Jesus,
quando chegou, precisou desmanchar um cipoal de aderências incrustadas na Revelação. Se Moisés e os
profetas tiveram que lhe adicionar regras de caráter utilitário, visando a disciplinação
da turba indócil, os que tomaram de assalto o Reino dos Céus esmeraram-se em
lhes dar uma eficácia preponderante, que os fez trocar os bens eternos pelos
efêmeros da Terra. As tradições se haviam amontoado e dominaram de tal forma
que soterraram a limpidez da primeira mensagem. Em consequência, o Mestre se
viu obrigado a aquietar os corações sinceros, afiançando que havia vindo não
para destruir a Lei, mas para dar-lhe cumprimento. Nada obstante, vítima da incompreensão,
foi levado ao martírio.
Mas, a força de sua vontade
desenterrou a mensagem divina e a fez retomar o seu caminho pelo mundo. Os
homens, porém, avezados à contumácia de colaboradores intrometidos,
restabeleceram em torno e em cima da segunda mensagem já não um cipoal mas,
desta vez, uma verdadeira superestrutura de construções rebuscadas, fruto de sua
cerebração rasteira e inchada da pretensão de corrigir os “erros” e suprir as “lacunas”
do texto inspirado pelo alto. Passaram a difundir não a palavra singela e
luminosa do Céu, e sim
os subprodutos de seus apetites
terrenos.
O Mestre, profundo conhecedor do
farisaísmo impenitente, prevendo o desenrolar dos acontecimentos, preanunciou a
chegada do Paracleto, com a tarefa de desbravar, novamente, a selva de ervas
daninhas renascidas. Este chegou e teve de repetir a afirmação de que não veio
destruir a Lei, antes cumpri-la. E só não aconteceu um novo Gólgota porque a Ideia
não se mata.
Pela segunda vez, a força da verdade
desenterrou a mensagem divina e trouxe-a de novo à luz do dia. Mas, com isso,
foi retomado, pelo velho farisaísmo, que sabe usar de mil disfarces, o sestro
incoercível de predomínio, desta vez sob a justificativa de “aperfeiçoar” a
obra, buscando enxerta-la com as filigranas das presunções humanas, prontas a
suprirem as “insuficiências” agora supostamente atribuídas à “superação” da mensagem
restauradora.
O que se tem pretendido é desfigurar
o Espiritismo, acoplando lhe uma série de inovações, modismos, superstições e formalismos
que ameaçam conspurcar sua natureza primitiva. Em todos os aspectos do seu desenvolvimento
atual, a mensagem do Espírito da Verdade vem sendo maleficiada pela investida consciente
e inconsciente dos que só entendem movimento religioso em termos de igreja e
métodos mundanos. São os novos programadores da era tecnológica, eternos “aprendizes
de feiticeiro”, convencidos de que já sabem tanto quanto o mestre e, por isso, açodadamente,
se metem a fazer as mágicas... Além de não saberem desfazer o encantamento, vão
escondendo a própria imperícia numa cortina de fumaça que ameaça empanar o
brilho da mensagem renovada. Se fosse verdadeira a afirmativa de que “a
história se repete”, seria o caso de prever, desde já, o reaparecimento oportuno
de um outro desbravador.
Os olhos embaçados do mundo, não distinguindo
as verdades que rutilam um pouco além, continuam a reclamar demonstrações
renovadoras de cunho espetaculoso, à feição daqueles que, para crerem, cobraram
do Mestre descesse ele da cruz, como passe de mágica insuperável.
Aprendizes de
feiticeiro
Editorial
Reformador (FEB) Novembro 1972
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