Quadro
da Vida Espírita - I
por
Allan Kardec
Reformador
(FEB) Julho 1947 (extraído da ‘Revista Espírita’ Abril de 1859)
Todos, sem exceção, cedo ou tarde
atingiremos o término fatal da vida; nenhum poder conseguiria subtrair-nos a
essa realidade, eis o que existe de positivo. Multas
vezes as preocupações do mundo nos desviam do pensamento o que se passa além do
túmulo; mas, quando chega o momento supremo, poucos são os que não interrogam a
si mesmos o que virá a ser deles, porque a ideia de deixar para sempre a
existência tem algo de aflitivo. De fato, quem poderia encarar com indiferença
uma separação absoluta, eterna, de tudo que ele amou? Quem poderia ver sem
terror abrir-se diante dele o abismo Imenso do nada que viria engolir para
sempre todas as nossas faculdades, todas as nossas esperanças? - Que! depois de
mim, nada, nada mais do que o vácuo; tudo acabado pura sempre; mais alguns dias
-e a lembrança a meu respeito ficará extinta da memória dos que me
sobreviverem; brevemente não restará traço algum da minha passagem pela Terra; até
o bem que eu fiz estará esquecido pelos ingratos a quem eu servi; e nada para
compensar tudo isso, nenhuma outra perspectiva senão o meu corpo roído pelos vermes!
- "Esse quadro do fim materialista, traçado por um Espírito que viveu com
esses pensamentos, não tem algo de horrível, de glacial"!
A religião nos ensina que não pode ser
assim, e a razão confirma o ensinamento; mas essa existência futura, vaga e
indefinida, nada tem que satisfaça o
nosso
amor ao positivo; é isso que em muitos gera a dúvida. Temos uma alma, vá lá que
assim seja; mas que é nossa alma? Tem ela alguma forma, alguma aparência? É uma
entidade limitada ou indefinida? Uns dizem que é um sopro de Deus, outros que é
uma centelha, outros, uma parte do grande todo, o princípio da vida e da inteligência; mas, que nos ensina tudo isso? Dizem ainda que ela é imaterial:
mas uma coisa imaterial não poderia ter proporções definidas; para nós, isso
seria o nada. A religião ainda nos ensina que seremos felizes ou infelizes,
conforme o bem ou o mal que houvermos feito; mas qual é essa ventura que nos
aguarda no seio de Deus? É uma beatitude, uma contemplação eterna, sem outra
ocupação além de cantar louvores ao Criador? As chamas do inferno são uma
realidade ou uma figura? A Igreja mesma o entende nesta última acepção: mas quais
esses sofrimentos? onde está situado esse lugar de suplícios? Em uma palavra,
que se faz, que se vê, nesse mundo que nos espera a todos? Ninguém, dizem,
voltou para no lo descrever. Isso é um erro e a missão do Espiritismo é precisamente
nos esclarecer sobre esse porvir, fazer-nos, até certo ponto, tocá-la com o
dedo e com os olhos, não mais com o raciocínio apenas, mas com os fatos. Graças
às comunicações dos Espíritos, já não é isso simples presunção, probabilidade
que cada um borda a seu jeito e que os poetas embelezam com suas ficções ou
semeiam de imagens alegóricas que nos enganam, é a realidade mesma que nos
aparece, porque são os próprios seres de além-túmulo que nos vêm descrever sua
situação, dizer-nos o que fazem, permitir-nos assistir, por assim dizer, a
todas as peripécias de sua nova vida e, por esse meio nos mostram a sorte inevitável
que nos aguarda, conforme nossos méritos ou deméritos. Há nisso algo de anti religioso?
muito ao contrário, pois que nisso os incrédulos encontram a fé e os tíbios a
renovação do fervor e da confiança. O Espiritismo é, portanto, o mais poderoso
auxiliar da religião. Se ele existe é porque Deus o permite e Deus o permite
para reanimar nossas esperanças vacilantes e reconduzir-nos ao caminho do bem
pela perspectiva do futuro que nos aguarda.
As conversações familiares do além-túmulo
que damos os relatos da situação dos Espíritos que nos falam, esclarecem-nos
sobre suas dores, alegrias e ocupações; é o quadro animado da vida espírita e,
na variedade mesma dos assuntos, podemos encontrar as analogias que nos
convencem. Vamos tentar resumi-las em um conjunto.
Tomemos primeiramente a alma em sua saída
do mundo e vejamos o que se passa nessa transmigração. As forças vitais
extinguem-se, o Espírito desprende-se do corpo no momento em que cessa a vida
orgânica; mas a separação não é brusca e instantânea. Algumas vezes ela começa
antes da cessação integral da vida; nem sempre está completa no instante da
morte. Sabemos que entre o Espírito e o corpo existe uma ligadura semi material
que constitui um primeiro invólucro; essa ligadura não se quebra subitamente,
e, enquanto ela subsiste, o Espírito se acha num estado de perturbação que se
pode comparar à que acompanha o despertar de sono profundo; multas vezes ele
até duvida de sua morte; sente que existe, vê e não pode compreender que viva sem
o corpo do qual se sente separado; os laços que ainda o unem ao corpo tornam-no
acessível a certas sensações que ele toma por sensações físicas, só depois que
está completamente livre é que o Espírito se reconhece; até então ele não
compreende sua situação. A duração desse estado de perturbação, como já temos
dito em outras ocasiões, é muito variável; pode ser de algumas horas, como de
vários meses, mas é raro que ao cabo de alguns dias o Espírito não se reconheça
mais ou menos bem. No entanto, como tudo lhe é estranho e desconhecido, é-lhe
necessário algum tempo para se familiarizar com seu novo modo de perceber as
coisas.
O momento em que um deles vê cessar a
escravidão pela ruptura dos laços que o prendiam ao corpo, é um momento solene;
à sua reentrada no mundo dos Espíritos, ele é acolhido pelos seus amigos que o
vêm receber como à volta de penosa viagem; se a travessia foi feliz, isto é, se
o tempo do exílio foi empregado de modo proveitoso para ele e o eleva na hierarquia
do mundo dos Espíritos, felicitam-no; lá reencontra os que conheceu, reúne-se
aos que o amam e simpatizam com ele e, então, começa verdadeiramente para ele
uma nova existência.
O invólucro semi material do Espírito
constitui lhe uma espécie de corpo de forma definida, limitada e análoga à
nossa; mas esse corpo não tem os nossos órgãos
e
não pode sentir todas as nossas impressões. No entanto, ele percebe tudo que
percebemos: a luz, os sons, os odores, etc., e essas sensações, por nada terem
de material, não são menos reais; elas têm até algo de mais claro, de mais preciso,
de mais sutil, porque chegam ao Espírito diretamente, sem Intermediário, sem
passar pelo filtro dos órgãos que as embotam. A faculdade de perceber é inerente
ao Espírito: é um atributo de todo o seu ser; as sensações lhe chegam de toda
parte e não por certos canais circunscritos. Dizia-nos um deles, falando da
vista: "É faculdade do Espírito e não do corpo; vedes pelos olhos, mas em
vós não são os olhos que veem, é o Espírito".
Pela conformação dos órgãos, temos necessidade
de certos veículos para as nossas sensações: assim precisamos da luz para refletir
os objetos, do ar para
nos
transmitir os sons; esses veículos se tornam inúteis desde que não tenhamos os intermediários
que os tornavam necessários; o Espírito vê, pois, sem o auxílio da nossa luz,
ouve sem necessidade das vibrações do ar; é por isso que para ele não existe
obscuridade. Mas as sensações perpétuas e indefinidas, por agradáveis que
sejam, tornar-se-iam por fim fatigantes se não pudéssemos evitá-las; assim, o
Espírito tem a faculdade de suspendê-las; ele pode deixar, à vontade, de ver,
de ouvir, de sentir tais ou tais coisas, portanto, não ver, não ouvir, não
sentir senão o que quer; essa faculdade está na razão de sua superioridade,
porque há coisas que os Espíritos inferiores não podem evitar e é isso que lhes
torna penosa a situação.
O Espirito não compreende imediatamente
essa nova maneira de sentir, mas só a pouco e pouco ele adquire uma compreensão
clara. Os que têm a inteligência ainda muito atrasada nada absolutamente
compreendem de suas novas percepções e ficariam em grande dificuldade para
descrevê-las; perfeitamente do mesmo modo que entre nós os ignorantes veem e
movem-se sem saber por quê nem como.
Essa impossibilidade de compreenderem o que
se acha acima de seu alcance, junta à pretensão, companheira comum da ignorância,
é a fonte das teorias absurdas que nos dão alguns Espíritos e que nos
induziriam a erro se as aceitássemos sem controle e sem nos assegurarmos pelos
meios que nos dão a experiência e o hábito de conversar com eles, do grau de confiança
que merecem.
Há sensações que tem sua fonte no estado
mesmo dos nossos órgãos; ora, as necessidades Inerentes ao nosso corpo não
podem existir desde que o corpo já não existe. O Espírito não sente fadiga, nem
necessidade de repouso e alimento, porque ele não tem consumo algum a reparar;
ele não é atormentado por nenhuma das nossas enfermidades (1). As necessidades
do corpo ocasionam necessidades sociais que já não existem para os Espíritos;
assim, para eles os cuidados dos negócios, as intrigas, as mil tribulações do
mundo, os tormentos que nos Impomos para prover às necessidades ou
superfluidades da vida já não existem; eles tem piedade dos sofrimentos que nós
nos causamos em busca de vãs frioleiras (2); e contudo, tanto de felicidade têm
os Espíritos superiores, quanto de sofrimento os inferiores, mas esses
sofrimentos são angústias que apesar de nada terem de risco, nem por isso são
menos pungentes; eles têm todas as paixões, todos os desejos que tinham quando
vivos (referimo-nos aos Espíritos inferiores) e seu castigo é não poder
satisfazer a tais paixões e desejos; isso constitui para eles verdadeira
tortura que julgam perpétua, porque a sua inferioridade mesma não permite que
eles lhes vejam o término e também isso lhes é um castigo.
(1) Kardec se refere aos Espíritos
elevados, puros, inteiramente desmaterializados, cujo perispírito não necessita
de alimentos nem repouso. Quanto nos outros, componentes
da imensa maioria que ainda está presa ao Planeta, necessita de repouso, sofre
fome, sede, dores físicas; e isto está universalmente confirmado pelas comunicações
recebidas e publicadas numa literatura imensa. Se escrevesse hoje, Kardec seria
mais claro a esse respeito. O Tradutor.
(2) Entenda-se que o Mestre se refere aos
Espíritos realmente superiores, porque os outros tem partidos, seitas, tomam
parte pró e contra os movimentos
humanos,
misturam-se conosco e sofrem e gozam materialmente com os homens, têm todas as
ilusões de mundo. O Tradutor
Quadro da Vida Espírita - II
por
Allan Kardec
Reformador
(FEB) Agosto 1947 (extraído da ‘Revista Espírita’ Abril de 1859)
A palavra articulada, igualmente, é uma necessidade
da nossa organização; não tendo necessidade de sons vibrantes para ferir-lhes
os ouvidos, os Espíritos compreendem-se somente pela transmissão do pensamento
(3), como a nós muitas vezes nos sucede compreendermo-nos apenas pelo olhar. No
entanto, os Espíritos fazem ruídos: sabemos que eles podem agir sobre a matéria
e esta nos transmite o som; é assim que fazem ouvir pancadas ou gritos no ar vazio,
mas o fazem para nós e não para si mesmos. Teremos que voltar a esse assunto em
artigo especial no qual trataremos dos médiuns auditivos.
Enquanto arrastamos penosamente nosso corpo
pesado e material sobre a terra, como o galé arrasta a grilheta, o corpo dos
Espíritos, vaporoso, etéreo, transporta-se sem fadiga de um a outro lugar,
transpõe o espaço com a rapidez do pensamento, penetra em todos os lugares,
matéria alguma lhe opõe obstáculo.
O Espírito vê tudo que vemos e mais claramente
do que o podemos fazer: além disso, vê o que os nossos sentidos limitados não
nos permitem ver; como ele mesmo penetra na matéria, descobre o que a matéria
oculta a nossa vista.
Portanto, os Espíritos não são entidades
vagas, indefinidas, conforme às definições abstratas da alma a que nos
referimos acima; são seres reais, determinados, circunscritos, que gozam de
todas as nossas faculdades e muitas outras que nos são desconhecidas, porque
são inerentes apenas à natureza deles. Eles possuem as qualidades da matéria
que lhes é própria e formam o mundo invisível que povoa o espaço, nos cerca, nos
acotovela sem cessar. Suponhamos por um momento que se rasgue o véu material
que os oculta à nossa vista, ver-nos-íamos em meio de uma multidão de seres que
vão, vêm, agitam-se em volta de nós, observam-nos, como nos sucede quando nos achamos
numa assembleia de cegos. Para os Espíritos nós somos os cegos e eles são os videntes.
Dissemos que, ao entrar em sua nova vida, o
Espírito leva algum tempo a reconhecer-se, que tudo lhe é estranho e desconhecido.
Perguntarão decerto como pode ser assim, se ele já teve outras existências corporais;
essas existências foram apartadas umas das outras por intervalos em que ele habitou
no mundo dos Espíritos; portanto, esse mundo não lhe deve ser desconhecido,
pois que não o está vendo pela primeira vez.
Várias causas contribuem para lhe tornar
novas essas percepções, conquanto já as tenha experimentado. A morte, dissemos,
é sempre seguida de um momento
de
perturbação, mas que pode ser de curta duração. Nesse estado suas ideias estão
sempre vagas e confusas: a vida corporal confunde-se de alguma sorte com a vida
espírita, seu pensamento não pode ainda apartá-las (4). Dissipada essa primeira
perturbação, as ideias esclarecem-se a pouco c pouco e com elas a recordação do
passado só gradualmente vai voltando à memória, porque essa memória não lhe faz
uma irrupção brusca. Só quando ele se acha inteiramente desmaterializado é que
o passado se descortina diante dele como uma perspectiva saindo de um nevoeiro.
Só então se recorda ele de todos os atos de sua última existência e, depois, vai-se
lembrando das existências anteriores e de suas diversas passagens pelo mundo dos
Espíritos. Compreende-se, pois, que, durante algum tempo, esse mundo tem que
lhe parecer novo até que se recorde completamente do passado e que a lembrança
de suas sensações ali experimentadas lhe tenham voltado de maneira precisa. Mas
a essa tem-se que juntar outra causa muito preponderante.
O estado do Espírito, como Espírito, varra extraordinariamente
em razão do grau de sua elevação e sua pureza. A proporção que ele se eleva e
se depura, suas percepções e sensações tornam-se menos grosseiras; adquirem
mais finura, sutileza, delicadeza; ele vê, sente e compreende coisas que não
podia ver, nem sentir, nem compreender em uma condição inferior. Ora, como cada
existência corporal é para ele uma ocasião de progresso, cada uma o leva a um
meio que lhe é novo, porque ele se vem a encontrar, se houver progredido, entre
Espíritos de outra urdem, cujos pensamentos e hábitos são diferentes daqueles
com os quais se achava habituado. Acrescentemos a Isso que tal depuração lhe
permite penetrar, sempre como Espírito, em mundos inacessíveis aos Espíritos inferiores,
como entre nós os salões da alta sociedade estão interditos as pessoas sem educação.
Quanto menos esclarecido é o Espírito, tanto mais limitado lhe é o horizonte; à
proporção que se eleva e purifica, seu horizonte se dilata e com ele o círculo
de suas ideias e percepções. A seguinte comparação nos poderá fazer compreender
o exposto: Suponhamos um camponês bruto e Ignorante, vindo a Paris pela
primeira vez; conhecerá e compreenderá ele a Paris do mundo elegante e dos
sábios? Não, porque só tratará com gente de sua classe e nos quarteirões em que
tal gente habita. Mas imaginemos que, no intervalo até uma segunda viagem, esse
camponês se haja desenvolvido, adquirido instrução e maneiras polidas, seus hábitos
e suas relações serão totalmente outros; então, verá um mundo novo, para ele,
que em nada se parecerá com sua antiga Paris. Dá-se o mesmo com os Espíritos;
mas nem todos sentem no mesmo grau essa certeza. A proporção que progridem,
suas ideias se desenvolvem, a memória torna-se mais acelerada: estão antecipadamente
familiarizados com sua nova situação; sua volta para o meio dos outros
Esp1rltos nada tem de espantosa para eles, reencontram-se em seu meio normal, e,
passado o primeiro momento de perturbação, compreendem quase imediatamente sua
situação.
É essa, em geral, a situação dos Espíritos
no estado a que chamamos erraticidade, mas, nesse estado, que fazem eles? como
passam seu tempo? esta questão nos é de capital Interesse, São eles mesmos que
nos irão responder, como foram eles que nos forneceram as explicações que
acabamos de transcrever, porque nada disso é tirado de nossa imaginação; não é
um sistema nascido em nosso cérebro; julgamos pelo que vimos e ouvimos.
Deixando-se de lado todo partidarismo espírita, tem-se de reconhecer que esta
teoria da vida de além-túmulo nada tem de Irracional; ela apresenta uma ordem e
um encadeamento de tão perfeita lógica que fariam o orgulho de qualquer filósofo.
Cometeríamos erro se supuséssemos que a
vida espírita é ociosa; ao contrário, é uma vida muito ativa e todos os Espíritos
nos falam de suas ocupações; essas ocupações diferem necessariamente conforme
esteja o Espírito encarnado ou na erraticidade. No estado de encarnação, são
relativas à natureza dos globos que os Espíritos habitam, às necessidades que
dependem do estado físico e moral desses globos, bem como da organização dos
seres vivos. Não é disso que nos temos de ocupar aqui. Só trataremos dos Espíritos
errantes. Entre os que já atingiram certo grau de elevação, uns velam pelo cumprimento
dos desígnios de Deus nos grandes
destinos
do Universo; dirigem a marcha dos acontecimentos e concorrem para o progresso
de cada mundo; outros tomam os indivíduos sob sua proteção e se constituem
gênios tutelares, anjos guardiões, seguindo-os desde o nascimento até a morte,
procurando dirigi-los para o caminho do bem: sentem-se venturosos quando seus
esforços são coroados de êxito. Alguns se encarnam em mundos inferiores para
cumprirem missões de progresso; procuram pelos trabalhos, exemplos, conselhos,
ensinos, fazer que estes progridam nas ciências ou nas artes, aqueles outros,
em moral. Submetem-se, então, voluntariamente às vicissitudes de uma vida corpórea
muitas vezes penosa para fazerem o bem, e o bem que fazem lhes é computado.
Muitos deles não tem atribuições especiais; vão a todos os lugares, onde sua
presença possa ser útil, a fim de darem conselhos, inspirarem boas ideias,
reanimar a coragem enfraquecida, dar força aos fracos e castigar os
presunçosos.
Se considerarmos o número infinito dos
mundos que povoam o Universo e o número Incalculável dos seres que os habitam,
compreenderemos que os Espíritos têm muito em que se ocuparem; mas essas ocupações
nada têm de penosas para eles; realizam-nas com alegria, voluntariamente, não
constrangidos, e a sua felicidade consiste em obterem êxito no que empreendem;
nenhum deles cuida de uma ociosidade eterna que lhes seria verdadeiro suplício.
Quando as circunstâncias o exigem, reúnem-se em conselho, deliberam sobre a
orientação a seguir, conforme os acontecimentos, dão ordens aos Espíritos que lhes
são subordinados e depois partem para onde o dever os chamam. Essas assembleias
são mais ou menos gerais ou particulares conforme a importância do assunto. Não
existe nenhum lugar especial e circunscrito para tais reuniões: o espaço é o
domínio dos Espíritos; no entanto, realizam-se de preferência tais reuniões nos
globos que lhes são objetivo. Os Espíritos encarnados em missão, em tais
globos, tomam parte nessas reuniões de acordo com a sua elevação; enquanto seus
corpos repousam, eles vão receber conselhos entre outros Espíritos e, muitas
vezes, receberem ordens sobre a conduta que devem manter como homens. Ao
despertarem, não têm, na verdade, uma recordação precisa do que se passou, mas
conservam a intuição que os leva a agirem como de moto próprio. (5)
Em hierarquia desce nu ente, encontramos
Espíritos menos elevados, menos purificados, e, por conseguinte, menos esclarecidos
mas que não são menos bons, os quais, numa esfera de atividade mais restrita,
exercem funções análogas. A ação destes, em vez de estender-se aos diferentes
mundos, é exercida mais especialmente sobre um globo determinado, em relação
com seu grau de adiantamento; a influência destes é mais individual e tem por
objeto coisas de menor importância.
A seguir, vem a multidão de Espíritos
vulgares, mais ou menos bons ou maus, que pululam em torno de nós; elevam-se
pouco acima da humanidade que eles representam em todos os seus matizes e da
qual são como que o reflexo, porque têm dela todos os vícios e todas as
virtudes (6); num grande número, encontram-se os gostos, as ideias, as
tendências que tinham em vida; suas faculdades são limitadas, seu julgamento
falíveI como o dos homens, muitas vezes errôneo e imbuído de preconceitos.
Em outros o senso moral está mais desenvolvido:
sem possuírem grande superioridade nem grande profundeza, julgam mais
sadiamente e por vezes condenam o que fizeram, disseram ou pensaram durante a
vida. Há ainda o seguinte a notar: mesmo entre os Espíritos mais vulgares a
maioria tem sentimentos mais puros como Espíritos do que como homens, a vida
espiritual os esclarece sobre seus defeitos; e, com muito poucas exceções, eles
se arrependem amargamente e lamentam o mal que fizeram, porque já lhe sofreram
mais ou menos duramente as consequências. Temos visto alguns que não são
melhores, mas nunca vimos algum que fosse pior do que havia sido em vida. O
endurecimento absoluto é muito raro e só é temporário, porque mais cedo ou mais
tarde terminam por lamentar sua própria situação e pode dizer-se que todos
aspiram a aperfeiçoarem-se, visto que todos compreendem que este é o único meio
de saírem de sua inferioridade: instruírem-se, esclarecerem-se é a sua grande
preocupação e sentem-se felizes quando podem conseguir pequenas missões de confiança
que os elevam a seus próprios olhos.
Também estes tem suas assembleias, mais ou
menos sérias, conforme a natureza ele seus pensamentos. Eles nos falam, nos vêm
e observam o que se passa em volta de nós; metem-se em nossas reuniões, em
nossos jogos, em nossas festas, em nossos espetáculos, tanto quanto em nossos
negócios sérios; escutam nossas conversações: os mais levianos, para se
divertirem e muitas vezes para rirem à nossa custa ou para nos pregarem peças,
quando podem; os outros para se instruírem; observam os homens, o caráter
destes, e fazem o a que chamam estudos de costumes, a fim de firmarem sua
escolha, visando a sua futura existência.
Temos visto o Espírito no momento em que,
deixando o corpo, entra em sua nova vida; temos analisado suas sensações,
seguido o desenvolvimento gradual
de
suas ideias. Os primeiros momentos são empregados pelo Espírito a se
reconhecer, a compreender o que se passa nele; em uma palavra, ele ensaia, por
assim dizer, suas faculdades, como a criança que vê crescerem a pouco e pouco
suas forças e seus pensamentos. Estamos falando dos Espíritos vulgares, porque
os outros, como já dissemos, estão de certo modo identificados antecipadamente
com o estado espírita que não lhes causa surpresa alguma, mas somente a alegria
de sentirem-se libertos das peias e sofrimentos corporais. Entre os Espíritos
inferiores muitos lamentam haver perdido a vida terrestre, porque sua situação,
como Espíritos, é cem vezes pior, por isso eles buscam uma distração em ver o
que outrora os deliciava, mas esse panorama mesmo é para eles um suplício,
porque sentem os desejos e não os podem satisfazer.
A necessidade de progredir é geral entre os
Espíritos, e é isso que os excita a trabalhar para seu próprio melhoramento,
porque compreendem que é esse o preço da felicidade; mas nem todos sentem no
mesmo grau essa necessidade, sobretudo no princípio; alguns se comprazem numa
espécie de vagabundagem, mas que não dura muito tempo; a atividade torna-se
logo para eles necessidade imperiosa, à qual são impulsionados também por
outros Espíritos que neles estimulam o
sentimento do bem.
Depois vem o a que se poderia chamar
escória do mundo espírita, composta de todos os Espíritos impuros, para os quais
o mal é a única preocupação. Sofrem e
desejariam
ver todos os outros sofrendo como eles. O ciúme lhes torna odiosa toda
superioridade nos outros; o ódio lhes é estado permanente; não podendo descarregá-lo
sobre os Espíritos, eles se voltam contra os homens e atacam aqueles que acham
mais fracos. Excitar as más paixões, insuflar discórdia, separar amigos, provocar
rixas, inchar os ambiciosos de orgulho para, posteriormente, terem o prazer de
abate-los, divulgar o erro e a mentira, em uma palavra, desviar do bem, tais são
seus pensamentos dominantes.
Mas porque permite Deus que seja assim?
Deus não tem que nos prestar contas. Os Espíritos superiores nos dizem que os
maus são provações para os bons, e que não há virtude onde não há vitória a alcançar.
Além disso, se esses Espíritos malfeitores se reúnem na Terra, é porque aqui
encontram ecos e simpatias. Consolemo-nos com a lembrança de que, acima dessa lama
que nos envolve, há seres puros e benevolentes que nos amam, amparam, animam e
estendem o braço para nos atrair a si e nos conduzirem a mundos melhores, onde
o mal não tem acesso, se soubermos fazer por merece-lo.
(3) Ainda aqui se trata somente dos Espíritos
muito adiantados; os inferiores chegam a sofrer como nós as barreiras linguísticas;
só entendem a linguagem articulada e, por isso, são trazidos para serem doutrinados
pelos homens em linguagem e figuras muito materiais. - O Tradutor.
(4) No sonho temos uma imagem incompleta e imperfeita
dessa situação. Nunca entendemos que estamos fora do corpo, que somos um Espírito;
temos toda
a
ilusão de estar com o corpo, ouvindo pelos ouvidos, vendo pelos olhos, mas possuímos
faculdades que realmente não pertencem ao corpo, como, por exemplo,
podermos
voar de um lugar a outro. - O Tradutor.
(5) Nas recentes obras de André Luiz são pormenorizadamente
descritas algumas dessas reuniões espirituais conjuntas de encarnados e desencarnados.
- O
Tradutor.
(6) O leitor suporá que há aqui um engano,
porque a multidão de Espíritos vulgares em nada é superior à humanidade, e
talvez lhe seja Inferior, pois que
nesta
existem encarnados - além dos vulgares - alguns missionários que lhe são muito
superiores. A seguir fica mais claro o pensamento do Mestre: os mesmos Espíritos
vulgares, quando desencarnados, adquirem normalmente um pouco mais de elevação
do que tinham na Terra, compreendem melhor, sofrem, arrependem-se, corrigem-se.
Tomada essa mesma camada humana inferior e posta, pela desencarnação, no mundo
espiritual, ai "se eleva pouco acima da humanidade". - O Tradutor.
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