luminosas da mais pura emanação de Deus!

            Nas coisas, como nas almas, as partículas da Bondade aderem mais a umas do que a outras, porque umas as desejam e outras as repelem. Nas almas que as desejam, elas encontram campo pronto a ser fertilizado; plantam ali a divina semente do Bem e vêm brotar as flores puras da verdadeira caridade. Nas que as repudiam, o Mal se implanta, deixando sáfaro o terreno que não aceitou a luminosa semente.

***

            Nos primitivos tempos, quando a Bondade começou a ser ensinada e exemplificada pelo Divino Mestre, poucas, bem poucas, eram as almas que a podiam compreender e desejar, pois a maldade e a desumanidade reinavam soltas pelo mundo afora, alimentadas pela ignorância em que vivia a humanidade, da existência de um Deus todo Amor e Misericórdia. Deuses havia muitos, mas criações de imaginações bárbaras que, para cultua-los, praticavam verdadeiras monstruosidades. Deuses materiais, feitos de bronze, como o terrível Moloch, em cujas entranhas acendiam fornalhas para onde atiravam inocentes crianças vivas como oferenda de crença e respeito. Deuses, representados por grosseiras imagens, sobre as quais se espargia o sangue das virgens imoladas em sua honra; deuses que exigiam, por intermédio dos seus fanáticos sacerdotes, o sacrifício dei seres vivos em troca das graças que lhes imploravam seus fieis!

            No tempo dessas atrozes crenças selvagens e bárbaras, a Bondade não podia descer à terra. Trouxe-a Jesus consigo, quando do azul, da luz eterna, baixou a negrura triste deste mundo de trevas.

            Todos os atos que praticou durante a sua estada entre os humanos foram lições de Bondade. Suas palavras tinham aquela doçura profunda que penetrava no âmago das almas, porque as ungia a verdadeira bondade indo refrescar as chagas ocultas das consciências. Seu meigo olhar era tão enluarado e puro, que aclarava as trevas que ensombravam os corações. É que iluminava o fulgor da Bondade que trouxera do infinito reino de seu Pai!

            Que mais sublimado gesto de Bondade do que o seu, acudindo ao chamamento do pequenino enfermo de Genesaré, quando dizia à pobre mãe chorosa: “Mãe, quero ver Jesus!” E tinham ido servos procurar o milagroso Rabi, o mando de um poderoso senhor, que o solicitava para curar a filha! E tinham sido enviados destacamentos de soldados para levar Jesus a curar um outro poderoso senhor... Bastou, porém, a vozinha débil do desgraçadinho enfermo e a Bondade suprema do Messias o levou até junto da enxerga onde sofria o inocente!  

            Assim, desde essa luminosa época, a Bondade começou a florir na face do mundo, a penetrar nas almas, corrigir os sentimentos maus. Escondeu-se sob diversos nomes... Chamou-se Piedade, Civilização, Progresso, Caridade.

            A Divina Sementeira reverdeceu na aridez do solo escuro. E cresceu..., cresceu...  Deu as primeiras flores, os primeiros frutos, mas não atingiu ainda ao seu pleno desenvolvimento. Por poucos ainda contam os frutos, porque os lavradores da grande seara não são ainda em número suficiente para que eles se produzam em maior abundância, melhores e mais sazonados.

            Já nos nossos dias vemos a grande obra que a Bondade tem construído pela mão da Caridade que Jesus ensinou. Tem vindo num crescendo constante essa harmonia divina de vontade e onde irá parar o mesmo Jesus no-lo deixou entrever´. É assombroso esse crescendo pela multiplicação de gestos e obras que, raros em passadas eras, são hoje quase vulgares.

            Quando Vicente de Paulo andou pelo mundo a socorrer por suas mãos os desgraçados, poucos eram os que se animavam lhe imitar o sagrado mister e só muito mais tarde seu divino ensinamento fio compreendido, multiplicando-se então os que consagravam a vida a socorrer as misérias alheias.

            Mais tarde, quando a rainha Isabel de Portugal, a doce criatura que, às ocultas, trocava os prazeres suntuosos da Corte opulenta pelos suaves encantos de acudir aos pobres, correndo o risco de despertar a ira de seu régio esposo autoritário, já a bondade tinha maior influência sobre os humanos. Que força não infundia ela no coração piedoso da que foi depois chamada Rainha Santa, para que operasse o lindo milagre das moedas que se transformaram em flores!  Foi, decerto, a bondade sublime, que morava em sua alma, quem operou, aos olhos pasmados, do esposo, esse maravilhoso fenômeno!  

            As páginas da história do mundo estilo salpicadas dessas gotas de luz: atos de bondade, que, isoladamente praticados, criavam em torno de quem os praticava uma auréola de santidade, por tão raros se contarem. Nas épocas mais negras, em que a humanidade cometia as maiores atrocidades, havia sempre alguém extraordinário que se destacava pela bondade do seu proceder, em desacordo com os tempos em que vivia. Muitos passaram à posterioridade, incluídos que foram seus nomes no rol dos santos e dos mártires. Estão nesse número como os de grandes santos, os do venerando Vicente de Paulo, o do místico e suave Francisco de Assis, o de Francisco de Paula de tantos outros astros de Bondade, que iluminaram a terra com a divina palavra do Justo ensinada pela bondade imensa que o santificava todos os seus atos.

            A pouco e pouco se foi modificando a generalidade da alma humana, sob o domínio dos sublimes exemplos dados pelos pioneiros da Bondade. Edificaram-se as primeiras casas destinadas a acolher os desgraçados. Construíram-se os primeiros hospitais para os pobres; primeiros asilos para os órfãos, os primeiros albergues para os inválidos. A Bondade, sob a forma bendita da Caridade, ia ensinando lentamente os homens a se amarem uns aos outros. Eles, coitados, ainda muito rudes, misturavam os atos de humanitário amor às nefandas ações com que torturavam seus semelhantes. Em frente de um asilo de crianças abandonadas, não trepidavam em erguer uma fogueira, para queimar um ser humano ou uma forca para estrangular uma criatura de Deus! A par dos hospitais, construíam cárceres tenebrosos, onde se supliciava atrozmente, selvaticamente, desgraçados prisioneiros l Era a eterna luta das trevas contra a luz; o eterno combate do mal contra os surtos do Bem. Lentamente, muito lentamente, porém, a Bondade foi cultivando no coração do homem o sentimento da misericórdia e da piedade. Não podia deixar de ser vagarosa a sua obra, porque muitos eram os espinhos a arrancar, muitos os rochedos a destruir, muitos os obstáculos a -vencer. Mas os alicerces dessa obra eram lançadas profundamente, para terem a capacidade necessária de suportar mais tarde o peso formidável do grande edifício que seria construído para a glória suprema de Deus!

            Mais e mais frequente se foi formando no mundo o advento dos prosélitos da Bondade, surgindo neles em cada canto da terra a espalhar os mais belos, mais comovedores exemplos, os mais profundos e o mais luminoso ensinamento da sagrada doutrina do Amor.

            Nos fastos da história desta terra que Deus nos deu por pátria, nas páginas gloriosas que a nossa raça tem escrito com os seus feitos, uma havia, tão negra e tão triste que empanava o brilho das demais. Nessa pá nefanda se gravara o mais grave dos erros de uma nação que se formava; um erro que impedia o seu prestígio em face do mundo, Era a em que escreveram as leis que permitiam houvesse escravos neste recanto augusto da terra, sob a luz radiosa do sol de Deus.

            Nas que a essa página se seguem, horríveis tragédias se grafaram, atestando a que ponto ali se desconhecia a existência de um Deus todo misericórdia e piedade.  Veio, entretanto, um dia em que a Bondade dominou o coração de uma mulher, aqueceu-o com o calor divino, iluminou- com a claridade doce do seu brilho e nesse coração de mulher nasceu uma aspiração que, a tornaria sagrada aos olhos pasmos do mundo. Era uma princesa gentil que um dia deveria ser imperatriz, Quis o destino que chegasse a ser apenas, por breve tempo, uma imperatriz provisória, uma regente, a substituir o monarca ausente. Essa princesa iluminada não se aproveitou de sua autoridade de governante, nem para deslumbrar o povo com o esplendor de sua corte nem para criar em torno do trono esse ambiente de adulação e terror que costuma cercar os tronos de todos os coroados. Pensou apenas em praticar um ato de tamanha grandeza moral, que jamais ninguém houvera cometido, em realizar o sonho ardentemente acariciado pelo seu coração abençoado. E a sua regia mão, obedecendo tão somente ditames da Bondade da que lhe morava n'alma, assinou a promulgação da mais sábia lei que ainda ilustrou um reinado terreno! Essa princesa bondosa, essa santa mulher que, tendo nas mãos o poder que o cetro dá, fez dele apenas o instrumento de um sublime ato de caridade, chama-se Isabel e ficou sagrada como a Redentora.

            Isabel a Redentora! Que alma! Pela Bondade, se igualou sob o céu da nossa terá? Isabel, a Redentora! A santa que estancou rios de lágrimas, vertidas dos olhos dos cativos, era a perfeita encarnação de um desses Espíritos que aspiram à perfeição, envolvendo-se nos raios luminosos da Bondade salvadora! Foi tão boa e morreu tão triste e esquecida daqueles a quem tudo dera, dando a alegria da liberdade; mas o seu ato magnânimo foi o mais belo exemplo que um mortal podia dar na face da terra. Muito, de certo, subiu para Deus aquela alma impregnada de bondade aquela doce alma caridosa que conquistou a sua coroa de glória, outorgando a paz e a felicidade de milhares de sofredores.

O poder da Bondade – parte 2 de 2
por Sra. Iveta Ribeiro 
Reformador (FEB)  Julho 1925

            Assim, em cada canto da terra foram surgindo vultos, cuja estrutura moral era um foco de ensinamentos proveitosos. Esses Espíritos evoluídos divulgaram cada vez mais as belezas sublimes de que a Bondade se reveste e os frutos de seus exemplos foram aparecendo em maior cópia. A bondade sugeriu um dia a piedosa ideia de socorrerem -se os desgraçados que nos campos de batalha regam com o próprio sangue o duro solo; ensinou o homem a socorrer o seu semelhante, não o deixando mais morrer abandonado como mísero animal estropiado, e desse ensino abençoado nasceu a organização da humanitária instituição que rapidamente se espalhou pelo mundo. A Bondade foi ensinada por Jesus e a todas as suas grandes obras se liga o nome sagrado do Divino Mestre; por isso, essa instituição mundial tomou o sugestivo  
nome de Cruz Vermelha e é hoje tão útil na paz, como na guerra. A Cruz Vermelha... a Cruz de sangue... Cruz que ampara... Cruz que salva!

            A par dessa pujante frutificação da Bondade, outras viu o mundo e agora mesmo, nos dias que correm, os nossos olhos pasmados comtemplam a grandiosidade surpreendente da obra que ele tem construído através dos séculos, em nome de Jesus, mesmo quando esse nome não é sinceramente pronunciado. Por toda parte a criações da Bondade esplendem ao sol, sorriem, florescem, embalsamando a terra com o suave perfume que inebria as almas e embriaga os corações bem formados. Multiplicaram-se prodigiosamente os asilos e os hospitais; as obras de humanitário amor proliferam por todos os cantos, amparando os desgraçados, protegendo os fracos, ensinando os ignorantes, alimentando os famintos e curando os enfermos!    

            Cada dia a Bondade infiltra no cérebro humano novas ideias de caridade, muito embora não tenham francamente a forma de atos de tal natureza. Assim é que, todos os dias, leis novas se promulgam, que enriquecem as nações pela elevação do bem a que visam. Umas vem amparar fracas mulheres que labutam em trabalhos pesados, nas oficinas terríveis, onde, esgotadas as forças, gasta, a saúde, a vida, numa ignorada e inglória luta; outras criam orfanatos e asilos de caráter oficial, mantidos pelas coletividades, para socorrer crianças abandonadas; outra regulamentam as horas de trabalho dos pobres que os ricos exploram sem piedade. Já todas as nações porfiam em procurar a dianteira na decretação dessas leis humanitárias e, se entre as nações há essa preocupação, entre as criaturas ela se apresenta ainda mais sensível. Já é rara a que não sinta em si o desejo mais ou menos sincero de ser boa. Cada um aspira, ou parece aspirar, a poder praticar a caridade, que é a mais perfeita manifestação da Bondade. Raro é o rico de hoje que não liga seu nome a um empreendimento humanitário e nobre.  Muitos ainda são impelidos por vão sentimento de vaidade, fazendo da prática do bem ostensivo uma auréola de prestígio e de grandeza humanos, em torno de suas personalidades. São os bons incipientes, os que não compreenderam ainda os verdadeiros ditames da Bondade e os confundem com as insinuações perdidas da vaidade; mas, em todo caso, não deixam de ter algum mérito, pois sempre concorrem para abrandar desgraças e amparar infortúnios.

            Que importa que muita gente pareça boa, quando apenas tem amor ao seu renome e tudo fazem por merecer louvores, se assim mesmo vão ao encontro das necessidades dos infelizes? Se o ouro, que espalham com o intuito de chamar a atenção do mundo sobre as suas ações, também serve para enxugar lágrimas e suavizar dores, abençoados sejam os seus gestos, apesar de impróprios de verdadeiros cristãos.

            Movidos embora, mais por um sentimento de ostentação, do que de verdadeira bondade, esses ricos vaidosos, que dão esmolas para aparecer e se destacar dos demais, estão bem mais perto da lei de Deus do que os outros, egoístas, que se cercam de pompas e exagerados confortos, sem se lembrarem nunca dos que nada tem, nem pão, nem teto. Esses são os refratários às parcelas luminosas da Bondade, que em vão procuram amenizar a dureza de seus corações marmorizados. Esses são como os terrenos pedregosos, onde as sementes não germinam, ficando sempre áridos, desertos, sem a tenue coloração de um brotinho novo a manchar de verde macio e fresco a secura que revelam, sem poder gozar nunca o frescor balsâmico de uma flor, ainda agreste, pura.

            Felizmente, nos tempos que correm, vai diminuindo o número dessas almas esquivas que fogem aos influxos da Bondade já tão disseminada pelo mundo. Vão escasseando os corações endurecidos, que não consentem lhes penetre no âmago a doçura infinita de um sentimento ungido de Bondade... Bendito seja Deus por essa escassez abençoada!

            Tanto o império da Bondade se vai consolidando sobre a humanidade, que nunca um gesto de malvadez, partido de um rebelde às leis sagradas de Deus, deixa de ser combatido, ou, pelo menos, minorado nos seus efeitos, por uma manifestação contrária, uma manifestação de caridade.         

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