Do Blog: Apesar de seus quase 75 anos de existência
e colocado aqui fora do período do Natal
permanece verdadeiro
e conforme até nossos dias.
A Paz e o espírito de seita
Reformador (FEB) Janeiro 1943
Como
de praxe e como também o fizeram outros soberanos e chefes de Estado, à recente
passagem do Natal, o Sumo Pontífice falou ao mundo, em geral, e ao mundo católico
em particular, à comunidade religiosa que o tem por chefe supremo, tratando da
paz que há de suceder ao tremendamente mortífero conflito em que na atualidade
se empenham quase todas as nações da terra, exprimindo os anseios de sua alma
de crente por que ela não tarde e apontando bases sobre que repouse, para não
ser efêmera, para não se limitar apenas a uma acalmia durante a qual nova
guerra se prepare, mais devastadora, de resultados mais terríficos.
Escrita
com inegável elevação de vistas, com o senso da responsabilidade que lhe pesa
sobre os ombros de chefe de uma das grandes correntes religiosas, com manifesta
expansão da amargura que lhe vai no íntimo, ante os sofrimentos horríveis de
que se acha presa a humanidade inteira, amargura idêntica a de quantos não têm
vazios do sentimento de solidariedade humana os corações, a mensagem pontifícia
do Natal é um documento expressivo, cuja leitura deixa grata impressão. Claro,
pois, que não é com ânimo de crítica, ou com intuito de assinalar quaisquer possíveis
discordâncias, que ali porventura se possam notar, entre uma que outra
proposição e os postulados evangélicos em espírito e verdade, que traçamos
estas linhas. Ao contrário, se tomamos a liberdade de algo dizer aqui acerca da
mensagem a que temos aludido, é tão somente para ressaltar uma das assertivas
que ela encerra e para extrair dessa assertiva as deduções lógicas e irrecusáveis
que ao nosso ver contém, evidenciando estar nas mãos daquele que a redigiu
constituir-se, em larga medida, fator de uma paz real, que não apenas aparente,
de uma paz qual a que o mundo efetivamente quer, de uma paz que signifique o
passo inicial para o surto de uma civilização de cunho nitidamente cristão. Diz
a mensagem, segundo publicaram alguns o dos nossos diários:
"Todo o mundo deseja a paz; mas, esta paz não
deverá ser externa entre as nações e sim interna, dentro delas todas. Dentro de
cada país devem reinar a união e o amor."
Não
há fugir a reconhecer o acerto dessa proposição. Cumpre, no entanto examiná-la
em todo o seu alcance e tanto mais justo e necessário nos parece que isso se
faça, quanto não pode padecer dúvida que, pensando e sentindo assim o chefe da
Igreja católica, do mesmo modo é natural pensem e sintam os fiéis dessa Igreja.
Ocorre-nos então ponderar que, para existirem no seio das nações a união e o
amor, preciso se torna que este sentimento reine, embora em diversíssimos graus,
dentro de cada um dos indivíduos que as formam e, articulada essa ponderação,
perguntaremos como poderá ele coexistir com o espirito de seita, com o
sectarismo ferrenho, que se caracteriza, em todos os seus gêneros, pela intolerância,
pela exacerbação fanática, que uma das outras afastam, separam as criaturas,
induzindo-as a se anatematizarem e excomungarem reciprocamente, a, por fim, se
odiarem até com fúria.
Do
sectarismo e do espírito de seita que o alimenta é que nascem, não há negar,
mais do que de qualquer outra fonte, os dissídios entre grupos de homens, dissídios
que originam os antagonismos individuais, donde as prevenções, as animosidades,
os rancores entre os povos e as guerras que, vê-se assim, promanam, em última
análise dos sectarismos sempre estreitos, atrofiantes: que somente destroem,
sem nada jamais construírem. E de todos o mais maléfico é o religioso, por
unicamente se comprazer em exercer a sua ação funesta no domínio da consciência.
Nada, realmente, mais difícil de suportar-se do que a opressão da consciência,
do que a pretensão, por parte de quem quer que seja, de a dominar ou subjugar.
Sujeitá-la, seja em nome do que for, é instituir a mais intolerável de todas as
escravidões.
O
homem sente, a bem dizer, instintivamente, que a recebeu livre das mãos do seu
Criador, se é um crente, ou, se não o é, que assim a recebeu da natureza ou de
qualquer outra procedência. Atenhamo-nos a considerar unicamente o primeiro,
pois que como crentes é que nos aventuramos a esta ligeira explanação do
assunto. Além de sentir que o Criador lha concedeu livre, sente o homem e
compreende cada vez melhor que lhe ela foi dada como guia capaz de conduzi-lo
ao longo da trajetória do seu destino, regulado por leis sábias, imutáveis e
eternas, porém guia oculto sempre nos recônditos mais íntimos do eu,
precisamente para poder desempenhar em completa liberdade a sua relevantíssima
função e arcar com a responsabilidade plena da sua ação, no encaminhar a criatura
para o cumprimento dos deveres que lhe decorrem daquelas leis; ou no afastá-la
deles. E não colhe questionar sobre quais sejam essas leis, para debuxar o
quadro dos deveres que elas impõem, quando uma existe que a todas sobreleva,
visto que a todas engloba, ou as consubstancia, como o disse Jesus, que a
formulou nestes termos: amar cada um a Deus acima de tudo e ao seu
próximo como a si mesmo, fazendo consistir nesse duplo amor, ou nesse
amor constituído de duas partes perenemente conjugadas, conforme seu ensino à
Samaritana, todo o culto de adoração devido ao Pai onipotente, porquanto,
segundo também palavras suas, o Deus é Espírito e só em espirito e verdade
deve ser adorado, que tais são os adoradores que Ele quer.
Crer,
portanto, e estabelecer moldes estritos, determinados e inalteráveis para a
observação daquele mandamento e para o culto de adoração a Deus, condenando por
demoníacos todos os demais, como em seu orgulho pretende o espírito de seita,
cortando largo na amplitude do preceito divino, é violar os direitos da consciência,
livre em si mesma, é atentar, por conseguinte, contra o que não se pode deixar
de reconhecer obra de Deus, é obrar em flagrante desacordo com o que prescreve
a sua suprema lei. Não foi, sem dúvida, senão tendo em consideração os sagrados
direitos da consciência que Jesus proscreveu a adoração ao Pai, assim no
templo, como no monte, isto é, adstrita a fórmulas e ritos quaisquer, conforme
o exige intolerantemente o espírito de seita. E tanto mais grave e violento é o
atentado que este último comete contra a consciência humana, com manifesto
desprezo da grandiosa e sublime lei de amor a Deus e ao próximo, prescrevendo
determinados cânones para cumprimento dessa lei e para o culto de adoração da
Divindade, quanto é certo, posto que lá está no Evangelho, que o Divino Mestre
não se esqueceu de indicar e recomendar a única maneira, única porque só ela é
segura e eficaz, para a consecução de tal objetivo, a prática do amor a Deus e
ao próximo, como forma exclusiva de adorar-se àquele em espírito e verdade.
Essa maneira, disse-o Ele, se resume em não fazer ninguém aos outros o que não
queira que lhe façam e em fazer a todos o que deseje lhe façam os outros.
O
espírito de seita, invertendo por inteiro tão sábio quão simples ensinamento,
proclama como regra, em matéria de crença, o exclusivismo, abolindo com isso a
caridade e a fraternidade, que não podem encontrar-se onde não haja bondade,
benignidade, magnanimidade, tolerância, Para que haja caridade e fraternidade, como
expressão de amor a Deus e ao próximo, necessário se torna, portanto, o
banimento do espírito de seita, cuja estreiteza e subalternidade contrastam
chocantemente com a amplidão infinita e a elevação inexcedível do amor, que
Deus solicita de todos os seus filhos.
Assim,
sem a destruição do espírito de seita e a supressão dos sectarismos que dele
derivam, não haverá paz entre os indivíduos e, não havendo entre estes, não
poderá ela reinar entre os povos, entre as nações, entre as raças humanas.
Filho do orgulho e da presunção, o espírito de seita não consente aflore nas
almas a virtude da humildade, refulgente aureola do verdadeiro cristão, como o
demonstraram Jesus e os que com Ele colaboraram no desempenho da sua missão
redentora. Somente, pois, resistindo a esse espírito, sob todos os aspectos que
assuma, sobretudo nas suas ânsias de conquista das glórias e grandezas
mundanas, de domínio pela aquisição de riquezas materiais, de sujeição das consciências;
somente laborando pela erradicação de todas as ervas venenosas que ele semeia
no campo do Senhor, que são as almas, se trabalhará pela implantação definitiva
da paz na Terra. Fugaz e ilusória será ela, enquanto não tiver por alicerce a
fraternidade, que implica tolerância e benevolência. Por isso mesmo, a fraternidade
fenece e morre, onde quer que floresça o tacanho espírito de seita, seu maior
inimigo.
Encastelado
em proverbial e férrea intolerância, produzindo um sectarismo que oblitera a
razão e dissipa toda noção de justiça, cogitando tão só de investir contra a
consciência e os sentimentos espontâneos do espírito, ele desata perseguições
morais de toda ordem, quando não físicas também, que dão causa a reações
geradoras de indiferenças, de separações, de desarmonias e discórdias, de
desamor e, por fim, de ódios, que a seu turno geram as lutas individuais e as
guerras internacionais.
Ora,
como no campo das religiões é onde medra com mais exuberância o espírito de
seita, temos para nós que a ninguém cabe melhor, nem ninguém se encontra em
posição mais propícia para livrar esse campo da germinação de tão danosa
semente, do que os chefes das mesmas religiões, bastando, para o conseguirem,
que prescrevam com a alta autoridade de que desfrutam a exemplificação da tolerância,
da benevolência, da magnanimidade, em matéria de fé ou de crença, exercitando
essas virtudes sob a égide e o influxo do amor a Deus e ao próximo, com o que
restituirão ao termo religião o seu significado legítimo. Indubitavelmente,
agindo nesse sentido, eles se tornarão os fatores principais, senão exclusivos,
da paz por que anelam seus espíritos e os dos que, formando grande maioria
entre os fiéis de suas igrejas, fortemente já propendem para a verdade e para o
bem, que é da sua substância.
Praza
àquele a quem daqui nos dirigimos, como a um irmão em Deus, relevar-nos o
termos buscado para assento destas despretenciosas e rápidas ponderações
algumas breves linhas da sua mensagem do Natal e tolerá-las benévolo, levando
em conta ter sido esse mesmo Natal, o mais sublime dos eventos que os fastos
humanos registram, por significar afirmativa iniludível da redenção da
humanidade, o que nos moveu a escreve-las, pensando nos obstáculos imensos que
a essa redenção creia por toda parte o espírito de seita, criando-os para a
edificação do reino de Deus nos corações de seus filhos.
Certos de que as palavras daquelas poucas linhas serão
compreendidas em espírito e verdade, de acordo com o sentimento cristão que as
inspirou, certos também estamos de que os sinceros anseios de paz para a terra,
que elas traduzem e que são os que, no atual momento, fazem palpitar vivamente
os corações bem formados, constituirão nestes um antemural ao espírito de
seita, que de tempos imemoriais perturba o mundo, e representarão, em consequência,
um elemento de construção da verdadeira paz, da paz que resulte da efetiva
cristianização dos espíritos.
Bem hajam todos quantos, não apenas por palavras, mas pela
mobilização de grandes, alevantados e nobres de sentimentos substancialmente cristãos,
trabalhem a prol de tão sublimado ideal, de união e amor entre os homens e as
nações, trabalhando, do mesmo passo, por que dentre as criaturas banido seja, graças
ao poder do espírito do vero Cristianismo, esse "príncipe do mundo",
o espírito de seita. Reservado lhes estará gozarem do jubilo indizível de verem
seus nomes escritos nos céus em letras luminosas, como o tiveram os seus
aqueles que, outrora, invocando o de Jesus, expeliam dos possessos os "demônios".
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