Muita gente aceita sem grande
relutância a ideia da reencarnação. Ela é racional e lógica,
e, como se diz hoje, ela se insere no contexto das doutrinas evolucionistas que
dominam as principais tendências do pensamento. De fato, a reencarnação dos
espíritos ao longo dos séculos e dos milênios, explica fenômenos que de outra
forma estariam truncados e incompreensíveis, como a eclosão de fabulosas
inteligências em certos seres e a terrível carga de idiotismo em outros, as
simpatias e afinidades entre uns, que mal se conhecem, e antipatias gratuitas e
inexplicáveis entre outros que deveriam estimar-se em razão de estreitos laços
de parentesco ou de prolongada convivência. Há também sofrimentos e dores a
atingirem criaturas boníssimas, há prêmios à maldade, há mágoas para
quem, a nosso ver, não as merece, e alegrias para aqueles que não as
conquistaram. A reencarnação explica essas aparentes incongruências e
perplexidades. Somos seres em trânsito para o futuro e trazemos nos registros
do espírito a memória oculta de antigas falhas, o resíduo ainda invencível de
persistentes deficiências que nos condicionam o presente e nos ameaçam o
futuro.
Muitos ainda não estão preparados
para enfrentar corajosamente as suas responsabilidades e fogem pelas evasivas
que os exoneram da obrigação de pensar e construir no presente as bases da paz
futura. Uma dessas fugas inconsequentes pode ser resumida
na seguinte frase que nós espíritas sempre ouvimos:
- Tudo isso é muito bonito e a reencarnação
tem a sua lógica, mas como é que eu não me recordo das minhas possíveis
existências anteriores?
Entendem esses que seria muito mais
racional que conservássemos ao renascer a memória das vidas passadas. Seria
assim fácil programar a existência atual de modo a evitar a recaída em antigas
faltas, a identificar com segurança velhos amigos tão caros ao nosso espírito e
também adversários renitentes que nos perseguem através dos séculos com os seus
ódios e sua vingança. Seria bom, por exemplo, sabermos que fomos no passado
grandes médicos ou artistas eminentes e repetir com facilidade a experiência na
qual fomos vitoriosos e brilhar novamente entre os homens, enobrecer a
Humanidade de conquistas científicas ou artísticas.
O raciocínio que nos leva a esses
caminhos é simplista, quase simplório. O que enriquece a estrutura do espírito
não é a repetição monótona de experiências nas quais já nos destacamos, mas a
variedade e a universalidade do conhecimento que se vai acumulando
lentamente em nossos arquivos mentais. Dessa forma, em cada nova existência as
coisas se passam como se recebêssemos um livro em branco, no qual podemos
escrever livremente a nossa história, vivendo-a no dia a dia das suas lutas e o
do seu aprendizado. Escrever livremente, talvez seja força de expressão. Embora
esquecidos do passado e livres para imprimir à nossa vida o rumo que
desejarmos, trazemos no fundo da memória espiritual - esquecidos mas não
ausentes - todos os condicionamentos que ali se depositaram em consequência das
passadas experiências. O prêmio da vitória está em suplantar
condicionamentos negativos, substituindo as paixões que nos infelicitaram,
pelos impulsos de solidariedade, na conquista de novas posições espirituais.
Para o livre exercício do arbítrio é
bom que o nosso livro esteja em branco. Só assim, teremos o mérito das
conquistas alcançadas, como também o ônus das concessões ao egoísmo e às
paixões subalternas. Somos, assim, herdeiros de nós mesmos e construtores da
nossa paz ou da nossa infelicidade. Amanhã, quando sofrermos aflição e
angústias incompreensíveis, não culpemos o destino cego e cruel, nem um Deus
vingativo que nos persegue - estejamos bem certos de que somente a nós mesmos
devemos as nossas dores. O esquecimento do passado é, pois, uma bênção a mais
que as leis de Deus nos concedem e não uma dificuldade em nosso caminho
evolutivo. É bem melhor partir para a aventura maravilhosa
de uma nova existência, esquecidos de antigas angústias, para que as novas
aflições não se somem às que nos atormentaram no passado. É bom amar no filho
difícil ou no companheiro incompreensível o antigo desafeto que estamos
lentamente conquistando,
em lugar de reconhecê-los na condição de inimigos da nossa paz, a quem é
preciso neutralizar a todo custo. Nesses reajustes que se processam mais cedo
ou mais tarde, agora ou daqui a séculos, é bom que aprendamos a identificar, na
dor que nos assalta, a moeda com que resgatamos antigas faltas.
É bom sabermos que nas futuras
encarnações também não nos lembraremos das atuais aflições, nem teremos
saudades das alegrias do presente. Receberemos outra vez o nosso livro em
branco. Talvez então já estejamos prontos para escrever nele um longo poema de
amor.
(Ext. do
"Diário de Notícias", de 14/6/70.)
O Livro Branco
da vida
por Hermínio C. Miranda
Reformador (FEB) Julho 1971
Olá, tudo bem? Onde eu poderia encontrar este livro? Se tiver como me indicar pode ser para baixar,ou comprar online. Agradeço muito pela ajuda, desde já:)
ResponderExcluirOlá! Este não é um livro. Trata-se apenas de um artigo publicado em jornal que foi incluído após em 'Reformador'. Detalhes acima.
ResponderExcluirFraternalmente,