Preito a Allan Kardec
José
Petitinga
Reformador
(FEB) pág. 312 ano 1917
Mestre,
escuta-me.
São
decorridos trinta anos.
Circundado
de bênçãos e aureolado de glórias, tinhas tu, já algum tempo, volvido ao
espaço, a fim de dares conta da árdua missão de que foras investido pelo
Cristo, quando eu, que te não conhecia ainda, me achei um dia,
vacilante e trôpego, numa azinhaga tortuosa e escura, estranho aos esplendores
da Natureza, sem prever onde terminaria a escabrosa senda.
Aguçados
espinhos rasgavam-me as plantas e as vestes, enquanto me fustigava o corpo
mórbido a ventania rábica, ameaçando apagar n’alma para aclarar os meandros da tenebrosa jornada.
Eu
chorava e blasfemava às vezes.
Sentia
fome e sede... fome de saber e sede de Amor. Mas os raros frutos que pendiam de
ramos enfezados eram venenosos e amargos, como amargo era, a linfa estagnada que
no caminho havia.
Pensei
em retroceder; mas a Infância, de onde partira, estava tão distante...
Onde me achava eu?
Na
Mocidade.
Mocidade!
Essa fase da vida para mim não teve
atrativos. Lembro-me dela sem saudade. As flores cândidas de uma crença ingênua
que me perfumara a adolescência; o sopro de tumultuosas paixões tinha varrido o meu caminho
...
Era
angustiosa a minha situação.
A
dúvida, precursora da descrença e do desânimo abeirava-se de mim, crocitando
como abutre faminto.
Ideias
confusas me assaltavam.
Gemidos
e imprecações chegavam-me aos ouvidos misturados com gargalhadas sardônicas e
palavras cínicas cheias de um ateísmo revoltante.
Quase
à minha frente, numa curva do caminho vi subitamente desenhar-me um precipício
hiante, que mudamente me convidava ao repouso, e que, para a minha
imaginação doentia, tinha a forma de um grande
zero.
Que
seria aquilo: delírio ou sonho? O vestíbulo da loucura ou o Calvário da razão?
Ah!
era talvez o conluio de todas as faltas por mim cometidas nas encarnações
passadas, apresentando a um tribunal que eu desconhecia o seu libelo
acusatório!
José Petitinga
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