Nem
toda carne
é a
mesma carne
Lauro
S. Thiago
Reformador (FEB) Setembro 1972
(Paulo, 1- Eplstola aos Coríntios,
capo XV, v. 39.)
Normal e habitualmente os Espíritos
assumem a vida na Terra pela encarnação, isto é, revestindo- se de um corpo
carnal, gerado através de um processo biológico vigente num mundo
ainda material como o nosso: o da reprodução sexuada. Esse processo, que exige
a união da matéria com a matéria e necessita, por isso, do concurso de dois
indivíduos de sexos diferentes, é - não há negar - admirável pela precisão das
leis que o regem e pelos resultados magníficos a que conduz; condiciona, além
disso, dentro da estrutura social do nosso mundo, baseada na organização da
família, uma tarefa nobilíssima, que é a tarefa dos pais, e na qual sobressai a
mulher, em sua sublime missão de mãe.
Ninguém ousará negar a grandeza da
maternidade, que redime a mulher de qualquer mácula e lhe faz nascer no coração
o mais puro sentimento de amor que existe neste mundo, que é o amor materno.
Tudo isso é, pois, realmente admirável e digno do nosso maior respeito, como
obra de Deus e como lei de Deus; o que não nos impede, entretanto, de
reconhecer que esse processo biológico comporta uma elaboração longa e penosa,
muito material, ainda, e própria de mundos pouco adiantados, sendo, pois,
processo
relativamente
atrasado, se comparado aos processos mais admiráveis que ocorrem além, noutros
mundos bem mais adiantados que a Terra e onde a matéria cede ao Espírito.
Nesses mundos, assume-se a vida em
corpos mais sutis, formados segundo outras leis, que regem a matéria no seu
estado etéreo ou fluídico. São corpos ainda materiais, de matéria semelhante à
nossa carne, mas não da mesma carne, no sentido de que são formados não pela
união da matéria com a matéria, mas sim pela ação magnética da vontade e do
pensamento dos Espíritos sobre os fluidos existentes na natureza desses mundos.
Pois bem, esses processos superiores
de encarnação, que melhor se dizem de incorporação, podem ocorrer, também,
embora excepcionalmente, nos mundos menos adiantados, mediante aplicação
apropriada, aos fluidos que lhes são inerentes, das leis que presidem àqueles
processos.
É assim que surgem, mesmo na Terra,
seres como os agêneres, que não tiveram genealogia carnal, conforme as leis
biológicas vigentes no nosso mundo, e, no entanto, apresentam totalmente a
aparência humana, tanto no que concerne à visibilidade quanto à tangibilidade.
Esses seres surgem muitas vezes espontaneamente, como consta da história de
todos os povos e em todos os tempos. Mas, nos tempos modernos, têm surgido como resultado
de investigação experimental, com o concurso dos médiuns de materialização.
Quem conhece os extraordinários fenômenos obtidos por William Crookes, valendo-se da mediunidade de Florence Cook, na Inglaterra, de materialização do Espírito Kate King, que praticamente conviveu
com os Crookes durante 3 anos e se
apresentava com todas as aparências da corporeidade humana, deixando-se pesar,
palpar, auscultar, revelando um coração batendo, pulmões que respiravam,
membros que se movimentavam, olhos que viam, ouvidos que escutavam, laringe que
falava, arguindo e respondendo, uma cabeça ornada por bastos cabelos de que
algumas madeixas puderam ser cortadas para ficar como lembranças aos familiares
de Crookes e seus amigos; que tinha
um corpo, portanto, semelhante aos corpos carnais dos humanos, diferindo
destes, porém, pelo fato, digno de toda a consideração, de que se formava e
desfazia em breves instantes, tornava a formar-se e a desfazer-se, e tudo
apenas pela vontade do Espírito que o assumia temporariamente; quem conhece
esse fato notável, entre muitos outros análogos obtidos na Europa e na América,
por diversos sábios pesquisadores e através de numerosos médiuns, e conhece,
inclusive, entre outras havidas no Brasil, as materializações de Espíritos
obtidas no Pará, por
Eurípedes Prado, através da
mediunidade de sua esposa, D. Ana Prado,
e que ensejaram ao casal Frederico - Ester
Figner rever sua filha Raquel,
desencarnada, com todas as aparências que tivera em vida, contemplar-lhe a
forma, a graça, o sorriso, sentir-lhe o hálito, o contato de suas mãos e de
seus braços, receber seu carinho filial, beijos, abraços, afagos, tudo numa
realidade viva que fez o velho Figner
e sua esposa chorarem de comoção, impossível mesmo de sopitar ante tal
manifestação que lhes era concedida como incomparável dádiva divina; quem
conhece tudo isso, não pode deixar de compreender que existem
no Universo outras leis regendo o aparecimento dos seres, que não só as que
regem o processo comum da procriação no nosso mundo.
Isso tudo, aliás, é pura doutrina
dos Espíritos e nada há aí a contestar.
É deplorável, pois, o engano que
leva alguns confrades, por muitos outros títulos respeitáveis, à atitude de
opositores da atuação da FEB, editando e reeditando a obra "Os Quatro Evangelhos", de Jean-Baptiste Roustaing, e
recomendando-a ao estudo meditado e profundo de todos os espíritas, como obra
complementar da nossa doutrina. Esse engano reside todo no pensarem que a ideia
ali veiculada do corpo aparente de Jesus esteja em contradição com a
codificação do Espiritismo. Tal pensamento não resiste, no entanto, à análise
desapaixonada da realidade. Kardec
tinha um espírito positivo e ponderado, é certo, mas também era eminentemente
racional. Sobre os fatos ele raciocinava, como todo investigador da verdade, em
busca de teorias explicativas, na ânsia de conhecer-lhes as leis. Kardec fazia, pois, sobre os fatos os
seus próprios raciocínios. Não foi, porém, sobre os seus raciocínios que ele
codificou o Espiritismo, e sim sobre as respostas dadas pelos Espíritos às
perguntas por ele habilmente formuladas sobre esses fatos e esses raciocínios.
Mais de uma vez as respostas dos Espíritos contrariaram a opinião de Kardec e ele teve de reformulá-la,
adotando a dos Espíritos, como lealmente confessa. A obra de Kardec é
imensa,
admirável, sólida, inabalável; jamais será superada. Mas, por maior que seja e
mais durável, trazendo solução a angustiosos problemas da humanidade e
explicando fatos até então inexplicáveis, nem por isso esgotou tudo o que essa
mesma humanidade teve e terá ainda de saber através da Terceira Revelação. Após
15 anos de labor ininterrupto, Kardec,
ao libertar-se, não tivera oportunidade de reexaminar, à luz de novos fatos -
mormente os mais notáveis de materialização e ectoplasmia -, algumas de suas
opiniões pessoais, que lealmente ele apresentou como tais e não como resultante
do ensino dos Espíritos. Assim é relativamente à natureza do corpo de Jesus,
que ele pessoalmente admitiu tenha sido de natureza carnal, igual ao de todos
os homens, e não um corpo perispirítico, fluídico, semelhante ao dos agêneres
("A Gênese", capo XV, pág. 333, 15ª ed. da FEB).
Mesmo aí, no entanto, Kardec também
declara: "É fora de dúvida que
semelhante fato não se pode considerar radicalmente impossível, dentro do que
hoje se sabe acerca das propriedades dos fluidos; mas seria, pelo menos,
inteiramente excepcional e em formal oposição ao caráter dos agêneres."
Na obra fundamental, entretanto, que
encerra os princípios básicos da Codificação - "O Livro dos Espíritos" -, bem como naquela que lhe serve de
complemento, no que concerne aos fenômenos e faculdades mediúnicas, nada há, no
ensino dos Espíritos, que contrarie a ideia do corpo fluídico de Jesus; os
Espíritos nada dizem sobre isso, pela simples razão de que Allan Kardec não formulou pergunta alguma, especificamente sobre
esse assunto. Há, porém, abundantes ensinos que podem levar o investigador a
aceitar perfeitamente
a ideia do corpo aparente do Mestre. Aquelas duas obras estão cheias de
revelações sobre o fluido universal ou substância cósmica primitiva, a partir
da qual, por modificações da íntima estrutura, se formam numerosas variedades
fluídicas que, por sua vez, modificadas e combinando-se entre si, formam
múltiplas outras variedades, processo em que a substância fluídica primitiva
vai perdendo seu caráter etéreo de imponderabilidade
e dinamismo, aproximando-se cada vez mais das características de macicez e
ponderabilidade, impenetrabilidade e inércia próprias da matéria densa e grave.
Assim, depois desses ensinos claros
de "O Livro dos Espíritos",
especialmente contidos na 1ª parte dessa obra admirável, o homem passa a compreender
nitidamente que a nossa matéria bruta e pesada tem sua origem numa substância
sutilíssima, sendo, pois,
todas as coisas ponderáveis deste mundo originárias do imponderável cósmico. É
interessante fazer notar, num parêntesis, que isso tudo, hoje positivamente
objeto de revelação ostensiva por parte dos Espíritos, já foi em remotos tempos
inspirado aos gregos que, mais filósofos do que experimentadores, admitiam na
origem da matéria uma "matéria-prima" elementar, concebendo-a formada
de partículas tenuíssimas e indivisíveis a que eles chamaram átomos. Hoje, a
própria ciência experimental, apoiada nos fatos e servindo-se extensamente do
instrumento lógico da matemática, vai se aproximando cada vez mais daquela
"matéria-prima", essa substância simples, a matéria cósmica
primitiva, a que os Espíritos chamaram fluido universal, e que é capaz de
assumir, por suas modificações inumeráveis, a consistência de todas as coisas
materiais.
Mas, outras coisas nos revelaram os
Espíritos, e uma delas é que, se a matéria, no seu estado bruto, pesado e
inerte, só pode sofrer modificações oriundas de agentes materiais, mecânicos,
físicos ou químicos, no seu estado etéreo, fluídico, imponderável e dinâmico,
ao contrário, ela pode ser trabalhada, modificada pela simples ação do
pensamento e da vontade do Espírito.
São dignas de toda a consideração e
profunda meditação também as explanações de "O Livro dos Médiuns" a esse respeito, no capítulo VIII - Do
laboratório do Mundo Invisível -, onde
Kardec se mostra profundamente
impressionado com o notável fenômeno da escrita direta, por ele muito bem
observado e estudado, no qual breves ditados são obtidos em caracteres visíveis
e permanentes, sem que os Espíritos se tenham utilizado das mãos do médium, de
lápis, tinta ou qualquer outro material preexistente neste mundo, o que prova
que o material empregado foi feito por eles próprios no momento mesmo em que o
depositavam diretamente sobre o papel, a partir de elementos imponderáveis e
invisíveis, tornados na ocasião visíveis e tangíveis.
Impressionado, também, por um caso
de aparição do Espírito de uma pessoa viva, que se apresentara à noite em
visita a uma enferma com todas as aparências da realidade, inclusive trazendo
em uma das mãos uma caixa de rapé análoga à de seu uso habitual no estado de
vigília, e da qual tirava, de vez em quando, uma pitada - Kardec, diante desse e de outros fatos, formula ao Espírito S. Luís perguntas cujas
respostas, seguidas de oportunas notas e judiciosas considerações do próprio Kardec, encerram todos os informes que
nos facultam compreender perfeitamente a extensão dos recursos de que dispõem
os Espíritos, aplicando as eternas leis de Deus à natureza invisível, onde
reinam os fluidos e atuam soberanos o pensamento e a vontade, para obter com as
substâncias fluídicas as aparências de todas as coisas deste mundo.
Da mais alta importância, porém,
para o assunto que abordamos, são os itens 5 e 6 do capítulo I da Parte Segunda de "O Livro dos Espíritos": Diferentes
ordens de Espíritos e Escala espírita. Por isso, pedimos permissão aos leitores
para reproduzir, senão total, pelo menos parcialmente o que ali se nos informa
e que é resumidamente o seguinte:
Os Espíritos "são de diferentes ordens, conforme o grau de
perfeição que tenham alcançado"; essas ordens "são ilimitadas em número, porque entre elas
não há linhas nítidas de demarcação traçadas como barreiras, de sorte que as
divisões podem ser multiplicadas ou restringidas livremente". "Todavia, considerando-se os caracteres
gerais dos Espíritos, elas podem reduzir-se a três principais. Na primeira,
colocar-se-ão os que atingiram a perfeição máxima: os puros Espíritos. Formam a
segunda os que chegaram ao meio da escala: o
desejo do bem é que neles predomina. Pertencerão à terceira os que ainda se
acham na parte inferior da escala: os Espíritos imperfeitos. A ignorância, o
desejo do mal e todas as paixões que lhes retardam o progresso, eis o que os
caracteriza."
Essas três ordens são subdivididas em classes. A terceira ordem, em que estão
os Espíritos imperfeitos, caracterizados pela "predominância da matéria sobre o Espírito", pela "propensão para o mal" e pela "ignorância, orgulho, egoísmo e todas as
paixões que lhes são consequentes",
subdivide-se em 5 classes: Espíritos impuros (l0ª classe), Espíritos levianos
(9ª classe), Espíritos pseudo sábios (8ª classe), Espíritos neutros (7ª
classe), Espíritos batedores e perturbadores (6ª classe). São todos Espíritos
muito materializados e sujeitos necessariamente a encarnações e reencarnações
em corpos carnais. A segunda ordem, a dos bons Espíritos, caracterizados pela
"predominância do Espírito sobre a
matéria" e pelo "desejo do
bem" e cujas "qualidades e
poderes para o bem estão em relação com o grau de adiantamento que hajam
alcançado", tendo uns "a
ciência, outros a sabedoria e a
bondade",
reunindo os mais adiantados o saber às qualidades morais, apresenta 4 classes: Espíritos benévolos (5ª classe), Espíritos sábios (4ª classe), Espíritos de sabedoria (3ª classe), Espíritos superiores (2ª classe). Em
todos há predominância do Espírito sobre a matéria, mas, "não estando ainda completamente
desmaterializados, conservam mais ou menos, conforme a categoria que ocupam, os
traços da existência corporal, assim na
forma da linguagem, como nos hábitos, entre os quais se descobrem mesmo algumas
de suas manias. De outro modo seriam Espíritos perfeitos". Ainda têm,
por isso, "que passar por provas,
até que atinjam a perfeição". Entre todos destacam-se, porém, os da 2ª
classe - os Espíritos Superiores -,
que "em si reúnem a ciência, a sabedoria e a bondade". "Da
linguagem que empregam se exala sempre a benevolência; é uma linguagem
invariavelmente digna, elevada, às vezes sublime. Sua superioridade os torna
mais aptos do que os outros a nos darem noções exatas sobre as coisas do mundo incorpóreo,
dentro dos limites do que é permitido ao homem saber. Comunicam-se
complacentemente com os que procuram de boa fé a verdade e cuja alma já está
bastante desprendida das ligações terrenas para compreendê-la. Afastam-se,
porém, daqueles a quem só a curiosidade impele, ou que, por influência, fogem à
prática do bem. Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir missão
de progresso e, então, nos oferecem o tipo de perfeição a que a Humanidade pode
atingir neste mundo." ("O
Livro dos Espíritos", 28ª ed. da
FEB, págs., 83 a 91.)
Vemos, assim, que os Espíritos de
todas essas classes, desde os mais impuros, da terceira ordem, até os mais
aperfeiçoados, da segunda, todos estão sujeitos à encarnação na Terra em corpos
carnais, porque são mais ou menos materializados, inclusive os que, quase mas
não totalmente desmaterializados - os Espíritos
Superiores -, só encarnam na Terra em missões de progresso.
Assim não sucede, porém, com os da
primeira classe, classe única da primeira ordem - os Espíritos puros, cujos
caracteres gerais incluem: "Nenhuma
influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta com relação
aos Espíritos das outras ordens." É o que claramente se pode inferir
desses caracteres gerais e sobretudo da descrição seguinte, com que o
Codificador encerra o citado item 6 do capítulo I da Parte Segunda da obra
fundamental do Espiritismo e para a qual chamamos vivamente a atenção. "Os
Espíritos que a compõem percorreram todos os degraus da escala e se despojaram
de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de perfeição de que é
suscetível a criatura, não têm mais que sofrer provas, nem expiações. Não
estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida
eterna no seio de Deus." (O grifo é nosso.)
"Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham submetidos às
necessidades, nem às vicissitudes da vida material. Essa felicidade, porém, não
é a de ociosidade monótona, a transcorrer em perpétua contemplação. Eles são os
mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam para manutenção da
harmonia universal. Comandam todos os Espíritos que lhes são inferiores,
auxiliam-nos na obra de seu aperfeiçoamento e lhes designam as suas missões."
Ora, não está aí, exatamente, a
descrição da categoria espiritual de Jesus? A sua classe, a sua ordem, a sua
hierarquia na escala espírita? Não é o Mestre um Messias Divino junto aos
homens deste mundo, um Ministro de Deus, representante legítimo do Criador para
gerir as coisas deste departamento do Universo e governar, instruindo-as e
guiando-as, as criaturas que aqui trabalham e aqui fazem o seu estágio de
aperfeiçoamento, preparando-se para galgar outros degraus da escala espírita e
a dos mundos? Não é assim
que, inteiramente de acordo com o ensino dos Espíritos, devemos entender a
posição do Cristo de Deus em relação ao nosso mundo e à sua humanidade, como
nosso Governador, nosso Mestre, nosso Pastor? Como, então, se ele é um Espírito
absolutamente puro, sem mais afinidade alguma com a matéria, não mais sujeito,
portanto, à encarnação num corpo perecível, como poderemos sequer pensar que
ele tenha tido um corpo carnal como o nosso, cheio de necessidades materiais e
exposto a todas as contingências da
materialidade?
Sim, o Mestre teve certamente um
corpo, mas de natureza perispiritual apenas, feito com os fluidos existentes na
atmosfera do nosso mundo, que ele atraiu a si pela ação da sua potentíssima
vontade, aglomerou-os e deu-lhes a forma que quis, tornando-o aparente, visível
e tangível para os efeitos da sua missão entre os homens.
E que há de impossível nisto para o
Mestre, Espírito puro, Governador do nosso planeta, que "existia no
princípio com Deus, tendo sido todas as coisas feitas por ele", quando
qualquer Espírito possui um perispírito que pode, à sua vontade, tornar visível
e mesmo tangível? De fato, no item 4 do mesmo capítulo I da Parte Segunda de
"O Livro dos Espíritos" lê-se o seguinte:
93 - O Espírito propriamente dito,
nenhuma cobertura tem ou, como pretendem alguns, está sempre envolto numa
substância qualquer?
"Envolve-o uma substância
vaporosa para os teus olhos, mas ainda bastante grosseira para nós; assaz
vaporosa, entretanto, para elevar-se na atmosfera e transportar-se aonde
queira."
94 - De onde tira o Espírito o seu
invólucro semimaterial?
"Do fluido universal de cada
globo, razão por que não é idêntico em todos os mundos. Passando de um mundo a outro, o Espírito muda
de envoltório como mudais de roupa."
a)
- Assim, quando os Espíritos que habitam mundos superiores vêm ao nosso meio,
tomam um perispírito mais grosseiro?
"É necessário que se revistam
da vossa matéria, já o dissemos."
95 - O invólucro semimaterial do
Espírito tem forma determinada e pode ser perceptível?
"Tem a forma que o Espírito
queira. É assim que este vos aparece algumas vezes, quer em sonho, quer no
estado de vigília, e que pode tomar forma visível, mesmo palpável."
Vê-se, pois, que há nos livros
fundamentais da Codificação elementos mais que suficientes para tornar
perfeitamente compreensível a ideia do corpo aparente de Jesus, que ele teve de
tomar para exercer sua missão entre os homens, mas que formou pela ação de sua
vontade sobre a substância fluídica do perispírito, que - esse sim -, obrigatoriamente,
teve de tomar ao descer à Terra, em harmonia com a natureza própria deste
mundo.
Sobre a legitimidade da natureza
fluídica do corpo de Jesus, porém, o que sobretudo deve valer é o que disse o
próprio Mestre de si mesmo e que os Evangelistas registraram, seguramente sob
influência mediúnica. No Evangelho de João, que a esse respeito é o que mais
nos instrui, lê-se o seguinte (cap. X, vers. 17 e 18):
"Por isso o Pai me ama, porque
deixo a minha vida para a retomar. Ninguém ma tira; eu por mim mesmo a deixo;
tenho o poder de a deixar e tenho o poder de a retomar. Este mandamento eu o
recebi de meu Pai."
São palavras do Mestre, muito
descuradas, mas que encerram uma verdade profunda, embora velada, porque os
homens de então não estavam capacitados para entendê-la e, sobretudo, suportá-la;
destinada, porém, a ser desvelada no futuro, quando o Espírito de Verdade, com
o seu advento já tivesse trazido, à Humanidade, então mais amadurecida, todos
os elementos necessários à sua perfeita compreensão. Reflitamos, pois,
maduramente sobre elas e não nos será difícil perceber que contêm a afirmação
integral da tese que nos ocupa. A que vida, de fato, poderia referir-se o
Mestre naquela passagem evangélica? À vida eterna do Espírito, àquela que se
manifesta por uma atividade inteligente e livre através do infinito do espaço e
da eternidade do tempo? Não, certamente; mas sim à vida segundo o acanhado
ponto de vista humano, aquela do homem carnal, essencialmente transitória, que
ele perde morrendo e que se lhe pode tirar matando-o ou submetendo-o à execução
da pena máxima. E o que representa a vida transitória deste mundo para o homem
carnal? Não é o seu corpo? O corpo só por si não vive sem unir-se ao princípio
vital, é certo; mas também o princípio vital sozinho não é a vida. É preciso a
união dos dois para que a vida se manifeste. É o que os Espíritos nos ensinaram
e a nossa razão aceita perfeitamente. Como quer que seja, assumir o Espírito a
vida neste mundo é revestir-se de um corpo animado pelo princípio de vida;
deixar a vida é despi-lo, é deixar esse corpo.
Estabelecidas essas premissas,
absolutamente verdadeiras, como compreender agora aquelas palavras de Jesus,
tivesse ele tido uma vida humana exatamente como a nossa, um corpo carnal igual
ao de todos os homens terrenos? Quem nesta humanidade imperfeita e impura deixa
a vida e a retoma, "ressurrecto",
com o mesmo corpo, e, ainda mais, fazendo uma e outra coisa por ato exclusivo
da própria vontade? Ninguém; todos somos mortais para a vida deste mundo e
temos nossa hora de deixar o corpo marcada pelo desígnio e a vontade divina, e
o suicida, se pode matar o próprio corpo, não o poderá jamais retomar. O homem
só poderá retomar a vida terena reencarnado em outro corpo, e em nova existência,
de expiação ou de provas ou, ainda, em missão. No entanto, Jesus afirmou: "Deixo a vida para a retomar; ninguém ma
tira; eu por mim mesmo a deixo." Não significarão essas
afirmativas do Mestre que ele apareceu neste mundo por ato exclusivo da sua
vontade, submisso apenas à vontade de Deus, não sujeito à vontade dos homens,
sem genealogia humana, portanto?
Em suma, sem corpo carnal igual ao
nosso, mas com um corpo de outra natureza, formado segundo outras leis que não
as que regem o processo habitual da encarnação nos mundos materiais como a
Terra? Essas outras leis existem: presidem ao aparecimento dos seres nos mundos
superiores e fluídicos e podem ser adaptadas aos mundos inferiores e materiais,
porque são leis universais que comandam os fluidos e fluidos existem em todo o
Universo, em todos os mundos. Elas foram, pois, aplicadas por Jesus para atrair
os fluidos existentes na atmosfera do nosso globo e com eles formar o seu corpo
aparente, fluídico, incorruptível, não sujeito à morte, como os corpos de carne
igual à nossa, mas que ele podia fazer e desfazer ao influxo da sua
potentíssima vontade; corpo, portanto, formado por processo semelhante, embora
não igual, porque lhes é ainda superior, aos que ocorrem mesmo neste mundo,
excepcionalmente, com relação aos agêneres e aos seres formados por ectoplasmia
nos fenômenos de materialização.
Confrontemos aquelas palavras do
Mestre com estas outras, dirigidas aos judeus, respondendo às suas indagações,
na seguinte passagem, também do Evangelho de João, capo 11, vers. 18 a 22, as
quais seguem o relato da expulsão dos vendilhões do templo: "Interpelaram-no os judeus assim: Por que
milagre nos mostrarás que tens o direito de fazer o que fazes? Respondeu-lhes Jesus: Destruí este templo e eu o
restabelecerei em três dias. - Retrucaram-lhe os judeus: Quarenta e seis anos
foram gastos em edificar este templo e tu o restabelecerás em três dias?! -
Ele, porém, falava do templo de seu corpo. - Quando, pois, ressuscitou dentre
os mortos, seus discípulos se lembraram de que dissera isso e creram na
Escritura e no que Jesus havia dito". (O grifo é nosso.)
Aí, nessa passagem, nem velado está
o pensamento do Mestre, mas inteiramente desvelado pelo próprio Evangelista, ao
afirmar que Jesus não se referia ao templo de Jerusalém, mas ao seu corpo:
"Ele, porém, falava do templo do seu corpo".
São passagens dos Evangelhos,
contendo as afirmativas do Mestre. Haverá ali inverdades substanciais?
Fechemo-los, então, definitivamente, como imprestáveis para a Humanidade. Mas
não; Jesus é a "luz que
resplandece nas trevas" deste mundo e os seus Evangelhos encerram todas as
verdades. Reflitamos, pois, maduramente, sobre suas passagens. Que corpo seria
esse, capaz de ser restabelecido em três dias, como realmente
o foi, no fato culminante da vida de Jesus - a sua ressurreição -, que firmou
na consciência
dos homens a verdade dos seus ensinos e a sua suprema autoridade como Senhor e
Mestre da Humanidade? Um corpo de carne igual ao nosso? Capaz de ressurgir do
sepulcro após sua morte? Mas não percebemos, então, que admitir tal coisa é
coonestar a horrenda e repelente doutrina da ressurreição da carne, que o
Espiritismo veio rechaçar com plena energia, afirmando ser a verdadeira
ressurreição a do Espírito, que pode reencarnar em novo corpo, nunca, porém,
ressurgir no mesmo de carne?
Mas, prossigamos na análise dos
Evangelhos e fixemo-nos agora sobre a instrutiva e comovente descrição da
"Aparição de Jesus aos Apóstolos",
segundo Lucas, cap. XXIV, vers. 36 a 49.
"Quando ainda falavam desses fatos, Jesus se apresentou no meio deles e Ihes
disse: A paz seja convosco; sou eu; não temais. - Eles, porém, espantados e
perturbados, imaginaram estar vendo um Espírito. - Disse-lhes então Jesus: Por
que vos turbais e se levantam tantas dúvidas em vossos corações? - Vede minhas
mãos e meus pés e reconhecei que sou eu mesmo; apalpai-me e lembrai-vos de que
um Espírito não tem carne, nem ossos, como vedes que eu tenho. - E, dizendo
isso, lhes mostrou as mãos e os pés. - Como, todavia, ainda não acreditassem,
tanto eram neles a alegria e o espanto, Jesus lhes perguntou: Tendes aqui
alguma coisa que se possa comer? - Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado e
um favo de mel. - Ele comeu diante de todos, e pegando do que sobrara lhes deu,
dizendo: lembrai-vos de que, quando ainda estava convosco, eu vos disse ser
necessário se cumprisse tudo quanto de mim fora escrito na lei de Moisés, nas
profecias e nos Salmos. - No mesmo instante lhes abriu o espírito, a fim de que
compreendessem as Escrituras. - E lhes disse: Assim é que, estando isso
escrito, importava que o Cristo sofresse e ressuscitasse dentre os mortos ao
terceiro dia; - e que em seu nome se pregasse a penitência e a remissão dos
pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. - Ora, sois testemunhas destas
coisas. Vou mandar-vos o dom de meu pai, que vos foi prometido; permanecei,
entretanto, na cidade, até que sejais revestidos do poder do alto."
Poderá haver descrição mais viva e
perfeita do que de maravilhoso ocorreu, então, diante dos apóstolos, tomados a
um tempo de espanto e alegria, duvidando do que viam, mas querendo que aquilo
fosse mesmo verdade - o Mestre de novo entre eles, confirmando tudo, tudo o que
lhes havia dito a respeito de si mesmo e de sua altíssima missão de Enviado do
Senhor? Através dessa descrição, torna-se claro que Jesus ressurgiu com o mesmo
corpo diante de seus apóstolos, pois que tinha as mesmas características do que
ficara, no supremo instante, no topo do Calvário: - "Vede minhas mãos e meus pés e reconhecei que sou eu mesmo; apalpai-me e
lembrai-vos de que um Espírito não tem carne, nem ossos, como vedes que tenho."
Mas, como teria Jesus podido aparecer com o mesmo corpo que vestira durante a sua
romagem terrena, sendo esse corpo igual ao de todos os homens, da mesma carne e
ossos de matéria compacta, em que a agregação material não pode ser obtida e
desfeita pela simples ação da vontade e sim obedecendo rigorosamente às leis da
Biologia e da Química, corpo que uma vez morto não poderá reviver e terá de
submeter-se à corrupção, à desintegração, à decomposição? Isso, sim, se tivesse
ocorrido, seria flagrante derrogação das leis.
Sim, Jesus teve um corpo com todas as aparências da carne, mas não feito
da mesma carne que a nossa. "Nem
toda carne é a mesma carne" (Paulo, lª Epístola aos Coríntios, XV, v.
39). Nós temos corpos terrestres, animais, formados segundo a lei biológica da
reprodução no planeta que habitamos e à qual estamos jungidos pela
materialidade; corruptíveis, sujeitos à morte fatal e definitiva, após o que
são entregues à natureza que os decompõe irreparavelmente. Jesus teve um corpo
celeste, fluídico, formado não pelo contato
da matéria com a matéria, mas por simples atração fluídica, de natureza
magnética, segundo leis vigentes em mundos elevados e apropriadas pelo Mestre
aos nossos fluidos terrenos; incorruptível, não sujeito à morte e à
decomposição, mas que ele podia formar e desfazer pela ação magnética da sua
potentíssima vontade.
Que há de espantoso ou de incrível
nisso para os espíritas de hoje, após a extraordinária messe de conhecimentos
que lhes foi outorgada? Pois não temos aí as materializações de Espíritos, tão
eloquentes pela perfeita impressão de visibilidade e tangibilidade que dão, e
de vida, a ponto de parecer estarmos ante seres humanos como nós, gerados como
nós, e que, no entanto, não o foram, formando-se e desfazendo-se os seus corpos
- que vivem, pulsam, respiram, andam, falam, ouvem e respondem, sorriem e
choram em breves instantes?
A isso Kardec não chegou a assistir; do contrário - espírito positivo,
sensato e racional que era -, teria tomado na mais alta consideração tais fatos
e, confrontando-os com as descrições evangélicas, teria certamente afirmado o
que hoje todos podemos afirmar, sem pensar na hipótese de derrogação das leis
universais, mas, ao invés, compreendendo a extensão e flexibilidade dessas
mesmas leis.
É que Kardec tinha a sua missão bem definida. Ele foi o marco estupendo
de uma nova era para a Humanidade, que, enfim, teria de libertar-se das peias,
a um tempo, do materialismo ateu e do dogmatismo religioso. Ele cumpriu a sua
missão gloriosamente; sua glória é legítima e ninguém lhe poderá usurpá-la.
Discípulo fiel do Mestre, soube desincumbir-se, com honra e exação perfeita, da
tarefa que lhe coube.
Mas, Kardec, em toda a sua pujança espiritual, não foi, nem poderia ser,
o único obreiro da portentosa obra da Nova Revelação. Ele abriu corajosamente o
caminho para que, preparados os homens com os novos conhecimentos e podendo,
assim, entender em espírito e verdade os ensinos do Mestre, se capacitassem
para receber novas revelações, que teriam de ser sucessivas e progressivas, e,
enfim, a verdade integral sobre a natureza, hierarquia espiritual e missão de Jesus, levantando completamente o
"véu da letra", despindo a "capa do mistério" e destruindo
o "prestígio do milagre", que por tantos séculos tiveram
de imperar no mundo, por causa do despreparo espiritual, intelectual e moral
dos homens.
Como se vê, obra de tal magnitude
pedia obreiros que pudessem prosseguir no caminho aberto pelo Codificador. Um
desses obreiros foi Roustaing. É
preciso lê-lo, para verificar que a sua obra está toda alicerçada na obra
básica da Codificação, e isso a tal ponto que certos trechos daquela reproduzem
literalmente trechos desta, em todas as suas partes, desde os primeiros
capítulos da Parte Primeira - Das
causas primárias -, que tratam de Deus e dos elementos gerais do Universo, até
a Parte Quarta - Das esperanças e
consolações -, passando extensamente pela Parte
Segunda - Do mundo espírita ou
dos Espíritos - e, com especial relevo, pela Parte Terceira - Das leis morais -; o que revela conhecimento
perfeito daquela obra básica e preocupação constante de nela fundamentar-se,
com o maior apreço. Nada, absolutamente nada, nesse livro admirável discrepa da
gigantesca e inabalável codificação de Kardec.
Apenas avança um pouco mais e o faz para dar-nos a ideia exata da grandeza
espiritual do nosso Mestre e Senhor, ao mesmo tempo que apagando
definitivamente da mente humana a ideia de divindade que lhe foi erroneamente
atribuída. Sabem todos os estudiosos espíritas que Jesus havia sido divinizado
pelo Cristianismo em sua roupagem de religião organizada, sacerdotal,
ritualística e dogmática; e o foi no dogma da Santíssima Trindade ou das Três
Pessoas - o Pai, o Filho e o Espírito Santo -, trindade concebida com base não
sabemos em que princípios de razão ou de lógica, mas de nenhum modo preconizada
pelo Mestre e Senhor da Humanidade. Foi um enxerto fincado no tronco puro do
Cristianismo. E por quê? Porque
os detentores da dominação religiosa não quiseram ou não puderam penetrar o
mistério da concepção e do nascimento de Jesus,
com a mediação de uma virgem e por obra do Espírito Santo, tal como os
descrevem os evangelistas Mateus e Lucas, respectivamente, em
"Anunciação" e "Nascimento de Jesus".
Ora, esse mistério foi desvendado
pelos próprios Evangelistas, por vontade do Mestre, no momento oportuno, e após
o esclarecimento das consciências pela admirável codificação de Kardec. E o foi pela revelação
comunicada a Jean-Baptiste Roustaing,
através da mediunidade de Mme. Collignon
e dada a público na obra "Os Quatro
Evangelhos". Essa obra é complementar da Doutrina Espírita, como
tantas outras que têm vindo
e continuam a vir por outros médiuns, num trabalho de esclarecimento
progressivo da Humanidade. Sim, a Codificação não fechou as portas do manancial
eterno que jorra do Alto! Ao contrário, ela as abriu definitivamente, e de tal
modo que não há mais como conter o fluxo que continuamente está descendo à
Terra, para dessedentar os homens.
E o que disseram os Evangelistas,
nessa obra, sobre o misterioso fato da concepção de Maria, bem como do
nascimento de Jesus? Que foram fatos ocorridos apenas em aparência, e que
encobriram o grande e verdadeiro fato, impossível de ser, então, compreendido e
sequer concebido - dado o atraso e imaturidade dos homens daquela época -, qual
o do aparecimento do Cristo com um
corpo aparente, isto é, semelhante aos corpos carnais, gerados com o concurso
da carne, mas não igual a eles, no sentido de que formado sem genealogia
carnal, apenas pelo arbítrio do Mestre, atraindo pela sua potentíssima
vontade os fluidos necessários a esse objetivo; corpo que ele tomou desse modo
e por análogo modo deixou, desfazendo a atração fluídica; bem como pelo mesmo
modo o retomou, no ato da sua ressurreição; que ele podia, por sua vontade,
tornar aparente ou inaparente, visível ou invisível, ao qual podia dar ou
retirar a tangibilidade, quantas vezes quisesse; o que fez inúmeras vezes
durante a sua pregação, para escapar das mãos dos judeus enfurecidos contra
ele, notoriamente no cume da montanha de Nazaré, aonde o tinham levado preso
"para o atirarem dali abaixo", e ainda dentro do templo de
Jerusalém, na galeria de Salomão, onde o cercaram "munidos de pedras para
o lapidarem"; até o dia em que, submisso à Divina Vontade, voluntariamente
entregou-se aos seus algozes para a consumação do sacrifício do Gólgota, em
cumprimento das Escrituras.
Ao escrever estas linhas, temos o
nosso pensamento voltado para caríssimos confrades, irmãos nossos que ainda não
aceitam as coisas como nessa obra estão tratadas, para dizer-lhes, com espírito
fraterno, que não nos move um intento polêmico ou um vão capricho, nem
desconsideração acintosa ao seu modo diverso de encarar essas mesmas coisas,
mas um clamor da consciência que nos ordena apresentar lealmente, a irmãos que
consideramos e cuja estima prezamos, o nosso sincero modo de ver conforme
àquela obra, que reputamos, após extensivo e profundo estudo, renovado muitas
vezes, como verdadeira obra complementar e necessária à Codificação de Kardec. Não é, pois, um desejo de
polêmica que nos anima, mas um propósito de definição leal e de entendimento
fraterno. Longe de nós as polêmicas que, nos nossos arraiais, são totalmente estéreis
e - dir-se-ia mesmo - agem como o fermento dos fariseus, que acabam levedando
toda a massa, isto é, estendendo os seus efeitos, tornados maléficos pelo
acirramento dos ânimos,
inspirando
réplicas e forjando grupos que se hostilizam. Nada disso é o nosso objetivo. O
a que visamos, e assim também outros que antes de nós e com mais proficiência
têm procurado versar o mesmo assunto, é chamar a atenção para uma obra de
inestimável valor, oriunda de Espíritos Superiores que procuram levantar aos
olhos dos homens, completamente, o véu que lhes encobriu, durante séculos, a
verdadeira natureza e hierarquia
espiritual do Mestre e Senhor da Humanidade.
Examinem, pois, os que nos lerem,
com isenção de ânimo, o que aqui dizemos e confrontem com o Evangelho de João, todo inteiro. Verão, então, que
este é, dos Evangelhos, o mais completo e o mais profundo e que fornece
valiosos elementos para o esclarecimento de muitas coisas relatadas nos
chamados Evangelhos Sinóticos, que são
os de Mateus, Marcos e Lucas. Embora
ainda sob o véu da letra, mas já permitindo, ao pensador que busque
sinceramente a verdade, encontrar o sentido encoberto das afirmações do Mestre
acerca de si mesmo, da sua natureza, da sua hierarquia espiritual, da sua
missão e posição em relação a Deus e aos homens, esse 4º Evangelho, do
principio ao fim, é uma afirmação constante da natureza altíssima de Jesus, da
sua pureza absoluta, da sua nenhuma escravização à matéria, que, ao contrário,
ele domina inteiramente, não sendo mais, portanto, passível de revestir um
corpo carnal como o nosso, tal qual Kardec
revela, de acordo com, o ensino dos Espíritos, estabelecendo a classe única da
1ª ordem da
escala espírita - a dos Espíritos Puros.
Todos os espíritas sabemos que, ao
cumprir-se a promessa do advento do Espírito de Verdade, com a codificação do
Espiritismo, atingiu a Humanidade a era do espírito - que vivifica, em oposição
à da letra - que mata. Chegou, assim, a hora de despojar o Cristianismo das
roupagens obscuras dos dogmas e malversações devidas à imaturidade dos homens e
estabelecidas nos concílios dos padres, mais interessados na dominação sectária
e no poder temporal do que na contemplação da verdade sem véus. É preciso,
pois, que os espíritas não percamos de vista que o Espiritismo veio, quebrando
ortodoxias e dogmatismos, abrir definitivamente ao espírito humano as sendas da
livre investigação da verdade; com fundamento, é claro, nas revelações dessa
mesma verdade, constantes nas Sagradas Escrituras, no Velho e no Novo
Testamento, para cuja judiciosa interpretação e compreensão trouxe a Terceira
Revelação todos os elementos necessários.
Luz radiosa clareou os horizontes do
conhecimento humano com a codificação de Kardec.
Continuemos, pois, com Kardec, lendo
Kardec, estudando Kardec, difundindo Kardec, mas não pretendamos ser mais kardequistas que o próprio Kardec, porque correríamos o risco de
recair nas ortodoxias e dogmatismos, repetindo as seitas cristãs do passado,
que o Espiritismo veio corrigir. Lembremo-nos, ao revés, de que foi o próprio Kardec quem lançou aos quatro ventos o
conceito de que o Espiritismo é doutrina essencialmente progressista,
inalterável nos seus fundamentos, mas destinada a ampliar-se cada vez mais no
transcurso dos tempos, trazendo sucessivamente à Humanidade mais luzes e mais
consolações e esperanças.
Estudemos, pois, também a obra de Roustaing, que só nos fala do Mestre e
Senhor, procurando trazer-nos elementos para a melhor compreensão da sua
natureza superior e da grandeza e excelsitude da sua altíssima missão entre os
homens.
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