Durante
muitos séculos, a ortodoxia religiosa tem invocado dispositivos bíblicos para
condenar ou até mesmo tentar impedir a comunicação com seres desencarnados,
através da mediunidade. Essa atitude "oficial" está aparentemente
escorada no versículo 17 do capítulo 22 do Êxodo que, numa simples e sumária
frase, diz o seguinte: "Não deixarás
com vida a feiticeira." (1) Entendem os estudiosos que essa pequenina
frase tenha também servido de apoio à nefasta doutrina da Inquisição, que
tantas vítimas do "ódio teológico" espalhou pelos campos imensos da
História. Essa norma fatal encontra-se no contexto do "Código da Aliança",
colocado imediatamente após o Decálogo. O final do capítulo 20 e os três
capítulos seguintes são um desenvolvimento, uma espécie de regulamentação das
normas básicas contidas no Decálogo. É curioso, no entanto, observar que os
chamados "Dez Mandamentos" nada dizem sobre feiticeiros e adivinhos
e, quanto à pena de morte, são enfáticos e definitivos: "Não
matarás".
(1) Usaremos neste trabalho o texto da
"Bíblia de Jerusalém", na sua versão espanhola de responsabilidade
conjunta da Desclée de Brouwer S.A., da Bélgica, e das Ediciones Nauta, de
Barcelona, Edição 1969.
Como foi, então, que a impiedosa
condenação das "feiticeiras" se alojou no texto?
Em primeiro lugar, precisamos
compreender bem o sentido das palavras. Nos tempos bíblicos,
e mesmo nos que são representados no Novo Testamento, mediunidade era palavra
inexistente. Os fenômenos psíquicos explodiam sem controle, sob todas as
formas. Conforme
a maneira sob a qual se manifestavam, recebiam um nome diferente: feitiçaria,
adivinhação, augúrio, profecia, encantamento, magia, nigromancia e muitas
outras modalidades
intermediárias e complementares. Quando os textos bíblicos começaram a ser
vertidos em grego, a palavra hebraica nabi foi traduzida pelo termo "prophetes". A
questão é que profeta, literalmente, é aquele que prediz acontecimentos
futuros. A transferência do texto hebraico para o grego obscureceu, dessa
forma, o verdadeiro sentido da expressão nabi, e profecia passou a significar
toda e qualquer manifestação psíquica, o que é bastante impreciso.
Estudando as origens da palavra nabi,
a Enciclopédia Britânica se sente algo perplexa. Primeiro,
ao informar que sua origem é obscura, mas que suas derivações significam
"intensa excitação", reportando-se a uma palavra assíria cujo sentido
é "cair em transportes", ou seja, em transe. Conclui daí a
Enciclopédia dizendo que tais conexões tornam "etimologicamente
improvável" o significado da palavra. No entanto, temos excelentes razões
para pensar de maneira inteiramente diversa. A palavra hebraica está
perfeitamente identificada com suas origens etimológicas, pois que a profecia é
uma forma de mediunidade e se manifesta exatamente pelo fenômeno da excitação
espiritual ou, mais especificamente, do transe mediúnico.
Não obstante, a mediunidade
profética é apenas uma das muitas modalidades que compõem o quadro das
faculdades psíquicas. Se usarmos apenas esse termo para descrever tais
fenômenos, estaremos em erro, por generalizar, para toda sorte de manifestação,
uma expressão que se aplica apenas a uma delas. Em outras palavras: todo
profeta genuíno é médium, mas nem todo médium é profeta, tanto no sentido grego
como moderno da palavra, ou seja, aquele que prediz acontecimentos futuros.
Isso é tão verdadeiro que o
excelente dicionário Funk & Wagnalls coloca a questão nos
seus verdadeiros termos, com extraordinária lucidez, ao declarar que no
contexto bíblico profetizar é "pronunciar
verdades religiosas sob inspiração divina, não necessariamente predizer
acontecimentos futuros, mas admoestar, exortar, confortar, etc."
De qualquer forma, a palavra profeta e suas associadas profecia e profetizar ficaram consagradas
numa amplidão de significado, que suas origens não justificam, ou seja, foram
forçadas a significar muito mais do que primitivamente queriam dizer. Isto nos
leva, com o conhecimento de que hoje dispomos, a propor uma correção ao texto
bíblico, substituindo tais palavras pelas que a terminologia moderna consagrou,
como: médium, mediunidade, manifestação mediúnica, etc. Se não podemos ainda
introduzir no texto bíblico tais correções, pelo menos conservemos em mente
essas informações, para que possamos entender
a narrativa no seu exato significado, em face das conquistas da Doutrina
Espírita.
Dessa forma, palavras como feiticeiro,
mago, adivinho, nigromante, encantador foram empregadas, através dos séculos,
para rotular manifestações desconhecidas e mal estudadas da psique humana e
que, pelo seu halo de fantástico, se tornavam, na melhor hipótese,
suspeitas e, na pior, apavorantes e dignas da condenação mais dura da
sociedade, de vez que o homem sempre temeu aquilo que desconhece.
Vemos, então, sob os mais estranhos
e terríveis nomes, manifestações que hoje sabemos serem simples formas de
mediunidade e, como tal, suscetíveis de estudo e compreensão. Matar o médium,
somente porque ele surge sob o nome de feiticeiro, é irracional, tanto quanto
matá-lo, persegui-lo ou prendê-lo porque, por seu intermédio, os Espíritos dos
"mortos" se manifestam para darem o seu recado.
O quadro é este: Moisés acabava de
liderar seu povo para fora do Egito, retirando-o de
uma escravidão longa e aviltante. Na realidade, aquela massa de gente não era
ainda um
povo, no sentido em que hoje entendemos essa palavra, mas apenas uma multidão, um
ajuntamento de famílias e indivíduos frouxamente ligados por algumas tradições
e hábitos comuns, mas certamente infestados de ideias estranhas a essas
tradições, contraditórias e conflitantes. Moisés era mais que um líder
religioso, pois o era também político e militar. Além disso, foi ainda o
profeta da sua gente, isto é, seu médium. Através dele é que os poderes
espirituais instruíam e dirigiam o povo nas suas grandes decisões e indecisões.
Achava-se em pleno curso o processo de aglutinação daquela multidão
heterogênea, com a qual um guia espiritual, falando em nome de Jeová, havia
proposto um contrato, um acordo: em troca de fidelidade incontestável ao
monoteísmo, Jeová tomava o povo sob sua proteção, como seus filhos prediletos,
aos quais destinava um território fértil, onde poderiam fundar uma nação rica e
poderosa. Fidelidade a troco de apoio. O monoteísmo é a ideia predominante em
longos anos de pregação. Jeová não somente estimula a crença, mas ameaça com
punições terríveis aqueles que se desviarem desse preceito básico. Mesmo assim,
há evidências dramáticas de lapsos bastante sérios. Testemunho disso, por
exemplo, é a cena em que Moisés, num impulso de desespero e de ira, quebra as
pedras nas quais acabara de ser inscrito o Decálogo, de vez que, após breve
afastamento, encontrou o povo recaído na idolatria. A crença no Deus único não
estava, portanto, mesmo a essa altura, suficientemente consolidada no espírito
da multidão errante.
Por outro lado, preparavam-se os
hebreus para tomar e ocupar terras estrangeiras, habitadas por povos estranhos
que praticavam cultos diferentes e viviam sob outras tradições
e diferentes hábitos e costumes.Que controle poderiam ter os líderes hebreus sobre
sua gente, depois que se radicassem na Terra da Promissão e entrassem em
comércio contínuo, permanente com os povos vencidos? Daí porque o livre
exercício das faculdades psíquicas tornou-se mais que uma questão religiosa, um
problema de segurança nacional. Grupos judeus que adotassem práticas mediúnicas
locais estariam, sem dúvida, expostos à influência de estranhos guias,
portadores de ideias diferentes que se chocariam com as que Moisés vinha
ensinando, ao longo dos anos, à sua gente.
Em lugar do Deus único, viriam
incutir a idolatria e espalhar o tumulto no campo cuidadosamente
preparado por Moisés no espírito de seus patrícios. Era imprescindível, pois,
regulamentar, com extremo rigor, o exercício da mediunidade.
É preciso ainda considerar, nesta
altura, um ponto de extrema importância, que tem sido
pouco apreciado. Moisés foi profeta de grande porte, ou seja, médium.
Inegavelmente, foi a profecia - leia-se mediunidade - que criou a nação
judaica, como afirma a Enciclopédia Britânica. Os profetas foram os
"salvadores de seu povo", insiste a Britânica. E a tradição continuou
e se consolidou. Depois de Moisés, praticamente todos os líderes
politico-religiosos de Israel foram médiuns, escolhidos mediunicamente ou
assistidos - e muitas vezes duramente interpelados - por vigilantes equipes
espirituais, interessadas em dar forma e conteúdo à primeira nação fundada no
princípio do monoteísmo.
É estranho, por conseguinte, que, a
despeito da suposta e tão proclamada proibição, toda
a história de Israel seja espiritualmente orientada através da mediunidade de
seus profetas
e videntes. A moral judaica, que o Ocidente herdou, se apoia num documento
incontestavelmente mediúnico: o Decálogo, recebido por Moisés, seja por
psicografia ou por escrita direta. A evidência disso está em que, depois de
quebradas as pedras, Moisés teve de retirar-se novamente para a solidão do deserto,
no alto da montanha, para receber outra
vez o texto, certamente porque era incapaz de reproduzi-lo com seus próprios
recursos. A Bíblia é, assim, a narrativa de como um grupo de Espíritos
desencarnados guiou uma
nação inteira de irmãos encarnados, levantando-a da escravidão até ao
estabelecimento de um Estado livre e consolidado. Não são apenas ensinamentos
religiosos que chegam do mundo espiritual,
mas também observações e instruções de caráter político e até militar. Parece
que a ideia era criar uma nação monoteísta, como sementeira e modelo das
futuras nações da Terra. Isso é tanto mais verdadeiro que, ao decidir
interferir pessoalmente nos negócios humanos, Jesus escolheu o povo de Israel
como campo de trabalho.
Para comprovação disso, não
precisamos buscar outras fontes; ela se encontra claramente
na Bíblia mesma.
Passado o período mais crítico do
Êxodo, em que a existência de falsos guias poderia por
em perigo a segurança do povo, vemos uma história bem diferente no
Deuteronômio. Lemos
aí, no capítulo 18, versículos 9 e seguintes, estas instruções:
"Quando
entrares na terra que Javé, teu Deus, te deu, não aprenderás a cometer
abominações como as de tais nações. Não há de haver em ti ninguém que faça
passar seu filho ou sua filha pelo fogo, que pratique adivinhação, astrologia,
feitiçaria ou magia; nenhum encantador, nem quem consulte espetros, nem
adivinho, nem evocador de mortos. Porque todo
aquele que faz estas coisas é uma abominação para Javé, teu Deus, e por causa
dessas abominações desaloja Javé, teu Deus, a estas nações diante de ti. Hás de
ser totalmente fiel a Javé, teu Deus. Porque essas nações que vais desalojar
escutam astrólogos e
adivinhos, mas a ti Javé, teu Deus, não permite semelhante coisa. Javé, teu Deus, suscitará
dentre vós, dentre teus irmãos, um profeta como eu, a quem ouvirás. É
exatamente o que pediste a Javé, teu Deus, no Horeb, no dia da Assembleia,
dizendo: "Para não morrer, não voltarei a escutar a voz de Javé, meu Deus,
nem verei mais esta grande chama"; então,
Javé me disse: "Está bem o que disseram. Eu suscitarei um profeta
semelhante a ti, porei minhas palavras na sua boca e ele lhes dirá tudo o que
eu mandar. (1) Se alguém não ouvir minhas palavras, as que este
profeta pronunciar em meu nome, eu mesmo pedirei
contas a ele. Mas, se um profeta tiver a presunção de dizer em meu nome uma
palavra que eu não o tenha mandado dizer, e se falar em nome de outros deuses,
esse profeta morrerá." Talvez digas no teu coração: "Como saberemos
que tal palavra não foi dita por Javé? Se
esse profeta fala em nome de Javé e o que diz permanece sem efeito e não se
cumpre, então é porque Javé não disse tal palavra: o profeta a pronunciou por
presunção; não hás de temê-to."
Analisemos o texto em suas óbvias
implicações. O povo judeu está prestes a entrar na posse da terra prometida e o
Espírito manifestante o previne contra as falsas práticas e
os falsos profetas, mas, definitivamente não proíbe o exercício da mediunidade;
ao contrário, estabelece claramente que o povo continuará a ser orientado do
mundo espiritual pela boca de novos profetas, que Deus suscitará. Tais
profetas, no entanto, ou seja médiuns, serão recrutados no seio da própria gente
judia. Será um profeta como eu, isto é, como o próprio Moisés. Surge, então, o
problema crítico da autenticidade. Como poderá o povo saber se o médium é falso
ou se está apoiado por um genuíno mandato divino? O Espírito que fala em nome
de Javé ensina que se conhecerá o médium pelas suas obras (Jesus diria mais
tarde que se conheceriam as árvores pelos seus frutos). Se o que o médium
anunciar se realiza, então ele tem o suporte divino, se não se realiza, é falso
e deve
ser excluído do convívio do povo. Não seria legítimo também o médium que
pregasse em
nome de "outros deuses", pois era necessário preservar a ideologia
religiosa da nascente nação. O teste da mediunidade autêntica era, pois, duplo:
fidelidade absoluta à doutrina
religiosa de Javé e realização, no plano humano, dos acontecimentos anunciados
em estado de transe. É fácil concluir pela segurança desse duplo critério, pois
nem um nem outro isoladamente seria suficiente para autenticar a mediunidade do
"profeta".
E foi assim que, ao correr dos
séculos, a Bíblia passou a representar um repositório precioso
de fenômenos mediúnicos da mais extensa variedade: psicografia, psicofonia,
materializações, escrita direta, desdobramentos (1) espirituais, transfiguração, xenoglossia, sonhos
premonitórios, transporte e tantos outros.
(1) Esse texto tem sido, às
vezes, interpretado como um anúncio da vinda do Cristo, opinião da qual não
partilha o autor deste artigo. Deus não estabeleceria testes de autenticidade
para Jesus, como o texto indica. Mesmo, porém, admitida aquela interpretação,
não fica prejudicada a tese proposta no artigo, como se verá mais adiante.
Em Gênese, capítulo 41, o faraó é
avisado, por meio de um sonho premonitório, dos anos de penúria que iriam
desabar sobre o Egito. José interpreta o aviso corretamente e, conquistando a
confiança do faraó, acabou sendo seu principal ministro.
No capítulo 3º do primeiro livro dos
Reis, Eli é informado, através da nascente mediunidade de Samuel, que havia
caído em desgraça porque não repreendera devidamente seus filhos pelo mau
procedimento que haviam demonstrado. Ainda nesse mesmo livro, capítulo 9,
versículo 17, Saul é apontado mediunicamente como futuro rei de Israel. Assim
que Samuel pousou nele os seus olhos, Javé - isto é, o Espírito-guia - lhe
disse ao ouvido: "Esse é o homem de quem te tenho falado. Ele reinará
sobre o meu povo." O capítulo 28, ainda nesse mesmo livro, nos conta, com
nitidez e sem artifícios, todo o desenrolar de uma sessão mediúnica, na qual
Saul - cuja mediunidade, aliás, havia sido bruscamente retirada - busca
desesperadamente falar com o Espírito Samuel, que pergunta secamente:
"Para que me consultas se Javé já te abandonou e passou para outro?"
Em seguida, anuncia o fim de Saul na batalha a ser ferida, o que realmente se
deu.
Em Daniel, capítulo 5º, a mão
materializada de um Espírito escreve na parede da sala
do festim uma mensagem em língua desconhecida. Como profeta e, portanto,
médium, Daniel
também é chamado a interpretá-las e anuncia corajosamente o fim do império de Baltazar.
Estes são alguns dos muitos
exemplos, mas a tessitura mediúnica se espalha por todo o
Velho Testamento e alcança também o Novo, que conta não apenas os fenômenos
produzidos por Jesus, como também os que se seguiram à crucificação,
especialmente, neste último caso, nos Atos dos Apóstolos, que documentam a
insofismável orientação mediúnica nos primeiros movimentos da Igreja primitiva,
da mesma forma pela qual havia sido
orientado o povo de Israel nos velhos tempos.
Dessa maneira, não precisamos nem
tocar nesse manancial de revelações mediúnicas que iluminou a Idade de Ouro da
Profecia, quando viveram os grandes de Israel: Isaías, Jeremias, Ezequiel,
Daniel, etc. Esses espíritos desassombrados levantavam a voz mesmo contra os
poderosos da época, pregavam a palavra de Deus, anunciavam glórias e desgraças,
mas havia um tema constante na pregação desses homens: a vinda do Messias,
minuciosamente descrito e ansiosamente esperado. Tantos foram os sinais
revelados profeticamente que o povo não poderia deixar de reconhecê-lo, mas,
quando os tempos chegaram e veio Jesus, poderosos interesses contrariados
conseguiram seu intento de assassinar o Messias sonhado, com o que, por sua vez
também, se cumpriram as predições que anunciavam o seu fim trágico.
Podemos, pois, afirmar com absoluta
segurança que sem mediunidade não haveria Bíblia.
Como aceitar, assim, a proibição do seu exercício?
Há mais, porém. Se alguma dúvida
ainda persistisse quanto ao funcionamento vigiado das faculdades psíquicas,
bastaria o texto preservado no capítulo 11 de Números. Novamente, precisamos
descrever o "background" dos acontecimentos, para entender bem o que
aconteceu. O povo de Israel "proferia queixas amargas aos ouvidos de
Javé". Já há muito andavam pelo deserto, em desconforto e pobreza e
enjoados do maná; pediam carne e peixe, dos quais se lembravam dos tempos de
cativeiro no Egito. Ouvidas as queixas impertinentes, Moisés também se irritou
e sentiu todo o peso da sua própria responsabilidade na difícil liderança
daquela gente turbulenta. E, por sua vez, lamentou-se diante de Javé, vergado
ao peso das suas aflições e angústias: "Não posso carregar sozinho com todo esse povo: é demasiado pesado para
mim. Se continuas a tratar-me assim, mata-me, por favor, se é que mereço a
graça diante de ti, para que não vejas mais minha desventura."
Javé lhe ordena, então, que reúna
setenta anciãos de Israel na Tenda das Reuniões. "Eu baixarei para falar contigo - diz o
Espírito -; tomarei parte do espírito que há em ti e o porei neles, para que
levem contigo a carga do povo e não tenhas que levá-la sozinho."
Em outras palavras: o Espírito
propunha difundir mais a mediunidade - que até então pesava exclusiva sobre
Moisés - entre outros membros da comunidade, para que se aliviasse
a carga do grande profeta.
Assim foi feito. "Saiu Moisés e
transmitiu ao povo as palavras de Javé. Em seguida, reuniu setenta anciães do
povo e os colocou em redor da Tenda. Baixou Javé na nuvem e lhe falou. Em
seguida, tomou do espírito que havia nele e deu dele aos setenta anciãos. E
assim que pousou sobre eles o espírito, se puseram a profetizar, mas não mais
voltaram a fazê-Io."
(1) Há aqui uma
divergência. A tradução portuguesa da Bíblia, certamente feita da Vulgata, diz
que
profetizaram
e não cessaram de o fazer, ao passo que a Bíblia de Jerusalém informa que não
mais voltaram a faze-lo, acrescentando, em rodapé, que a faculdade foi dada
temporariamente.
Há, porém, uma sequência
extremamente valiosa para os objetivos deste trabalho. Vamos reproduzir o
texto:
"Haviam ficado no acampamento
dois homens, um chamado Eldad e outro Meldad. Pousou também sobre eles o
espírito, pois que, ainda que não tivessem saído da tenda, (2) estavam também
entre os escolhidos. E profetizavam no acampamento. Um jovem correu a a visar
Moisés: "Eldad e Meldad estão profetizando no acampamento." Josué,
filho de Nun, que estava a serviço de Moisés desde sua mocidade, respondeu e
disse: "Meu senhor Moisés o proíbe." Respondeu-lhe Moisés: "Que
zelos são esses por mim? Quem me dera que
todo o povo de Javé profetizasse, porque Javé lhes daria o seu espírito!"
Em seguida, Moisés voltou ao acampamento com os anciãos de Israel"
(capítulo II, versículos 26 a 30).
(2) Certamente o texto indica
que eles não saíram de suas tendas particulares para irem à Tenda das Reuniões.
Vejamos, pois, o que aí está. O guia
espiritual de Moisés, falando sempre em nome de Javé, determina que sejam
convocados setenta anciãos, aos quais, em memorável sessão, distribui faculdades
mediúnicas, a fim de que pudessem, nesse campo, colaborar com Moisés e aliviar
a carga de responsabilidades do líder. Dois desses homens, embora capazes do
exercício da mediunidade, deixaram de comparecer à Tenda das Reuniões, mas,
como estavam preparados, igualmente receberam Espíritos, do que Moisés foi
imediatamente avisado. É notável, neste ponto, observar que o próprio Josué
estava na crença de que Moisés proibia a manifestação mediúnica e não hesita em
antecipar-se ao Mestre e declarar isso ao jovem. No entanto, Moisés sai com a
desconcertante afirmativa de que gostaria que todo o povo de Israel fosse
investido da faculdade de profetizar, isto é, exercer alguma forma de
mediunidade, para que o Espírito de Deus se espalhasse por toda parte.
De modo que, na próxima vez em que
alguém disser que a Bíblia proíbe o intercâmbio com os "mortos", você
pode informar com segurança que isso não corresponde à realidade dos textos. O
contato com os irmãos desencarnados não é proibido; ao contrário, é desejado. O
que se exige, porém, de quem se dedica a essas tarefas, é boa moral,
experiência, conhecimento - e para isso foram escolhidos setenta anciãos
- e boa dose de senso crítico, para examinar e testar o que dizem os Espíritos
manifestantes e não aceitar cegamente o que nos transmitem, porque entre eles
muitos falsos profetas se imiscuirão. Estes conselhos e observações milenares
estão igualmente contidos no contexto da Doutrina Espírita codificada por
Kardec, da mesma forma que foram lembrados nas Epístolas de Paulo e no
Evangelho segundo João. Kardec preferia colocar nove verdades sob suspeição do
que acolher uma falsidade.
Vemos, assim, que, em essência, a
mediunidade tem sido uma só, ao longo dos milênios e que, portanto, um só deve
ser o cuidado com que a praticamos. Em todos os tempos, o médium tem sido o
mensageiro dos irmãos espirituais desencarnados, intermediário entre uma forma
de vida e outra, entre um mundo e outro, entre uma faixa vibratória e outra. Os
cuidados com esse delicado instrumento de comunicação devem ser os mesmos, para
que não se percam nem o instrumento nem o conteúdo da mensagem.
Muita gente, antes de Kardec,
assistiu ao exercício dessa maravilhosa faculdade, mas foi
o Mestre de Lyon o primeiro a estudá-la e catalogá-la, de modo a tirar dela
todo o proveito
de que é capaz, identificando-lhe as imensas possibilidades, tanto quanto os
riscos que pode oferecer.
A
Bíblia
não
proíbe a Mediunidade
Hermínio
C. Miranda
Reformador (FEB) Maio 1972
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