Espiritismo –
Parte 2
por José Amigó y Pellicer
Reformador
(FEB) Março 1954
(Traduzido do livro
‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo
autor)
Que é o Espiritismo? Um sistema
filosófico que estabelece, como o espiritualismo, além da existência de Deus,
Ser de natureza incompreensível, a de seres distintos dos corpos e de uma ordem
superior, nos quais residem, em grau mais ou menos adiantado de
desenvolvimento, a inteligência, a vontade e o sentimento; esses seres,
imortais por sua natureza, são os mesmos que animam os organismos humanos, dos
quais se separam, quando a morte sobrevém.
Admite também a solidariedade universal
desses seres dentro da criação, e afirma que podem entrar e entram em
comunicação uns com os outros, por meios às vezes conhecidos e às vezes
desconhecidos, mas sempre naturais.
Deus, inteligência suprema, causa de
todos os seres e fonte de toda a realidade; a criatura racional, inteligência
relativa, perfectível, emanação de Deus; atração recíproca, pelo amor, dos
seres inteligentes, espíritos eis aí
os princípios capitais da Filosofia Espírita, dos quais são derivações lógicas
todas as doutrinas que ela ensina.
O Espiritismo, pois, está firmado
sobre a existência de Deus e dos Espíritos e sobre a comunicação recíproca dos
seres espirituais.
Para julgar da solidez do edifício
convirá em primeiro lugar examinar a solidez dos alicerces; na certeza de que
se estes fossem falsos, a obra careceria de estabilidade e facilmente viria ao
chão.
Deus é a verdade fundamental, porque
é a única verdade absoluta, sem a qual não há filosofia possível. A filosofia é
o conhecimento das coisas por suas causas e seus efeitos, e claro está que,
faltando uma verdade fundamental, uma causa primária a que referir as causas
secundárias, a filosofia teria de girar necessariamente em um círculo vicioso,
explicando os efeitos por outros efeitos e estes por outros, até chegar a um
efeito sem causa. Será a matéria essa verdade fundamental, essa causa primária?
Não, por certo; a matéria segue suas
incessantes evoluções fatalmente impelida pela força, que não pode ser uma propriedade sua, porque aquela é regida
por esta. Do mesmo modo que não é uma propriedade da folha da árvore o sopro
que a põe em movimento; assim não é uma propriedade dos átomos o sopro que os
aproxima ou separa. Será a força aquela verdade fundamental? A força, por sua
vez obedece a leis matemáticas, as quais de nenhum modo se pode subtrair, e
essas leis, sabiamente concebidas e infalivelmente ordenadas, acusam a
realidade de uma inteligência suprema; esta e não outra pode e há de ser a
verdade fundamental de toda a filosofia.
A existência de Deus não é uma
verdade exclusivamente metafísica, mas pertence, de certo modo, ao domínio da ciência
experimental. Como conhecemos a existência do fluido eletro-galvânico pelo
estudo dos fenômenos que se produzem com o auxílio da pilha de Volta, assim
sabemos que Deus existe pelo estudo e análise dos seres. Haverá, porventura, no
universo uma partícula, uma molécula, um átomo, que não circule obediente a uma
força com inteligência dirigida, a um plano sabiamente preordenado? E se na
análise dos seres não encontramos um só no qual não obre uma atividade matemática,
inteligente, poderemos racionalmente duvidar de que existe um poder, uma
virtualidade inteligente universal, que preside ao cumprimento das leis
naturais, e que é a alma, o espírito da Criação?
A observação, porém, nos ensina que,
além da substância inteligente universal, da alma da Natureza, existe uma
infinidade de individualizações de outra substância, também inteligente, com
aptidões limitadas, emanação da Inteligência suprema, individualizações que se
manifestam na Terra por meio de organismos aos quais animam, como a
inteligência infinita anima o universo. E do mesmo modo que não se perde na
criação nem se aniquila, um só dos átomos materiais, também não se perderá um
só dos inteligentes, os espíritos.
Não há razão plausível fundada na natureza para que, sendo eternas as unidades
atômicas, deixem de sê-lo as unidades espirituais. O que a experiência ensina é
que umas e outras evolucionam constantemente, entregues à lei das
transformações, que é a lei eterna do progresso.
Cada um tem em si mesmo a evidência
da existência do espírito; porém os materialistas afirmam que a causa do
espírito é a matéria, que as funções do espírito não são mais que resultados
fatais de propriedades da matéria, convenientemente disposta; de modo que
átomos, sem serem inteligentes nem com inteligência dirigidos, se combinam de
sorte que chegam a produzir o pensamento. Dirão que semelhantes combinações
procedem de uma lei, e que essa lei é uma propriedade da matéria.
Assim, nesse caso, chegaremos à
conclusão de que a matéria, carecendo de vontade e pensamento, deu a si mesma
uma lei sapientíssima e infalível, em virtude da qual combina e elabora seus
inconscientes elementos e produz a consciência. Querem alguma coisa mais ilógica,
mais anti-científica, mais disparatada, mais absurda? E como as sábias leis
universais e as manifestações inteligentes individuais não podem ser
propriedades da matéria, mas efeitos de causas inteligentes, resulta que há uma
Inteligência Universal animando a
criação, e uma multidão inumerável de inteligências
relativas ou limitadas, individualizações de uma substância ativa, distinta
da matéria, Deus e os espíritos.
Nisso se conformam todas as escolas
espiritualistas, qualquer que seja a sua comunhão religiosa; mas o Espiritismo
quer mais alguma coisa, e essa alguma coisa é o cavalo de batalha, a linha que
divide em dois campos os que militam sob uma bandeira comum.
Essa linha divisória é a comunicação
espiritual.
Dizem os espíritas: Supondo que as
almas vivem depois da decomposição dos organismos que animaram na Terra,
compreende-se, sem dificuldade, que se podem aproximar de nós e comunicar-nos
por um meio ou outro seus desejos e pensamentos. Porventura romper-se-ão todos os
laços espirituais com a decomposição do corpo? Não deixarão os Espíritos, no
mundo, afetos, simpatias, seres amados, que hão de exercer sobre eles uma
atração irresistível? Não irão em busca desses seres que tanto amaram e com
quem compartilharam suas alegrias e suas penas? E se a ocasião se lhas oferecer
de manifestar-lhes sua proximidade ou fazer-lhes sensível a sua presença, não
acharão nisso um vivo prazer, uma satisfação inefável?
Os Espíritos não são livres,
replicam uns; seu destino é definitivo depois da morte: ou o céu com os seus
sempiternos gozos, ou o inferno com as suas chamas inextinguíveis. Soberba
objeção! Mas, donde tiraram certos espiritualistas esse céu e esse inferno
localizados, em que as almas permanecerão eternamente confinadas? Que grosseira
e pobre concepção formam do Espírito, aqueles que fazem depender de um lugar os
deleites e os sofrimentos morais! Qualquer que seja a fonte onde tenham bebido
semelhante concepção, em relação ao destino dos seres espirituais, suas
afirmações chocam a sã razão e não resistem ao mais ligeiro exame da crítica. O
que o bom senso ensina a esse respeito é que tanto a felicidade quanto o
sofrimento dependem da harmonia ou do desequilíbrio moral dos Espíritos,
conforme o seu estado relativo de progresso, e que eles têm em si mesmos,
independentemente da região do espaço em que se achem, o inferno de seus
remorsos, se infringiram as leis da consciência, ou o céu de sua ventura, se
derramaram o bem a mãos cheias. O céu da filosofia é a inefável satisfação que
experimenta o justo pelas bênçãos que o seguem, pelos amores que o acompanham,
pela contemplação das belezas que o rodeiam, pela liberdade de que goza, pelas
esperanças de um porvir mais venturoso dentro do livre cumprimento de seus
deveres; e o inferno, a aterradora lembrança dos crimes, o eco das maldições, a
obscuridade, o Insulamento, a necessidade de recomeçar a prova e reparar as
injustiças, a convicção de se haver apartado do caminho que conduz à posse da
felicidade e do amor.
A comunicação entre as almas dos que
morreram e os homens é impossível dizem outros; entre o espiritual e o corpóreo
não se concebe meio de relação. Não se concebe meio de relação! Poderá
desconhecer-se o meio, mas a experiência demonstra que a relação existe e que a
substância espiritual obra sobre a matéria corpórea.
Não vemos nas leis universais a
atividade incessante do Espírito supremo obrando sobre a natureza sensível? Não
se serve dos órgãos do corpo para as suas manifestações o espírito do homem?
É, portanto, à plena luz, infundada
a teoria que nega aos Espíritos a faculdade de se revelarem aos homens, supondo
que não possa haver laço de relação entre o mundo espiritual e o corporal.
Aos espiritualistas que aceitam como
autoridade indiscutível as Sagradas Escrituras, recomendamos a leitura do capítulo
V de Tomás, capitulo IV de Job, XLVI do Eclesiástico, VIII, XX, XXX e XXXVII de
Isaías, XXX de Jeremias, II de Ezequiel, VIII, IX e X de Daniel, II de Joel, XI
de São Lucas, VI, X, XI e XVI dos Atos dos Apóstolos, II de São Paulo aos FiIipenses,
as Epístolas e o Apocalipse de São João, e em todos esses lugares, além de
outros mil que poderíamos citar, acharão as mais terminantes provas da
realidade da comunicação espiritual, tal o Espiritismo a entende.
E se ao testemunho das Escrituras quiséssemos
juntar o testemunho humano, citaríamos centenas de livros em que se faz constar
a realidade do fato, e dúzias de periódicos que o atestam com a autoridade de
uma multidão de pessoas pertencentes a todas as classes e categorias sociais.
Demonstrada a possibilidade da comunicação
entre os mundos espiritual e corporal, o testemunho humano e o dos
historiadores sagrados têm uma força incontestável.
Desse modo os princípios
fundamentais da Doutrina Espírita se fundamentam nas ideias sancionadas pela
autoridade humana, no testemunho religioso e na critica filosófica.
A isto se deve que militem nas
fileiras do Espiritismo, cada dia mais numerosas e compactas, homens eminentíssimos,
de conhecida reputação científica, verdadeiros luminares da humanidade,
procedentes de várias igrejas, formados em diferentes escolas e espalhados por
entre todos os povos cultos. Já se devem ir persuadindo os interessados
detratores da nova ideia da ineficácia de seus esforços para apaga a
esplendorosa luz que começa a brilhar sobre o escuro fundo dos erros passados.
Toca a seu termo a infância dos povos e com ela a tirania dos que medravam com
prejuízo do progresso.
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