Quando Jesus andou no mundo, as
pessoas socialmente importantes não lhe buscavam o convívio. O Mestre vivia com
os humildes, os enfermos, os sofredores, os pobres de espírito, que deles é o
reino dos céus.
Certo, entre os representantes
autorizados da chamada elite pensante daquele tempo existiam admiradores
ocultos do divino mensageiro da redenção. O próprio Herodes sonhava com a
oportunidade de ver o Cristo, de quem
lhe contavam coisas estranhas ao seu entendimento.
Houve ainda aquele moço rico, que só
abriu mão da vida eterna porque Jesus lhe
sugeriu vender todos os bens, distribuir o produto com os pobres e depois segui-lo. Deve
ter havido outros, cujo orgulho e preconceito paralisaram os passos na direção
do Nazareno, Por tudo isso, não me parece justo negar-se coragem moral a
Nicodemos na visita que fez a Jesus, para o elucidativo diálogo do
renascimento. Mas, na interpretação do episódio evangélico, aprendemos que o
mestre em Israel foi procurar o Rabi da Galileia na calada da noite, para não
dar na vista. O Evangelista João refere que "havia um homem dentre os
fariseus, chamado Nicodemos, principal entre os judeus, e este foi ter com
Jesus, à noite" - e neste particular, nada mais disse nem lhe foi
perguntado. Poder-se-ia argumentar que tanto foi à noite, como poderia ter sido
pela manhã ou à tarde. O fato, porém, é que o velho Nicodemos, comprometido com
a religião farisaica, entrou na História como o exemplo clássico do cristão-novo
irresoluto, preferindo acomodar-se como discípulo secreto de Jesus...
Pois o que aconteceu com Jesus
acontece hoje com o Espiritismo. Pondo de parte o materialista, que tem a
negação por princípio e o nada por fim, é muito maior do que geralmente se
presume o número de espíritas dominados pelo complexo de Nicodemos. Mesmo vencidos e convencidos pela
teimosia dos fatos metapsíquicos e pela dialética do ensinamento doutrinário, esses
eminentes confrades jamais se proclamam espíritas. Talvez porque a palavra espírita,
com a qual implicam, implica, realmente, uma tremenda responsabilidade moral.
Então se dizem vagamente espiritualistas,
- e ei-los em paz com a consciência. Um deles, duplamente imortal - pela graça
de Deus e por uma academia de letras - chegou a confessar-me que não faz
profissão de fé espírita porque... o que irão dizer por aí, não é mesmo? Um
outro me confidenciou: "Dá-se comigo um fenômeno paradoxalmente curioso:
Quanto mais creio no Espiritismo menos me considero espírita, e isto porque não
estou à altura de professar a doutrina...”
Como se vê, pura evasiva, e que não
faz sentido. O poeta Manuel Bandeira chamaria "espíritas bissextos" a
esses que, ante a suspeita de serem portadores de enfermidades incuráveis,
recorrem, pressurosos, à medicina do além-túmulo. Mas, passado o susto, voltam
à estaca zero da incredulidade. Há, também - e quantos! - os que, apesar de
cientes e conscientes da verdade imortalista, se dão ao luxo de deixar para
mais tarde ou para outra
encarnação o cuidado de ingressar, oficialmente, no Espiritismo. E assim
procedem no resguardo de seus interesses inconfessáveis, quem sabe lá! Nesse
terreno, há uma inflação de subterfúgios. E, como eu ia dizendo, o intelectual
é, de ordinário, quem mais se mostra arredio em tornar pública a sua adesão à
Doutrina dos Espíritos. É o caso, por exemplo, daquele meu velho amigo (e
confrade nas horas vagas) que compra todo santo dia não sei quantos livros sobre
os mais diferentes e extravagantes assuntos. Mas, quando se trata de ler livros
espíritas, pede os meus emprestados...
O complexo de Nicodemos
por Alberto Romero
Reformador (FEB) Julho 1971
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