Espiritismo –
Parte 6
por José Amigó y Pellicer
Reformador
(FEB) Julho 1954
(Traduzido do livro
‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo
autor)
Pretendem alguns, com certas
aparências de razão, que ao calor das doutrinas espíritas tomam corpo ridículos
fanatismos; tão contrários ao bom senso filosófico quanto à santidade da moral,
muitas superstições perigosas, a cuja generalização se devem opor os
verdadeiros amantes do progresso. Vangloriamo-nos de ser amantes do progresso e
termos vindo para combater as superstições e abusos; que o digam o fanatismo
católico e o mercantilismo ultramontano, cuja perniciosíssima influência francamente
procuramos minar e destruir.
Guerra ao fanatismo! guerra à
superstição! é o mote que adotamos para divisa de nossa propaganda e não
havemos de desmenti-lo, quer se trate da escola espírita, quer da ultramontana.
Sim, guerra à superstição! seja qual for a sua procedência, o seu colorido, o seu caráter. Seu hálito imundo mancha tudo em que toca, e é preciso destruÍ-Ia a todo transe.
Mas, será certo que do Espiritismo
nasçam crenças supersticiosas, dignas de reprovação?
É uma questão para nós de transcendental
importância, de primordial interesse, porque a superstição só pode ser filha do
erro, e nós não defendemos o Espiritismo senão pelo considerar a verdade filosófico-religiosa
de nossos tempos e o mais eficaz demolidor dos fanatismos, a nós legados pela
opressão da Idade Média.
Depois do que dissemos, estudando o
Espiritismo em todos os seus aspectos, depois de havermos demonstrado que, como
religião, ele é o Evangelho e a caridade e, como filosofia, a única solução
racional dos mais árduos problemas entregues à investigação dos homens, bem nos
poderíamos escusar de entrar em novas considerações relativas, antes que à bondade
de seus princípios, à sua mais ou menos acertada tradução na prática; apesar
disso, ainda nesse terreno temos de seguir os nossos detratores, já por
estarmos intimamente persuadidos de que os vícios que deploram nada tem que ver com o Espiritismo prático, já
porque assim se nos oferece uma ocasião oportuna de condenar ante a opinião
pública certas corruptelas, filhas da ignorância ou jesuiticamente arquitetadas
e que fazem passar como fatos do Espiritismo,
a fim de atrair-lhe a odiosidade das pessoas sensatas, Urge dizer a verdade,
mas toda a verdade, nesse vital assunto, sem considerações e nem contemplações
que redundem em prejuízo da ideia; estabelecer um cordão sanitário, um ante muro
que defenda nossas doutrinas de tanta imputação caluniosa, como propalam os
nossos naturais adversários.
A escola espírita não pode, não deve
consentir, sem formal protesto, que continuem por mais tempo a ignorância e a
malícia usurpando o nome do Espiritismo
para sancionar aberrações, necessidades, fanatismos, embustes, espetáculos
grotescos que só provocam o desprezo ou o sarcasmo. É isto exatamente o que o
verdadeiro Espiritismo, o Cristianismo filosófico, condena e condenará sempre
com a inflexibilidade de sua moral e a majestade de seus luminosos ensinos.
Há certos intitulados espíritas que,
julgando virtude a ignorância e crendo que o céu é o patrimônio dos néscios,
olham com aversão para os livros e revistas onde poderiam ilustrar-se, e se
compadecem sinceramente dos que se dedicam à leitura e ao estudo. (1) Toda a
sua ciência consiste em duas dúzias de versículos da Bíblia, nem sempre
expostos com a fidelidade e a oportunidade convenientes. A ser real a
intervenção que dão aos Espíritos em seus atos individuais, obrariam antes como
autômatos que como criaturas dotadas de liberdade; o que pensam, o que falam, o que fazem, o
fazem, falam e pensam por- inspiração dos Espíritos. Distinguem com o
qualificativo de imundas muitas
carnes e bebidas, o caranguejo, algumas espécies de moluscos, assim terrestres
que aquáticos; inclusive o caracol e o calamar, e todos os licores e bebidas
fermentadas, sem excetuar o vinho comum e a cerveja; e se guardam muito de contaminar-se
com tais alimentos e bebidas, quando não se achem comendo e bebendo entre gentios que é como eles apelidam os
profanos. Reputam idólatra tanto aquele que entra num templo para orar, como o
que tem em sua casa, uma imagem qualquer representando algum ilustre benfeitor
da Humanidade, levando ainda alguns o seu puritanismo a ponto de olhar com
aversão os retratos fotográficos. Rechaçam a medicina como inútil, confiando
aos Espíritos a cura de todas as suas enfermidades; sua panaceia universal é a
água evangélica ou evangelizada que preparam por meio da oração e aplicam
interna e externamente. Não há enfermidade nem mal curável que resista à
benéfica ação dessa água prodigiosa. São geralmente simples, compassivos e
benéficos. Costumam reconhecer um superior entre eles, espécie de santão ou
profeta, que tanto pode ser um homem de bem, como um consumado tratante,
instrumento quase sempre, em um e outro caso, de influências jesuíticas. É impossível
dissuadi-los de seu fanatismo e erros pois submetem todos os seus juízos à
resolução infalível do santão, que é o órgão do pensamento de todos.
(1) Não falamos
figurativamente.
(2) Não há o
menor exagero nessa rápida resenha, escrita à vista de dados recolhidos por nós
mesmos e por pessoas cuja veracidade é para nós de toda a confiança.
Há outros que fazem
consistir o Espiritismo na evocação. Nem mais nem menos que se todo o mundo
espiritual estivesse sujeito è sua vontade e caprichos, prometem à desconsolada
mãe notícias imediatas e autênticas de sua perdida filha, à filha de sua mãe,
ao esposo de sua esposa. Reúnem-se e celebram suas sessões com aparato teatral e
certa misteriosa gravidade, que faz lembrar a trípode da sacerdotisa de Apolo e
a árvore sagrada dos druidas. Ali alternam as contorções dos possessos com os chamamentos aos Espíritos
de mais renome e elevada hierarquia, aos quais conjuram para que deem solução a
difíceis problemas ou descubram os arcanos do porvir. Tratam os Espíritos
vulgares como de superior a inferior, de mestre a discípulo, de confessor a
penitente, obrigando-os a manifestarem suas inclinações, pensamentos, vícios,
virtudes e propósitos. Não pensam em estudos úteis, mas somente em fenômenos. A
sessão aproveitável e deleitável é aquela em que houve maior número de
possessos, e em que foram mais frequentes as convulsões epilépticas.
Outros aspiram a exercer em sua nova
igreja as funções que os sacerdotes católicos exercem na sua. Batizam, casam,
enterram, tudo, já se sabe, Com a intervenção de algum médium; e não será
estranho, dada a sua predileção pelas práticas sacerdotais, que amanhã introduzam
nas suas a confissão auricular. Não lhes
hão de faltar versículos da Bíblia para apoiarem esta e outras ridículas
inovações. A vertente das superstições é assaz resvaladiça e, uma vez nela, posto o pé, só por um milagre se poderá ser
detido antes de chegar ao fundo do abismo.
Outros, finalmente, julgam que ainda
se pode vantajosamente explorar a ignorância, e se oferecem, em espetáculo
público retribuído, como médiuns de efeitos físicos, não mais que
prestidigitadores e charlatães. Seu fim é viver à custa do próximo, e o conseguem
fazendo da curiosidade ou da credulidade dos outros o seu gênero de negócio. Pouco
lhes importa que lhes arranquem a máscara, contanto que o embuste lhes renda.
Uma vez conhecido o jogo e explorado o público, carregam com os utensílios do
ofício e vão com a sua música para outro ponto. São esses os fanatismos,
aberrações e necedades que atribuem ao Espiritismo seus apaixonados detratores.
Mas o Espiritismo rechaça semelhante paternidade e, ainda, em muitos casos,
poderia com justiça devolvê-la; porque, quem, senão os inimigos de uma ideia,
procurarão ridicularizá-la e prostituí-la ? Serão, porventura, desconhecidos os
maquiavélicos procedimentos do jesuitismo que se introduz nas lojas para
destruir os planos da maçonaria, que se faz revolucionário para desviar a
revolução; que envia seus satélites aos centros espíritas para impeli-los às
maiores extravagâncias? Não se esqueçam desta insinuação os centros de
propaganda; quando apareça em seu seio algum desses indivíduos suspeitos que, possuindo
uma inteligência clara, procura distraí-los de seus propósitos racionais,
despeçam--no com a maior cortesia, e enviem-no ao general de sua ordem, para
que lhe dê um emprego mais honroso.
Além disso, a que título se apelidam
espíritas os que se entregam a práticas que o Espiritismo condena? Sê-lo-ão
teóricos? Não, porque, nem conhecem as doutrinas da escola nem se dão ao
trabalho de estudá-las. Se-lo-ão práticos? Tão pouco, porque a prática do
Espiritismo é a moral cristã, e esta repele suas extravagantes corruptelas. Não
basta para ser espírita aceitar a existência dos Espíritos e a revelação;
precisa-se de certo bom senso para compreender que solidariedade se pode
racionalmente admitir entre os Espíritos e os homens, e uma dose não escassa de
sentimento para gozar ou sofrer com os gozos ou sofrimentos dos outros. O Espiritismo
é a ciência, é a revelação, é a caridade; mas a ciência humilde que busca Deus
e os puros gozos do entendimento nas harmonias da natureza; a revelação majestosa
que fecunda todos os germens de vida e de virtudes latentes no seio das
gerações humanas; a caridade nobre, expansiva, tolerante e universal, que olha
para todos os tempos, estende a todos os mundos e abraça todas as humanidades.
Ó vós que, talvez sem conhecê-lo,
lançais vossos anátemas contra o Espiritismo! Se quiserdes ser justos, não o busqueis
nas práticas extravagantes de alguns iludidos ou mal aconselhados, inspiradas
pela ignorância ou pela malícia. Sua filosofia, achá-la-eis em sua imensa
literatura. Sua revelação, filha da ação providencial, progressiva como o
entendimento humano, achá-la-eis nos grandes ensinos dessa moral eterna, cujo
desenvolvimento histórico começa, relativamente a nós, nos pés do Sinai. E suas
práticas, achá-las-eis no trabalho honroso, no exercício das virtudes
domésticas e sociais, na beneficência, no perdão das ofensas, no amor, na
abnegação, no sacrifício voluntário de tantos benfeitores da Humanidade que
deram a sua liberdade e a sua vida nas aras da emancipação e felicidade de seus
irmãos.
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