Espiritismo –
Parte 4
por José Amigó y Pellicer
Reformador
(FEB) Maio 1954
(Traduzido do livro
‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo
autor)
Dentro do Espiritismo, a religião
consiste na moral e somente na moral; porque a moral é o cumprimento do dever e
somente por esse meio o homem pode aproximar-se da sua felicidade e de Deus.
Por isso a religião se há de
estribar nessas três grandes afirmações, nesses três grandes princípios
fundamentais: Deus, a alma imortal e livre, prêmios e castigos espirituais na
justa proporção dos merecimentos; porque, sem a aceitação dessas verdades
fundamentais, à moral falta a base, e a vida humana, mesmo dos seus mais nobres
exercícios, cai toda sob a jurisdição da mecânica.
Convém distinguir entre o
Espiritismo prático e o teórico, religião e filosofia. O primeiro é a moral em
ação, o segundo investiga os fundamentos da moral. O Espiritismo teórico estuda
as leis do progresso do Espírito, o prático realiza esse progresso. Pelo
teórico entramos no conhecimento de que uma inteligência infinita governa tudo,
de que somos eternamente perfectíveis e, portanto, imortais, de que o nosso
porvir será o fruto de nossas obras presentes; e pelo prático adoramos a Deus e
amamos os nossos semelhantes, lavrando assim a felicidade em nosso espírito,
Não há dúvida de que a prática se
avantaja muito sobre a teoria, debaixo do ponto de vista do progresso
individual: mas a teoria é quem principalmente há de destruir os antigos erros
e derramar pela convicção as crenças que hão de levantar o novo templo.
O Espiritismo, como religião, está
explicado e sancionado nas seguintes palavras de Jesus: "Crede-me, que vai chegar a hora em que não
mais adorareis o Pai nesta montanha ou em Jerusalém. Será a hora em, que os
verdadeiros admiradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (João, IV,
21 e 23)
Nos primeiros séculos das
civilizações, os povos têm necessidade de materializar a adoração, a fim de que
penetrem pelos olhos do corpo as primeiras noções da Divindade, quando os da
alma estão cerrados a tudo o que não seja concupiscência e egoísmo. Um altar de
pedras amontoadas no cume do monte e mais adiante um templo artisticamente
fabricado na cidade, poderão ser considerados como alma e templo dignos da
majestosa Sabedoria na qual, segundo a expressão de São Paulo, somos, nos movemos e vivemos?
De nenhum modo; o altar simboliza o
sacrifício, e o único sacrifício grato aos olhos divinos é o de nossos
protervos apetites; o templo simboliza a elevação do sentimento, o incenso de
nossa gratidão, e o Ser supremo tem direito a que as criaturas cantem sua
glória de todos os pontos da Terra e de todos os mundos do espaço.
Para essa adoração em espírito e em
verdade o altar não pode ser outro senão o coração do homem; nem há outro
templo digno de tanta grandeza senão o Universo em toda a sua inefável
imensidade. Isso exprimiu Jesus, e isso é o Espiritismo em seu aspecto religioso,
Sim, é isto o Espiritismo, apesar de tudo o que diz em contrário a escola
clerical, que vive à custa dos altares de pedra. A eles ela se aferra como o
avaro ao seu tesouro, como náufrago à única tábua que vê flutuar sobre as
águas. Mas o mundo marcha disse
Pelletan em gráfica expressão, e os ultramontanos não poderão deter a marcha do
mundo. Seu conceito religioso, cada dia mais estreito e egoísta, amesquinha o
altar e o templo e amesquinha a Deus. Sua adoração é uma mal dissimulada
idolatria; seu fim, o domínio universal. Impotentes para a discussão, fazem
consistir o bom êxito de seus manejos na opressão das consciências, Empunham o
fuzil do faccioso ou o bordão do romeiro, segundo convém aos seus planos a
violência ou a hipocrisia. Ah! os ultramontanos não constituem uma escola nem
tão pouco uma igreja; eles formam antes uma internacional
perturbadora, uma falange belicosa, inimiga da ordem pública, contrária ao
direito, à justiça, à liberdade e à cultura dos povos.
O conceito religioso do Espiritismo
é a adoração em espírito e em verdade, qual a entendia e pregava Jesus, nosso
mestre.
Precisamos demonstrâ-Io?t Pois nós o
fazemos consignando que o Espiritismo é o sermão da montanha e o amor a Deus e
ao próximo, resumo de todas as prédicas de Jesus. Reptamos os detratores do
Espiritismo para nele indicarem um só ponto que contrarie a doutrina da
redenção tão sabiamente exposta nas Bem-aventuranças e no capítulo XXII de São
Mateus. E como são os ultramontanos os nossos mais apaixonados adversários,
vejamos se é a nossa ou a sua moral a que se afasta do Evangelho, para o que
vamos colocar uma em frente da outra, tomando para termo de comparação a moral
do Cristianismo.
Os ultramontanos de hoje são os
fariseus da época de Augusto. Alardeiam ser os mais escrupulosos cumpridores da
lei e não cessam de cantar seus próprios merecimentos e virtudes.
Tem dois céus, um na Terra para eles
e o outro, não sabemos onde, para os outros. Seu reino é deste mundo, riquezas,
comodidades, deleites, consideração e fausto; o espiritual eles o reservam para
as ovelhas obedientes, para os cândidos que os reconhecem como guias infalíveis
das almas. Sua moral lhes permite preparar, acender e alimentar fogueiras, onde
ardam em antecipado inferno vítimas humanas, guerras desoladoras que mergulham
os povos no desespero e na miséria. Têm maldições e anátemas para quem pregue a
fraternidade universal, e sentimentos de tolerância e perdão para os
incendiários e assassinos, quando o assassínio se chama fuzilamentos de
liberais e o incêndio recai sobre povos que não abriram suas portas às ferozes
hordas ultramontanas. Leiam seus órgãos na imprensa, e verão que não tiveram
uma palavra, uma só palavra de censura contra os perpetradores dos crimes
consumados em Igusquiza, em Igualada, em Cuenca, em Olot, e ensurdecem o Céu e
a Terra, com os seus clamores, quando alguém se atreve a duvidar da
legitimidade do dízimo ou a dificultar alguma de suas romarias onde a piedade
aparente serve de máscara a nefandos propósitos, a planos liberticidas e
criminosos.
A eles convêm perfeitamente as
palavras de Jesus: “Este povo me honra
com os lábios; mas o seu coração está longe de mim” e em vão me honra ensinando
doutrinas e mandamentos dos homens”, (Mateus XV, 8 e 9.)
Nisto se distinguem os ultramontanos
e se avantajam a todos os cultos nascidos da árvore do Cristianismo; é que eles
multiplicaram os mandamentos até desnaturar completamente a árvore do
Evangelho.
O Evangelho está edificado sobre o
amor, sobre a humildade e sobre o perdão; e a moral ultramontana sobre o temor,
o egoísmo, o orgulho e o anátema; o primeiro estabelece como lei de perfeição a
prática da caridade; o ultramontanismo antepõe-lhe as cerimônias exotéricas.
Jesus disse: “Embainha a tua espada; porque os que com a espada ferem, por ela
morrerão.” (Mateus XXVI, 52), os ultramontanos, ao contrário, asseveram que
só é licito, mas obrigatório, desembainhar a espada a favor ou contra os
príncipes do mundo, segundo convenha à seita. “O que quiser ser o primeiro., faça-se servo dos outros” (Marcos, X,
44); os ultramontanos, porém, desprezando esse ensino, estabeleceram primeiro,
segundos e terceiros. "Dai de graça
o que de graça recebestes. Não possuais ouro nem prata nem dinheiro em vossos alforjes"
(Mateus X, 8 e 9); a isso respondem os nossos fariseus pondo à venda todos os
serviços espirituais e enriquecendo às vistas das gentes. Amaldiçoam a quem
quer que ouse revelar ao povo sua avareza e seus abusos puníveis, lançando ao
esquecimento as máximas evangélicas com que Jesus lhes prescreveu perdoar às
ofensas até setenta vezes sete vezes (Mateus. XVIII, 21 e 22).
E são esses os que se escandalizam
do Espiritismo, como os escribas e fariseus se escandalizavam das verdades que
Jesus derramava. Do Mestre disseram que era um impostor e que obrava em virtude
de Belzebú, príncipe dos demônios (Mateus XII, 24); não é, pois, de espantar
que digam outro tanto dos apóstolos da Boa-Nova os fariseus e escribas de
nossos tempos. Reproduzem-se os mesmos efeitos, porque as causas são as mesmas.
O Espiritismo, como Jesus, condena
as exterioridades (Mateus VI, 1 e seguintes) e aplaude a adoração em espírito e
em verdade; recomenda, como Jesus, a oração à porta cerrada e, em seguida, como
muito superior à oração pública nas sinagogas (Mateus VI, 6 e seguintes); faz
depender, como Jesus, toda a lei e os profetas do amor a Deus e ao próximo
(Mateus XXII, 37, 39 e 40), e promete,
como Jesus, a salvação e a felicidade, não aos cumpridores das fórmulas, mas
aos que praticarem obras de misericórdia. Porque
deste de comer ao faminto e de beber ao sedento, hospedastes aos peregrinos, vestiste
aos nus e visitastes o enfermo e encarcerado, vinde benditos de meu pai possuí
o reino que vos está preparado desde a
criação do mundo (Mateus. XXV, 31 e
seguintes). Este, e não outro, é o conceito religioso-moral do Espiritismo,
conforme em tudo com a moral evangélica, apesar do quanto em contrário propalam
os que fingem não conhecê-lo para terem ocasião de caluniá-lo.
Mas, será só isso o Espiritismo?
Certamente não, como o Catolicismo não é somente o dogma. O Espiritismo é religião e é filosofia, e no
presente parágrafo só o estudamos em seu aspecto religioso, a fim de fazer
ressaltar a injustiça com que o tratam os doutores do Catolicismo oficial. Quem
já os não ouviu qualificar de monstruosa, de obra infernal, a moral espírita?
Que consciência timorata não se sentiu ainda dominada de formidável pavor ao
ouvir que, do fundo das iniquidades do século, acabava de surgir uma seita
estreitamente ligada, por meio de tenebrosos pactos, com o próprio diabo para
acabar com a Igreja? Que fanático já não viu em sonhos o aspecto do Espiritismo
como um fantasma descarnado, rodeado de serpentes, vomitando fogo, fendendo os
ares nas costas de um dragão descomunal ou de um medonho morcego? Pois bem, é
preciso que os mais timoratos se persuadam de que o aspecto religioso do
Espiritismo nada tem de iníquo e horripilante, de que a sua moral e a do
Evangelho, e de que ele não vem destruir a religião, mas combater o tráfico
religioso.
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