Comunicações
contraditórias
por José Carlos da
Silva Silveira
Reformador
(FEB) Julho 1973
Umas das características mais importantes
da Doutrina Espírita é o respeito ao livre arbítrio individual.
Com efeito, sendo uma revelação
progressiva, não poderia exigir de nós um entendimento pleno dos seus
postulados. Cada espírita a compreende do seu modo - exceção feita aos seus pontos essenciais -,
conforme o grau do seu estado evolutivo. Espíritos que somos, em ascensão
continua, mas desigual, com idades distintas e experiências próprias, não
poderíamos reagir da mesma forma ante a Verdade, que se
colore de
variados matizes, de acordo com as nossas possibilidades perceptivas.
Dessa forma, o ponto básico para
aceitação dos ensinamentos da Espiritualidade superior é - como não poderia
deixar de ser - a nossa razão. Ressalte-se, porém, que esta, nos círculos terrestres,
é ainda bastante falha, fazendo-nos, muitas vezes, rechaçar verdades sublimes
pelo simples fato de não lograrem acesso ao nosso raciocínio, limitado pelos preconceitos,
pelas versões estreitas do mundo material. Contudo, isso é natural, faz parte
da evolução do Espírito. O mal, em que muitas vezes caímos, é tomar o nosso
modo de ver as coisas como alicerce do conhecimento eterno, apresentando-nos
como donos da Verdade, não admitindo, sequer, que os outros que não pensam como
nós possam estar certos.
Todavia, se quisermos realmente
evoluir no conhecimento doutrinário, temos de nos ir libertando das limitações intelectuais
a que nos afeiçoamos pelos milênios a fora, porque só a esse preço
descobriremos o sentido sublime da Verdade, que paira acima das convenções humanas.
Se assim procedermos, compreenderemos,
em primeiro lugar, que a nossa lógica nem sempre corresponde à lógica do Mundo
Espiritual e que, portanto, muitas vezes não interpretamos corretamente as
afirmações dos Espíritos, tomando por contradições o resultado de nossas
observações defeituosas.
Os próprios Instrutores Espirituais
não se cansam de nos alertar acerca das dificuldades que encontram para se
comunicarem conosco (e esses obstáculos não se restringem apenas a influência
material e moral do médium ou do ambiente, mas também são consequência do despreparo
do homem, em geral, para o contato com a Revelação Divina), dificuldades que os
obrigam a usarem de métodos e recursos nem sempre compreendidos por nós.
“A verdade é a essência espiritual
da vida. Cada homem ou cada grupo de criaturas possui o seu quinhão de verdades
relativas com o qual se alimentam as almas nos vários planos evolutivos.
“O coração, que retém uma parcela
maior, está habilitado a alimentar seus irmãos a caminho de aquisições mais
elevadas: todavia, é imprescindível o melhor critério amoroso na distribuição
dos bens da verdade, porquanto esses bens devem ser fornecidos de acordo com a
capacidade de compreensão do Espírito a que se destina o ensinamento de maneira
que o esforço não se faça acompanhar de resultados contraproducentes,"
("O Conso!ador" – 5ª ed. FEB, perg. 193.) Daí a progressividade das
revelações. A cada época, a cada grupo, a parcela da Verdade correspondente.
Em “O Livro dos Médiuns” encontramos
uma resposta do Espírito da Verdade que elucida perfeitamente a questão das
pretensas contradições verificadas em comunicações de Espíritos que, pela sua
linguagem elevada, podemos classificar como Superiores. Permitimo-nos cita-la,
na íntegra, para melhor compreensão do que estamos expondo:
“Com que fim Espíritos sérios, junto
de certas, pessoas, parecem aceitar ideias e preconceitos que combatem junto de
outras?
“Cumpre nos façamos compreensíveis.
Se alguém tem uma convicção bem firmada. sobre uma doutrina, ainda que falsa,
necessários lhes tiremos essa convicção, mas pouco a pouco. Por isso ê que
muitas vezes nos servimos de seus termos e aparentamos abundar nas suas ideias:
é para que não fique de súbito ofuscado e não deixe de se instruir conosco.
“Aliás, não é de bom aviso atacar
bruscamente os preconceitos. Esse o melhor meio de não se ser ouvido. Por essa
razão é que os Espíritos muitas vezes falam no sentido da opinião dos que os
ouvem: é para os trazer pouco a pouco à Verdade. Apropriam sua linguagem às pessoas,
como tu mesmo farás, se fores um orador mais ou menos hábil. Daí o não falarem
a um chinês ou a um maometano, como falarão a um francês, ou a um cristão. É que
têm a certeza de que serão repelidos.
“Não se deve tomar como contradição
o que muitas vezes não é senão parte da elaboração da Verdade. Todos os Espíritos
têm a sua tarefa designada por Deus. Desempenham-na dentro das condições que
julgam convenientes ao bem dos que lhes recebem as comunicações.” (Ob. cít.,
27" ed. FEB. pág. 336, item 301-3ª)
Dessa forma, se uma comunicação
espiritual, em linguagem elevada, identificando-se plenamente com a moral
cristã, levantar teses que a nossa razão repele, não devemos concluir desse fato
que o Espírito comunicante é mistificador ou galhofeiro e sim que a mensagem
está acima das nossas possibilidades atuais de percepção.
Se, por outro lado, duas comunicações,
provindas de Espíritos sérios, aparentarem pequenas ou grandes contradições,
não concluamos, precipitadamente, que uma delas é mentirosa e sim que as
aparentes distonias provém de uma espécie de didática espiritual que apropria os
ensinamentos à maturidade do aprendiz.
A grande dificuldade que sentimos em
acolher comunicações a nosso ver discordantes está no condicionamento total em
que vivemos. Pensamos, falamos e agimos de acordo com as convenções humanas
esquecidos de que o pensamento, em sendo património da individualidade eterna,
precisa ser livre das constrições da matéria a fim de atingir a essência dos
ensinamentos espirituais.
Estamos ainda muito presos às ideias
de verdade e mentira conforme a definição do mundo. Para
nós, Verdade ê tudo que correspende à realidade atestada pelos nossos sentidos ou,
ainda, pela nossa razão nem sempre equilibrada, e mentira é o que é contrário a
tudo aquilo que nos parece verdade. Nessa linha de raciocínio, se a um
Espírito, que já teve oportunidade de demonstrar a sua superioridade moral e intelectual,
for perguntado se um homem de grande projeção social poderia ter sido, em outra
reencarnação, simplesmente um mendigo, e se esse Espirito responder que não, logo
o chamaríamos de mentiroso. Contudo, e é Emmanuel quem nos diz, mentira "não é ato de guardar a verdade para o
momento oportuno, porquanto essa atitude mental se justifica na própria lição
do Senhor, que recomendava aos discípulos não atirarem a esmo a semente bendita
dos seus ensinos de amor". "A
mentira é a ação capciosa que visa o proveito imediato de si mesmo, em detrimento
dos interesses alheios em sua feição legítima e sagrada" {grifos
nossos). ("O
Consolador" perg. 192, 5ª Ed. FEB)
Portanto, mentira não é simplesmente
fazer uma afirmação Incorreta em determinado momento e sim falsear a Verdade em
proveito próprio o que é bastante diferente.
Respondendo, o Espírito, que um
homem de projeção não poderia ter sido um mendigo, em outra existência, seu objetivo
não teria sido o de enganar, mas sim o de não assustar determinado ambiente com
revelações prematuras.
Por fim, de “0 Livro dos Médiuns”
destacamos o que segue:
“Longe, porém, não está o dia em que
o ensino dos Espíritos será por toda parte uniforme, assim nas minúcias como
nos pontos principais. A missão deles é destruir o erro, mas isso não se pode
efetuar senão gradativamente.” (Ob. ctt., pág. 336, Item 301-4º, in fine, 21-
edição FEB.)
Que até lá possamos nós, espíritas,
evitar as dissensões por causa do modo de interpretar as comunicações dos Espíritos,
recordando-nos sempre de que alcançaremos o conhecimento ela Verdade
paulatinamente, sem pressa, mas que esse conhecimento virá por acréscimo, como
consequência do nosso aperfeiçoamento moral. "Bem-aventurados os puros de
coração, porque verão a Deus.”
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