sábado, 29 de agosto de 2015

Pureza Doutrinária

          Esforçarmo-nos por manter a pureza da Doutrina Espírita, nos dias atuais, não é empreendimento secundário, é essencial. O Espiritismo, na qualidade de Consolador
Prometido e de doutrina emanada das fontes espirituais, não pode vacilar e deixar-se macular pelas sombras do mundo - principalmente o mundo de hoje - sob pena de ter o mesmo destino do Cristianismo que, fugindo da simplicidade e da humildade do Cristo, materializou-se e decaiu.

            Aqui, neste simples roteiro de conversação fraterna, não podemos entrar em detalhes acerca dos perigos sutis que ameaçam o Espiritismo, na hora em que os homens mais necessitam dele. Nem nos desejamos tornar juízes absolutos das atividades desenvolvidas por alguns irmãos, com muita boa fé, mas que, segundo podemos entender da própria Doutrina, apresentam alguns perigos. Queremos, sim, dar a nossa participação, procurando colaborar com o trabalho que a Federação Espírita Brasileira vem intensificando e que acreditamos e entendemos seja o brado de lsmael - que sempre orientou a Casa-Máter, a fim de que não nos desviemos da nossa missão no Brasil e no mundo. Se alguém não concordar com o que aqui tratamos - e é este também o pensamento da Federação Espírita do Rio Grande do Norte, onde nos orientamos e desenvolvemos o nosso humilde labor - saiba que nada temos a opor a essa atitude. A Doutrina Espírita é uma doutrina de liberdade e livre exame e cada um é livre para opinar contrariamente. Divergir, porém, não implica dissentir, desunir, perseguir, espezinhar. Porque, se assim agirmos, estaremos demonstrando o desejo egoístico de calar o próximo para que o nosso pensamento domine os irmãos. E, se não somos capazes ainda de ouvir com tolerância e de mudar diante do erro reconhecido... pobre de nós, os meio-espíritas.

I

            "O Espiritismo não comporta símbolos". Está na Codificação. Está na própria Doutrina, simples e espiritual como os ensinos que o Mestre divulgou às margens do laço e que ela vem recordar e complementar. Acostumados, contudo, à religião humana do passado, vamos introduzindo, de mansinho e ingenuamente, os simbolismos e a idolatria.

            É a sessão para agradecer a formatura, para pedir pelos novos cônjuges. Há quem vá mais longe e admita um "batizado" despretensioso, enquanto as paredes dos nossos centros vão se enfeitando de quadros com fotos dos espíritas do passado,
devidamente ornamentados com luzes e flores; enquanto realizamos os nossos cultos devocionais a espirito A ou B, ressuscitando o "culto aos santos", até com "hinos espíritas" (hino a Kardec, a Bezerra, a Scheila)...

II

            "E até os justos serão tentados". A afirmativa de Tiago de que a "fé sem obras é morta em si mesma", vista sob a influência apenas do entusiasmo, tem levado muitos de nós a lamentáveis e perigosos enganos. O dinheiro, útil em tantas ocasiões, se transforma em inimigo que nos fascina e, subjugados a ele, subvertemos os sublimes objetivos das casas espíritas, a pretexto de assistência social.

            Tiramos a denominação espírita da instituição, a fim de que não faltem verbas vultosas; introduzimos a política em nosso meio, para que não escasseiem os favores dos que estão no poder; submetemos as normas da entidade às empresas que nos amedrontam e escravizam com os seus financiamentos; e vamos profissionalizando cada vez mais as pobres obras espíritas, até que elas se transformam em monumentos da filantropia comum, onde o espírita é quem menos participa. Tudo à guisa de assistência social, de caridade. E tudo porque materializamos tanto o conceito de obra, que passamos a raciocinar em termos de tijolos e equipamentos, esquecidos de que a autêntica obra espírita-cristã é a da reforma íntima e de que o objetivo do Espiritismo é espiritualizar, renovar o homem, enquanto casas, hospitais, abrigos são meios - não indispensáveis - para se atingir o fim. A miséria humana é problema de origem espiritual.

III

            "Se tivesse havido unicamente um intérprete, por mais favorecido que fosse, o Espiritismo mal seria conhecido;" "O Espiritismo não tem nacionalidade e não parte de nenhum culto existente; nenhuma classe o impõe; classe o impõe.” "Espiritismo é bom por ser dos Espíritos.”» No entanto, a Escolástica medieval tenta ressurgir no movimento espírita (achamos, com Roque Jacintho, que o movimento deveria ser a corporificação da Doutrina no seio da humanidade, baseado ,em Kardec e obras recebidas por Chico Xavier).

            Tenta ressurgir sob a forma de cursos, institutos, universidades, sistemas, formalizações, regrinhas e mais regrinhas. Advogam-se “Escolas de Espiritismo organizadas como verdadeiras unidades de ensino superior e com todas as suas características". Ainda professores obrigatoriamente de nível universitário e remunerados, alunos com certificados de conclusão de ensino secundário ou superior, o mais absoluto rigor nas avaliações (?!!). E acrescenta-se: as Escolas de Espiritismo formarão aos poucos os seus próprios mestres, logo que possível excelente remuneração aos professores, a fim de que desempenhem suas funções a contento. E mais: programa estruturado para um curso de quatro anos que será complementado com outros de especialização ou pós-graduação, de dois ou três anos. E além disso: cursos onde se ministra Psicologia, Didática, Lógica, Português, Administração e, por último... Doutrina Espírita.

            Em qual curso de Espiritismo você se tornou espirita? A pergunta é do jornalista Luciano dos Anjos, convicto de que contra fatos não há argumentos. Quantos espíritas humildes, analfabetos, são mais espíritas do que todos nós? Ensinam mais Espiritismo do que todos os “professores” e cursos de Espiritismo, através do seu exemplo? Que curso frequentou Chico Xavier (e há 40 anos não poderia frequentar um curso espírita de nível universitário; tinha o primário incompleto)? E Bezerra, de Menezes, Sayão, Divaldo Franco, tantos?

            Não é curso regular de Espiritismo o que aconselha o capítulo III De “O Livro dos Médiuns” (leia “Cursilhos de Espiritismo”, "Reformador", outubro de 1972). (Já Blogado aqui). O aprendizado espiritual é continuo e não há regras para ele; há troca de experiências, cias, há liberdade de pesquisar, de buscar, de descobrir, a partir das próprias necessidades espirituais e proporcionalmente ao amadurecimento espiritual de cada um. “O Espiritismo anda no ar; difunde-se pela força mesma das coisas, porque torna felizes os que o professam.” Convém façamos esta perguntinha a cada companheiro do nosso Centro: que foi que o trouxe para a Doutrina Espírita?

IV

            Mas há quem justifique os cursos alegando técnicas, as técnicas educacionais da atualidade. As técnicas utilitaristas, materialistas em sua maioria - preparando o homem somente para vencer no mundo -, que já começam a fracassar no ensino leigo mesmo. Técnicas, métodos, a doutrina é evolucionista, estamos noutro século ... 

            "Examinai tudo, retende o bom", disse o apóstolo Paulo. Há técnicas - poucas -que se adaptam ao trabalho de espiritualização do homem. Há outras que se opõem. De mansinho, mas se opõem aos objetivos do Espiritismo e, sem dúvida, o envolverão, sufocando-o, materializando-o, tornando-o mais uma doutrina, mais uma filosofia, mais uma religião para os "doutos" imporem à massa. O Espiritismo é luz do Céu. Sublimemos e espiritualizemos os nossos meios. "Os meios fazem parte dos fins".

V

            Por que essas distinções? Jornalistas espíritas, médicos espíritas, universitários espíritas... Será que um pobre -pescador terá condições de se adentrar numa dessas academias, ele que só sabe pescar (materialmente falando), mas que deseja elevar-se espiritualmente?

            São as ordens religiosas que tentam sobreviver dentro do Espiritismo. A fomentação do isolacionismo e da formação de castas, as barreiras que se erguem. Mateus lidava com impostos e Pedro era pescador, contudo, eram ambos apóstolos, como João, de 19 anos de idade. (Sobre Mocidades, leia trabalho de Armando Tomaz, em que trata de programa que está sendo iniciado pela Federação Espírita do Rio Grande do Norte, após estudo e consulta à FEB; muitos espiritas de outros Estados tem o mesmo pensamento sobre o assunto).

VI

            O Espiritismo não se preocupa em fabricar prosélitos. São seus adeptos, que já amadureceram espiritualmente, o suficiente para o compreenderem. Por isso, achamos sempre perigoso nos excedermos no campo da propaganda, optando sim pela difusão.

            A propaganda é mais um apelo aos sentidos para que algo permaneça à vista de todos e seja adquirido, mesmo inconscientemente, pelos "consumidores". Será que o Espiritismo precisa ser colocado em evidência perante o mundo? Será que assim, na base do sensacionalismo, ele chegará ao entendimento das criaturas? Precisa o Espiritismo de "um lugar ao Sol", ele que é o Sol?

            A difusão, pelo contrário, visa a disseminar, transmitir, divulgar sem estardalhaço, sem ruído, para que a Doutrina penetre nos espíritos e nos corações, seja realmente compreendida, assimilada.

            Risco semelhante corremos ao nos envolvermos, ingenuamente, com os movimentos ecumênicos, na ânsia de encontrar um lugar para o Espiritismo entre as religiões, esquecidos de que ele é a Religião (leia "Ecumenismo", editorial do "Reformador" de fevereiro de 1972 (aqui no Blog!), e "A Ecclesia Suam e o Espiritismo", "Reformador", março de 1972). Fraternidade entre os homens de todas as religiões é o que deve haver ,- o espírita sabe disso. União de religiões, porém, nos parece utopia que não deve comprometer o Espiritismo que é a Religião.

            Mas temos penetrado nesses terrenos pantanosos porque "planificamos e corporificamos programas no seio da coletividade espírita, em nome do Espiritismo, dentro de nossos padrões habituais, com soluções que classificamos de pragmáticas, objetivas, realísticas, em contraposição a aspirações que consideramos utópicas, sonhadoras, subjetivas, doutro mundo". "Nosso cunho pessoal está em tudo. Somando-se a essa atitude de querer ser mais prático do que o Cristo, temos a sobrecarga de nossa vaidade."

VII

            Uma palavra final: o Pacto Áureo (união dos espíritas brasileiros) é uma das maiores conquistas dos espíritas do Brasil, a qual devemos preservar e fortalecer.

            Não implica ele (o Pacto] uniformização, É um pacto de solidariedade e tolerância. Um dar as mãos, apesar das divergências de pensamento, dentro do movimento federativo que é, segundo o Espírito Humberto de Campos, o -programa ideal para o desenvolvimento do Espiritismo no Brasil. Com base no documento de 5 de outubro de 1949, nenhuma entidade federativa estadual pode repudiar um Centro Espírita que não pense como ela, assim como a FEB em relação às Federações. Ambas, porém, tem o direito - e o dever - de orientar, de alertar quem queira acatar as suas palavras.

            Fortaleçamos o Pacto Áureo e não descuidemos de preservar a pureza da Doutrina Espírita.

            BIBLIOGRAFIA: 1 - "O Evangelho segundo o Espiritismo". 2 - "O Livro dos Médiuns". 3  "Obras Póstumas". 4 - "A Gênese". 5 - Revista "Reformador", edições de janeiro de 1973, novembro de 72, outubro de 72, julho de 72, abril de 72, agosto de 72, junho de 72, fevereiro de 72, janeiro de 72, outubro de 71, agosto de 71, maio de 71, julho de 71, março de 71, janeiro de 71, agosto de 70, novembro de 70, março de 68 e outubro de 66. 6 - Jornal "Mundo Espirita" de dezembro de 72. 7 - "RIE" (vários números). 8 - "Pontos da Escola de Médiuns" (prefácios dos tomos I, II, III e IV).

Pureza Doutrinária
Jomar José Costa Morais

Reformador (FEB) Abril 1973

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