A
Razão e a Fé
Dr.
Alfredo Haauwinckel
Reformador
(FEB) Fevereiro 1920
Nunca
na igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a
palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão
entre em si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que
se desengane, que é isto? Assim como Deus não é hoje menos Onipotente, assim a
sua palavra não é hoje menos poderosa, do que dantes era. Padre
Antônio Vieira (Sermão da Sexagésima - Ano de
1655).
Uma crença é um ato de fé de origem
inconsciente que nos força a admitir em bloco, ou no todo, uma ideia, uma
opinião, uma explicação, uma doutrina. A razão é estranha, nós o veremos, à sua
formação. Dr. Gustave
Le Bom (Les opinions et les croyances).
Parece, a primeira vista,
considerando-se o abismo em que se precipita a belíssima e humaníssima religião
do Crucificado impelida, empurrada, tão violentamente empurrada, pelos seus egoísticos
executores, que estes executores perderam a razão por estarem repletos de fé.
Mas, apreciando-se convenientemente os fatos, há de chegar-se a consequência de
que eles perderam a razão por terem perdido a fé; fé que, mesmo raciocinada,
também se ampara, também se firma na palavra sagrada para muitos, desde muito,
palavra perdida, no meio de tantas palavras sempre, e cada vez mais, acrescidas.
Sim, razão não é, não pode ser incompatível com a fé, nem a ciência com e o
progresso inimigos da religião.
***
“Custa-se compreender, disse Chateaubriand,
o desenfreamento desta geração contra o cristianismo.”
Ainda hoje, um século depois, prega-se,
de modo mais ostensivo, o mesmo
pensamento
por mais incisivas palavras.
Frequentei igrejas protestantes, lojas
teosóficas e centros ou grupos espíritas; todos condenados, todos anatematizados
e ainda desapiedadamente zurzidos (espancados) como
deturpadores, conspurcadores dos ensinamentos do Cristo.
Entretanto, o que todo o mundo pode
verificar, o que todo mundo há de verificar, querendo, é exatamente o contrário,
o diametralmente oposto.
A Teosofia, ciência divina,
sabedoria de Deus tendo por escopo a verdade e por fundamento a fraternidade
universal; o Protestantismo seguindo à risca os ensinamentos da Bíblia, onde se
encontra o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo isento de inovações; e o
Espiritismo que, pregando e praticando o mesmo Evangelho em espírito e verdade,
toma incremento assombroso, maravilhoso por todo o Universo; longe, muito longe
de rebaixarem elevam, e de mais em mais, o Cristianismo, esse belo e
incomparável Cristianismo!
Sim: Cristianismo, porque Cristianismo
não é Catolicismo.
Há requintada má fé no impingir um enxerto
mal pegado pela árvore que lhe
empresta
vida.
Há erro e erro crasso, e por vezes conscientes,
no empregar, como sinônimo, palavras de significação diferentes e até opostas,
como o de Chateaubriand em um dos seus memoráveis livros, precisamente naquele
do qual extraí o trecho há pouco citado, quando, referindo-se ao Catolicismo,
raramente usa este vocábulo, empregando centenas de vezes o outro
- Cristianismo - que se encontra desde o título da dita obra.
Ora, religião católica não é religião
cristã.
O teosofista, praticando a fraternidade
universal, é cristão. O protestante, tendo a Bíblia por evangelho, é cristão. O
espirita, sendo a personificação da caridade, é cristão.
O suposto católico que não venera relíquias
de santos, que não aceita em absoluto os dogmas da igreja, e que divisa no Evangelho
o espírito que vivifica além da letra que mata, é cristão; é mesmo espírita sem
o supor, porém, não é católico como o supõe ser.
Sim: todos estes são cristãos porque
são ovelhas do mesmo rebanho que só
reconhecem
um Pastor: - Jesus, o Cristo.
Aqueles, porém, que aceitam as inovações
que, há mais de dezesseis séculos
vêm
desfigurando, desvirtuando e subvertendo a doutrina do Divino Mestre
ensinada e
praticada, na sua máxima simplicidade, nos três séculos anteriores; aqueles que
julgando-se os melhores, os mais nobres e os únicos possuidores daquela chave
de ouro que temperada no sangue de Jesus Cristo fechou o inferno e abriu o céu e
patenteou à alma humana
o seio benéfico de Deus..., chave de que nos fala Alves Mendes e da qual mais
tarde tratarei; aqueles enfim que, por estes e outros privilégios, evitam o
contacto com os que deviam considerar irmãos, esquecendo deliberadamente o – Amai
ao próximo como a vós mesmo - de todas as religiões esses não são cristãos, são
puramente, simplesmente, unicamente católicos ou católicos romanos.
Católico romano!
Híbrido paradoxo! Enigma misterioso que
quase ninguém compreende e decifra.
Se é católico, que significa
universal, como é, como pode ser nominalmente,
nomeadamente,
particularmente, individualmente de Roma? Se é católico e, portanto universal, como
é que conta, com é que possui tão insignificante número de fiéis em relação as
muitas centenas de milhões de adeptos de todos os outros credos?
O Cristianismo, sim, poderá ser universal,
tomando-se na devida conta as
palavras de S.
Pedro de quem, na verdadeira, inabalável, resistente e pétrea fé, Cristo
edificou a sua igreja.
S. Pedro considerando na visão e no que
lhe disse o Espírito (Atos dos Apóstolos X, 19) seguiu aos que vieram chama-lo
em nome do centurião Cornélio, e ao encontra-lo em Cesareia cercado de seus
parentes e mais íntimos amigos (Atos X: 24 e 27) disse-lhes – “Tenho na verdade
alcançado que Deus não faz acepção de pessoas. Mas que em todas a nação aquele
que o teme, e obra o que é justo, esse lhe é aceite.” (Atos X: 34 e 3ó). Isso é
positivamente universal, mas, não é absolutamente católico de Roma!
É universal porque tem sido invariavelmente
ensinado, se bem que por outras palavras, por todos os grandes instrutores do
mundo, desde Rama, Krishna, Moisés, Zoroastro, Cakyamouni, o Buda, até Jesus, o
Cristo. E não é católico- aí vai o paradoxo- isto é: universal - precisamente
por ser católico, isto é: universal e portanto grande demais para caber nos
estreitos limites de círculo romano.
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