O Demônio da Dúvida
Ismael Gomes
Braga
Reformador (FEB) Julho 1954
Escreve-nos uma leitora estudiosa, dizendo que não pode
compreender suas próprias dúvidas.
Conhece bem os fenômenos espíritas
e sabe que eles são universais e eternos: todos os povos bárbaros e primitivos
conheceram tais fenômenos e sobre eles fundaram suas mitologias, suas diversas
formas de religião.
Sabe que esses fenômenos estão
relatados na Bíblia, nos Vedas, no Alcorão, em todas as obras fundamentais das
grandes religiões, bem como na literatura profana de todos os povos e de todos
os tempos. Não desconhece que as sessões experimentais de espiritistas e
metapsiquistas confirmam sobejamente, com rigoroso controle científico, tudo
que as literaturas antigas das religiões e dos poetas afirmam sobre a
existência de um mundo espiritual, habitado por seres bons e maus que espelham
muito bem as virtudes e defeitos da Humanidade.
Ela mesma possui faculdades mediúnicas,
embora pouco desenvolvidas, que lhe têm prestado relevantes serviços e
demonstrado a sobrevivência.
Não pode duvidar da probidade das pessoas
que tem publicado relatos de fenômenos espíritas, porque os depoimentos dessas
pessoas se confirmam uns aos outros em escala mundial.
Observa a concordância planetária
dos depoimentos dos Espíritos sobre os pontos fundamentais como a sobrevivência
da alma.
Não encontra nenhuma brecha
aberta, dentro da mais rigorosa lógica, para a descrença: sente-se cercada de
provas por todos os lados; mas tem, apesar de tudo, momentos de dúvidas
atrozes, durante os quais pensa que tudo é ilusão e fantasia e que a morte é o
fim de tudo para o ser humano e que só os materialistas tem razão.
Interroga-nos como se podem
explicar essas contradições em seu espírito; como consegue o demônio da dúvida
apossar-se dela e fazê-la sofrer pavorosamente?
Quando se deixa dominar pela
descrença, sofre profundamente porque sente perdidos para sempre os seres
bem-amados que a morte já lhe tragou: esposo, filhos, pais, amigos caros que
viu partir para sempre.
Supondo que o assunto possa
interessar a outras pessoas que sofrem semelhantes crises de descrença,
pareceu-nos conveniente responder à consulta neste artiguete.
Todos nós temos faculdades
mediúnicas, a capacidade telepática mais ou menos desenvolvida de receber pensamentos
e sentimentos de outras pessoas, sejam estas Espíritos encarnados ou
desencarnados. Vivemos cercados de Espíritos sofredores, materialistas, ateus,
tanto visíveis como invisíveis, com os quais infelizmente temos afinidade pela
nossa condição de Espíritos igualmente atrasados e inferiores.
Pelos nossos próprios conhecimentos
já não podemos duvidar mas há uma verdadeira multidão de pessoas que ainda não
possuem os nossos conhecimentos nem procuram esclarecer-se sobre a eternidade
da vida. São materialistas completos e integrais, embora quase sempre
nominalmente filiados por tradição a uma igreja espiritualista, como o
Judaísmo, o Catolicismo, o Protestantismo. Quer estejam desencarnados, como Espíritos
perturbados que não compreendem seu próprio estado, quer ainda encarnados,
esses Espíritos emitem pensamentos e sentimentos negativos e que nós recebemos
como se fossem nossos.
Muitos desses Espíritos são
cientistas, inteligentes e instruídos em coisas materiais que raciocinam com
energia e projetam nas almas alheias suas convicções materialistas. A Irmã que nos escreveu viveu sempre cercada de admiradores da sua
beleza rutilante e também de mulheres invejosas e ciumentas. Uns e outras
pensaram sempre muito nela, de modo material e apaixonado. Só na velhice veio ela a conhecer o
Espiritismo e a criar outra roda de relações mais espiritualistas. Remeteu-nos
uma fotografia antiga, na qual vemos uma jovem belíssima e pomposamente
ornamentada. A beleza física e a riqueza são provas duríssimas para o Espírito,
porque engendram tentações e orgulho. Criar hoje outro mundo mental, espiritualista,
eternista, rompendo com as relações do passado, com as atrações e repulsões que
inspirou durante decênios, é tarefa difícil, más necessária. A luta vai ser
longa, mas a velhice ajudará muito a obra da construção do seu futuro sobre as
bases sólidas da espiritualidade superior.
No estudo do Espiritismo vemos
outra categoria de pessoas que encontram tremendas dificuldades a vencer e por
vezes invencíveis numa encarnação: são os sábios, os professores universitários
da ciência oficial materialista. Passaram a mocidade lendo e admirando obras de
mestres materialistas. Formaram com seus mestres, colegas e alunos um mundo
materialista orgulhoso e fechado ao Espiritismo. Quando tomam conhecimento dos
fenômenos espíritas, estão repletos de preconceitos materialistas e captando
inconscientemente, por afinidade, a inspiração de outros materialistas
encarnados e desencarnados.
Uns negam tudo, até os fenômenos
mais verificados, e permanecem indiferentes a esse grande ramo de conhecimentos.
Outros admitem os fenômenos, como René Budre, Morselli, Von Schrenck-Notzing,
Henry Price, mas negam sua origem espírita e ficam no ar, admitindo as mais
absurdas hipóteses naturistas para fugirem da verdade, tão simples e
inevitável, que os Espíritos nos ensinam.
Todas essas pessoas terão longas
lutas que se poderão estender por uma série de encarnações; mas a verdade virá
a triunfar em suas almas, em seus corações, com a continuidade do estudo e com
as mudanças de meio que os Guias saberão empregar sabiamente em beneficio
delas, e com a repetição sempre crescente dos fenômenos que põem em evidência a
imortalidade da alma.
A nossa encantadora missivista já
iniciou essa luta; a mudança de meio já começou a processar-se em seu benefício
na atual existência; mas ainda conserva o velho hábito de sentir-se superior a
toda a gente que a cerca. Falta-lhe ainda a humildade indispensável a
sintonizá-la com as esferas mais elevadas e mais felizes do amor divino.
A jovem bela, rica, inteligente,
enérgica e por tudo isto orgulhosa e ousada, vai-se transformando na anciã
intelectual, estudiosa, instruída e orgulhosa de sua nova superioridade sobre
toda a gente inculta que a cerca.
Em qualquer de suas formas o
orgulho fecha as portas de nossa alma à instrução superior e nos lança nas
vibrações inferiores e negativas dos sofredores. Mas na eternidade temos tempo
para tudo...
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