A vontade de Deus
Rodolfo Calligaris
Reformador (FEB) Agosto 1971
Há
quem suponha que o livre arbítrio do homem seja absoluto, incontrastável, e
que, no uso dessa prerrogativa, ser-lhe-ia possível fazer ou deixar de fazer o
que bem entendesse, até mesmo rejeitar os planos de Deus, ou colocar-se
ostensivamente contra eles, sem que houvesse meio de dobrar lhe a cerviz.
A
teologia tradicional assim o ensina e uma vasta literatura, dita cristã, também
o confirma, ao apregoar que a vontade de Deus está sendo frustrada
constantemente pelo homem aqui na Terra, como já o fora por grande número de
anjos lá no céu.
Puro
engano.
Deus
quer que o homem tenha o mérito da glória para a qual o destinou e por isso, a
par das revelações progressivas com que lhe há iluminado a consciência,
concede-lhe relativa liberdade, a fim de que cada qual a alcance por si mesmo,
pelo próprio esforço.
Insipiente,
pode ele, então, tal qual o filho pródigo da parábola evangélica,
enveredar por ínvios carreiros (os erros e crimes
de toda espécie), distanciando-se da retidão (o cumprimento das leis de Deus).
Cada
vez, porém, que isso acontece, sofre tropeços, quedas e acúleos que o
fazem retornar ao bom caminho.
Destarte,
esses transviamentos temporários, com as agruras e lacerações que
lhes são consequentes, constituem experiências
que ele vai adquirindo para melhor conduzir-se no futuro e não mais fugir ao
roteiro que lhe cumpre palmilhar.
A
única coisa, pois, que o homem pode escolher, a seu talante, lemos algures, é o
modo de cumprir a vontade de Deus; apenas isso.
Quem,
como Jesus, haja conseguido harmonizar o seu querer pessoal com a vontade divina, cumpre-a com gozo,
deleitosamente, como se estivesse a participar de um esplêndido banquete. Daí
as suas palavras: "O meu manjar é cumprir a vontade d'Aquele que me
enviou" (João, 4: 34).
Os
que, entretanto, em razão de seu atraso espiritual, ainda se mostram
recalcitrantes, uma vez escoado o "prazo de espera" que as Leis
Divinas concedem a
todos para que se submetam espontaneamente ao seu
império, terão que cumpri-las, quer o queiram quer não, ainda que com sofrimento,
dolorosamente, porque acima do alvedrio humano vige um Determinismo Superior, a
regular e a garantir a ordem universal.
O
equívoco dos que acreditam seja possível ao homem deixar de cumprir os
desígnios de Deus reside na ideia corrente de que
ele é "essencialmente mau", e pode querer manter-se eternamente
afastado do Supremo Bem.
Essa
ideia, todavia, é falsa e insustentável.
Filho
de Deus, criado à "imagem e semelhança" d'Ele, o homem não é, nem
poderia ser mau por natureza; pelo contrário, é "essencialmente bom",
potencialmente idêntico ao Criador, e, pela evolução, dia virá - embora
longínquo - em que se tornará uno com Ele.
Esta
conclusão, que pode escandalizar a muitos, nada tem de extraordinária.
Um
recém-nascido, malgrado sua fragilidade e inconsciência, é um ser adulto em potencial. O homem, semelhantemente, em que pese
a suas limitações atuais, possui em germe todas as faculdades que hão de
deificá-lo. Questão de tempo, trabalho e perseverança nos bons propósitos.
Assim
não fora, e o Cristo não teria feito esta exortação: "Sede perfeitos, como
perfeito é o vosso Pai Celestial".
Há
ainda um outro fator de suma importância que impede a cristalização do
homem na rebeldia: o desejo de ser feliz.
A
felicidade é sua maior e mais profunda aspiração.
Todo
homem quer possuí-la, anseia tê-la por companheira inseparável de sua
existência.
Por
outro lado, não há um só que possa ter o desejo mórbido de ser infeliz para
sempre, renunciando em definitivo às delícias da bem-aventurança.
Ora,
como "ser feliz" é uma decorrência de "ser bom", tanto
quanto "ser infeliz" o é de "ser mau", segue-se que o
homem, por mais embrutecido e perverso que seja, há de, infalivelmente,
cansar-se de sofrer, por descumprir as Leis Divinas, buscando, afinal, aquela
felicidade verdadeira e indestrutível que consiste em fazer o bem, ou seja, em
cumprir, com amor, a vontade do Pai Celestial.
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