sábado, 24 de outubro de 2015

Sem Vacilações




            Ante a volúpia com que os aficionados do niilismo moderno proclamam a morte da fé, do conhecimento religioso e a desnecessidade da comunhão espiritual entre a criatura e o Criador, já que para eles todo o Universo resulta de leis mecânicas e inconscientes, aglutinadas e desarticuladas por fluxos e refluxos da casualidade, a que atribuem recursos divinatórios que tomam à própria Divindade, convém recordar o exemplo multissecular, ocorrido com São Jerônimo, e que pode servir para sensatas e oportunas reflexões.

            Recolhido à intimidade da sua cela, no monastério em Belém, o monge concluíra a tradução das Escrituras para o Latim e se encontrava traçando os Comentários adicionais, quando foi informado de que Alarico I, rei dos Visigodos, invadira Roma, saqueando-a depois de haver assolado o Oriente, e prosseguia investindo cruel contra o mundo cristão, deixando após a passagem das suas hordas a destruição, a morte, e reduzindo cidades inteiras a amontoados de ruínas e cinzas...

            Era, então, o ano de 410 da era cristã.

            Desanimado, acreditando desnecessário o seu imenso esforço e nobre trabalho, Jerônimo escreveu: “Que fica, se Roma passa?!”


            Logo depois, Alarico morreu em Concença e ficaram as trevas de uma noite intérmina de 700 anos de amarguras, inquietudes, desaires...

            Embora a dolorosa desilusão do pai da Vulgata Latina, a Humanidade se soergueu da Idade Média e os Descobrimentos alargaram os limites da Terra, iluminados pelo Conhecimento que, com as suas luzes, acendeu as claras antemanhãs dos séculos porvindouros.

            Epidemias lamentáveis que ameaçaram não poucas vezes a Civilização foram expulsas e vencidas; a ignorância paulatinamente tem sido rechaçada; a criminalidade não encontra amparo legal nos diversos países; “o direito divino dos reis” não mais foi considerado; “os direitos do homem” se impuseram; a criança e a mulher passaram a ser respeitadas e os animais hoje encontram defensores em toda a parte; a guerra é repelida com estoicidade e o mundo respira esperança em todas as frentes, anunciando-se um período de paz que não tardará... Organismos Internacionais estudam e defendem as liberdades dos povos minoritários, estabelecendo acordos de entendimento e justiça; fiscalizam os crimes de genocídio e outros, e buscam impedi-los ; interferem contra o tráfico de entorpecentes e de criaturas humanas, e cuidam de fazer-se respeitar...

         
   Os direitos do chamado “terceiro mundo” são examinados em igualdade de condições, e, embora os nimbos borrascosos que eriçam as cristas das águas encapeladas dos oceanos da Civilização, aqueles direitos exigem respeito, convocando, quando necessário, a opinião mundial que se sensibiliza e arregimenta valores em ação socorrista, através de órgãos específicos, tais a ONU, a UNESCO, a Cruz Vermelha Internacional, ou por meio de tratados que enobrecem o gênero humano, qual o de Genebra que cuida dos prisioneiros de guerra... 

            Indubitavelmente muitos crimes são ainda cometidos contra a Humanidade, à luz do beneplácito de governos desalmados, ou à socapa, nas sombras de hediondos conciliábulos.

            Há, sem dúvida, muita anarquia, muita libertinagem e ondas de pavor crescem ameaçadoras, em todos os quadrantes...

            O homem, no entanto, continua libertando-se do instinto para levantar-se na inteligência e alcançar a angelitude.


            A princípio vagarosamente, depois com mais celeridade, podem observar-se os resultados do investimento “homem” e as belas conquistas do “respeito pela Vida”.

            Esse mesmo homem já foi além da Terra, conheceu a constituição do seu satélite e estabelece no momento a ponte para outros e audaciosos voos por todo o Sistema Solar.

            As matemáticas puras e aplicadas, a Física, a Química, a Biologia, as Ciências Psíquicas, a Cirurgia e a Cibernética assinalam recordes e todos os conhecimentos sofreram graves revoluções nos conceitos passados ante o impacto desbravador das conquistas recentes. 

            Todos eles, no entanto, ao invés de negarem Deus e matarem a fé, mais os atestam, por abrirem perspectivas então mais grandiosas, exigindo imediata revisão filosófica, porque reduzindo todas as manifestações no campo da forma a ondas, vibrações, mentes e energia.

            O espírito humano recebe embate cada hora mais violento, enquanto o homem prossegue intimorato e sonhador no rumo do Infinito e da Eternidade.

            Fita as noites estreladas com interrogações não menos pungentes do que as fazia seus antepassados primitivos, na alvorada dos tempos, e diante da morte formula inquietantes quesitos que lhe nublam o semblante de angústia e de amargas frustrações.

        
    “Uma religião científica” - proclamam sociólogos, psicólogos, cientistas.

            “Uma religião da ciência, uma religião da filosofia, uma religião da razão” - afirmam com ênfase os novos partidários do Conhecimento, a fim de atender-lhes a sede científica de investigação.

            Conferindo, porém, os resultados tíbios a que chegaram os partidários da “religião da
Humanidade” ou Filosofia Positivista, elaborada por Augusto Comte, que não resistiu à revolução tecnológica, somos convidados a considerar a Religião Espírita que há mais de cem anos estabelece as pontes de luz entre ciência e fé, razão e fé, técnica e fé.

            O Espiritismo tem fundos vínculos com todos os ramos do Conhecimento, por tratar da “origem, destino dos Espíritos e as relações existentes entre o Mundo Espiritual e o Mundo Corporal”, como bem o definiu Allan Kardec,  assinalando que “se prende a todos os ramos da Filosofia, da Metafísica, da Psicologia e da Moral”.

            Elucida a velha problemática da Filosofia e clarifica muitas das afirmações claudicantes da Antropologia; da Paleontologia, da Eugenia, da Embriogenia e, “caminhando ao lado da Ciência no campo da matéria, admite todas as verdades que a Ciência comprova; mas, não se detém onde esta última para: prossegue nas suas
pesquisas pelo campo da Espiritualidade.”

            Longe de se constituir num corpo de Doutrina estática, parasitária, reveste-se de conceitos dinâmicos e progressistas, evoluindo com o próprio Conhecimento, assentando as bases das suas afirmações nos pontos capitais e irreversíveis: Deus, imortalidade, comunicabilidade dos Espíritos, reencarnação e pluralidade dos mundos habitados, podendo enfrentar sofismas, “modernismos” e descobertas, pois que “avançando com o progresso jamais será ultrapassado (o Espiritismo) porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro a cerca de um ponto, ele se modificará nesse ponto, se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará”, como esclareceu com profundo senso racional o incomparável Codificador, ficando o verdadeiro espírita com o fato científico, sem qualquer dano para a convicção, assentada igualmente em fatos confirmados também pela Ciência.

            Por tais razões, não diremos; ante as dimensões do momento científico, que a fé passará, e não concordamos com os apressados pessimistas dos dias modernos que assim o creem ou fazem crer. Antes, pelo contrário, a palavra de Jesus, clara e forte, roteiro da maioria das Nações da Terra, hoje se avulta e se afirma, graças à comunicabilidade dos Espíritos que a confirmam em todo lugar, inspirando a sociedade hodierna a avançar, proclamando, ao mesmo tempo, a Era venturosa da Humanidade feliz que logo advirá.

Sem Vacilações
Vianna de Carvalho por Divaldo Franco

Reformador (FEB) Julho 1970

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