Belo ideal
Camilo Silva
Reformador
(FEB) Janeiro 1940
A célebre frase: errare humanum est tem
lata aplicação a tudo o que se refere ao gênero humano, pois, não podemos estender
o olhar a qualquer ponto do horizonte terreno, nem perscrutar as páginas da
história de qualquer época do mundo, sem que vejamos confirmada essa triste e
desconsoladora realidade, isto é, o patrimônio de trevosa ignorância, a passar
de geração em geração, causando todas as desgraças e as mais horríveis
decepções.
Nem assim, porém, a empedernida criatura planetária
procura fugir-lhe.
Entretanto, uma só palavra tudo explica claramente
- o orgulho, o fator principal dos
males que achacam a humanidade. E, se dentro da prolongada noite escura que tem
amortalhado o nosso orbe, aparece, como de fato tem aparecido em todos os séculos,
desde os mais remotos, algum luzeiro, esforçando-se por espargir as suas
centelhas pelo ambiente
que a Providencia lhe permite ou determina abranger, logo mil e um obstáculos
lhe surgem, inúmeros tropeços lhe são colocados no caminho, tentando
impedir-lhe a ação beneficente, a marcha gloriosa, em demanda do objetivo que a
sua missão lhe aponta: - a felicidade de seus semelhantes!
Orgulho! Como é difícil ao
homem terreno abandonar, ou, antes, despojar-se dessa capa tétrica, tecida de
fios coloridos, oriundos de uma planta que nenhum agrônomo ainda pode descobrir
em qualquer campo, ou floresta, nem, tampouco, químico algum, mesmo dos mais
exímios, conseguiu descobrir, no seu laboratório, em qualquer das substâncias,
que manuseia, como capaz de compor essa roupagem de aspecto bizarro, que
apresenta prismas diferentes, conforme a vontade ou o caráter de seu possuidor,
em todos os atos de sua existência. O químico que descobrisse tal essência ganharia,
por certo, todos os lauréis e o agricultor que encontrasse aquela fibra seria
indubitavelmente aquinhoado
com uma soma, em dinheiro, mais vultosa, do que aquele que descobre minas em
suas propriedades!
Sim, é difícil, porque essa vestimenta não
nasce na terra, como, talvez, haja quem julgue. Ela tem sua origem no próprio
espírito, que a foi tecendo, insensível e lentamente, por atos e pensamentos injustos,
por infrações à Lei Divina, devido a se julgar o que não é e a se considerar o único
fator de tudo quanto tem conseguido adquirir, em conhecimentos ou apropriações,
sem admitir, apesar de advertido por outras entidades ou por guias espirituais,
que tudo quanto de bom, de belo e de útil obtemos, devemo-lo sobretudo à
clemencia e onipotência do nosso Criador e Pai - Deus!
Custar-nos-á muito despojar-nos dessa
horrenda roupagem, porque ela não envolve unicamente a parte exterior da nossa
personalidade, mas, todos os tecidos e filamentos do nosso ego real - a alma -
pois que não só reveste, como, penetra todo o
nosso
ser.
Assim, com justa razão, o grande Padre Germano,
nas suas excelentes "Memórias", exclama: - "Os prejuízos de cem séculos não se despem num só dia".
É curioso observar, nos homens, o cuidado, a
atenção, o carinho e o devotamento que prestam a esse dragão infernal -o orgulho!
Orgulho, que todos alimentam com a presunção e adornam com a vaidade, sem
compreenderem que estão nutrindo uma fera, que, mais cedo ou mais tarde, os
maltratará ou devorará sem piedade, fazendo--os sofrer- a maior das decepções e
a mais tremenda das desilusões, que é o tempo perdido, o aviltamento do caráter.
Oh! como somos insensatos! Entretanto, o oposto, a humildade, quase a ninguém
parece interessar! Há criaturas que pensam ser esta virtude uma espécie de
mendiga, que nos deprime e envergonha, se a conduzimos conosco, ou lhe vestimos
o traje... É grave erro pensar assim. A humildade (não a humilhação) é, ao
contrário, uma joia de tão alto preço, que é bem possível não se encontre na
terra criatura alguma, por mais inteligente que pareça, capaz de lhe estipular
o valor real. É que nós, pobres pigmeus, com os olhos muito próximos do solo,
cheios de poeira da estrada
que palmilhamos, poucas vezes os dirigimos para o Alto, buscando compreender
que pertencemos ao infinito. Deixamo-nos facilmente iludir pelas aparências: aí
o nosso erro, daí o nosso fracasso.
Entretanto, quer no campo da ciência, quer no
da virtude, os maiores vultos que deixaram pegadas luminosas no mundo estavam
saturados de humildade. Krishna, na Índia, espelhando o ensino da imortalidade;
Confúcio, na China, fundador de uma religião e de um ideal elevado; Sócrates e Platão,
na Grécia, pregando as reencarnações como purificadoras
do espírito: todos eles e ainda outros, muito antes do Cristo, assim se
mostravam. Depois, os doutros ramos: Galileu, na Itália: Kepler e Goethe, na
Alemanha; Flammarion e Victor Hugo, na França; assim como Kardec, cientista e codificador
do Espiritismo, não esquecendo Roustaing, compilador da magistral obra:
"Os quatro "Evangelhos",
ou "Revelação da Revelação"; W. Crookes, na Inglaterra. Na poesia:
Camões e Junqueiro, em Portugal. Na aviação, Santos Dumont; na ciência, na
literatura e na verdadeira filosofia; Bezerra de Menezes e Bittencourt Sampaio,
no Brasil. Todos estes e outros mais, foram, pela humildade, estoicos e
persistentes no triunfo dos seus ideais. O que, por mercê e graça do Onipotente,
comprova de modo inconteste que até aos planetas de treva e maldade, como a
Terra, descem verdadeiros gênios do saber e da virtude, para destruírem os
tropeços e prejuízos oriundos do orgulho, que tem entravado o progresso moral das
criaturas.
Deixamos para o término do nosso modesto artigo
o vulto excelso de Jesus, o maior expoente do saber e do amor, que à Terra
baixou há quase vinte séculos.
Todo o esplendor da humildade nos
apresentou aquele Espírito sublime, nos seus exemplos e ensinamentos
prodigiosos e dignificantes, que começaram pelo seu aparecimento num curral
escuro de animais domésticos, para finalizar, 33 anos depois, crucificado numa
cruz entre dois delinquentes, quando só o bem havia feito a todos os necessitados!
A humildade - disseram os Apóstolos e Evangelistas a Roustaing - é uma luz que
tudo esclarece; o orgulho, uma treva que tudo obscurece. Seja, pois, a
humildade o nosso mais belo ideal.
Humildade, palavra santa! fonte única de
todas as virtudes. Sentindo-me pesaroso por ainda te não possuir, eu,
profundamente contrito, curvo os joelhos em espírito ante o esplendor de teu
fulgor radiante, almejando que tuas centelhas possam ser lançadas por toda a
face da terra, afim de que as criaturas, envoltas nas trevas do orgulho, consigam
fugir a essa horrível noite e, saturando-se de tua divina essência, ver e
sentir, em todos os
seres e em todas as criações, a encantadora harmonia do universo, ao som da
harpa maravilhosa do Evangelho em espírito, com que o mavioso cantor, Jesus,
inebriando-nos de suas melodias, nos arrebata os espíritos nas asas cândidas da
prece, em direção a regiões mais altas e mais puras, de onde poderemos
contemplar o surpreendente panorama da natureza, glorificando a grandeza de seu
autor - Deus!
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