Centenário de um mito
Túlio Tupinambá / (Indalício
Mendes)
Reformador (FEB) 1970
Passou quase despercebido no mundo,
o que reputamos assaz significativo, o centenário da imposição do dogma da
infalibilidade papal, verificada em 1870, em meio a
verdadeira tempestade de divergência, dentro e fora da Igreja católica.
Vinha essa ideia sendo acalentada
desde muitos anos, mas “somente no
princípio do século VII, a presunção dos prelados romanos encontrou guarida no
famigerado imperador Focas, que outorgou a Bonifácio a primazia injustificável
de BISPO UNIVERSAL. Consumada essa medida, que facilitava ao orgulho e ao
egoísmo toda sua nociva expansabilidade, tem-se levado a efeito, até hoje, os
maiores atentados, que culminaram, em 1870, na declaração da infalibilidade
papal” (1) .
(1) "Emmanuel", do
Espírito Emmanuel, pág. 29), 4ª ed. FEB.
O papa Pio IX viu-se, graças a isso,
investido de poderes irrestritos, tanto mais que, segundo
P. Jacinto (2), RÉF. CATHOL., pág.
121, “BASTA-LHE DECLARAR QUE TEM EM MIRA PRONUNCIAR UMA DEFINICÂO EX-CATHEDRA:
por outra, BASTA QUERER SER INFALÍVEL”,
para que sua vontade prevaleça definitivamente. O famoso estadista inglês
Gladstone, em “The Vatican Decrees”», IV, pág, 35 (ibidem), esclareceu suficientemente (2) o poder do ex-cathedra,
em poucas palavras: “Um indivíduo há e só um, a quem cabe declarar EX-CATHEDRA
o que for EX-CATHEDRA e o que não for, coisa que poderá fazer sempre, quando e
como entenda. Esse indivíduo é o próprio papa. O preceito é que documento
nenhum expedido por ele será válido sem um certo selo ; mas esse tal selo fica
entregue à custódia dele mesmo e sob as suas chaves”...
(2) "O Papa e o Ooncílio" de Janus,
página 97) 3ª Ed., ELOS.
Com muito senso disse Léon Denis que
“um dos maiores erros da Igreja, no
século dezenove, foi a
definição do dogma da infalibilidade pessoal do pontífice romano” (3). Na verdade, “o
Vaticano conservará seu poderio enquanto puder adaptar-se a todos os costumes
políticos das nacionalidades; mas quando o Evangelho for integralmente
restabelecido, quando a onda de uma reforma visceral purificar o ambiente das democracias
com a luminosa mensagem da fraternidade humana, desaparecerá, não podendo ser
absolvido na balança da História, porque, ao lado dos poucos bens que espalhou,
está o peso esmagador das suas muitas iniquidades” (1), adianta
Emmanuel (ob. cit., pág. 32).
(3) "Cristianismo e Espiritismo"
de Léon Denis, págs. 20 e seg., 4ª Ed., FEB.
O dogma da infalibilidade nada mais
representa do que um instrumento de arbítrio, porque
- os fatos o comprovam, de 1870 até hoje - essa infalibilidade não passa de um mito,
decorado por pretenso privilégio divino, como se Deus participasse de
conciliábulos humanos
a serviço de grupos mais interessados nos interesses profanos do que,
realmente, nos problemas espirituais.
Papa ou não, o homem, seja ele quem
for, está sujeito ao determinismo cármico. Por maiores
poderes temporais que enfeixe nas mãos, por mais lata que seja a sua cultura,
por mais extraordinário que se mostre o seu talento, por mais terrível que se
apresente a sua posição política, será sempre um homem, isto é, um ser
subordinado à Lei retificadora do carma, que interfere automaticamente nos
efeitos do comportamento humano. Essa Lei
- de Causa e Efeito, de Causalidade - é indefectível, inexorável, fatal, acima
das mais audaciosas pretensões humanas, mas benéfica ao futuro do homem.
Ninguém escapa à
sua ação corretora, disciplinadora e redentora, seja um deplorável devasso, um
mísero mendigo,
um virtuoso, um potentado, um humilde ou um ditador feroz, servido por
poderosos exércitos. Nenhum pistolão pode evitar ou modificar os seus efeitos,
porque se trata de uma lei equânime, divinamente justa, pois distribui
equilibradamente as suas sanções, beneficiando o bem e punindo o mal. Os
antigos, embora a interpretassem erradamente, conheceram-na. É o “olho por olho,
dente por dente”, de que nos fala a Bíblia.
A vida humana, individual ou
coletiva, não lhe foge aos efeitos sanificadores. As vicissitudes da Igreja,
depois de, durante séculos, haver ela dominado a Humanidade, não nos
surpreendem, pois está no Evangelho - “a
cada um segundo suas obras” - muito sutilmente
mencionada, a sanção cármica. O exame retrospectivo do desenvolvimento da Igreja,
à luz da História, demandaria tempo e um espaço de que não dispomos.
Entretanto, mostraria que seu itinerário, muitas vezes tortuoso, aleitou e
fortaleceu o materialismo ateu que, hoje, atormenta, desorienta, desespera,
amedronta e polui a Humanidade, através
da violência, da desmoralização e desagregação da família, pelo livro, pelo
teatro, pelo
cinema, pela televisão, pelo rádio, facilitando a múltipla divulgação e
propaganda ostensiva
da sodomia, do uranismo (homossexualidade) e de outras
perversões que rebaixam o gênero humano, além de amiserá-lo fisicamente pelo
uso de tóxicos inúmeros. Diremos, como Ruy Barbosa, ao referir-se aos Documentos do teólogo Friedrich, acerca de fatos escabrosos
referidos nessa obra jesuítica: “...a
pena a custo, recalcitrando, mal nos pode transcrever, para lição dos incautos,
essas sordícias ultramontanas, e onde outros lances, ainda mais grosseiramente
cínicos repugnam, até em latim, à decência mais trivial”
(4) (ob. cit., páginas 281-282) .
Em nome de estranha liberdade,
defendida pelos que se comprazem na degenerescência da juventude, prato
preferido dos demagogos destes tempos, está sendo convulsionado o mundo. O
ceticismo e o ateísmo, irmãos colaços, porfiam em amortecer e extinguir a fé no
coração das criaturas já desesperançadas de uma vida menos torturante, acenando-lhes
com a miragem de um paraíso criado pela imaginação febril de “camelots” em
delírio. Estamos enfrentando séria crise de “fim de século”, agravada, desta
feita, pela
conjunção de circunstâncias extralegais, oriundas de ideias, como algumas de
Freud, destinadas
a levar o homem de volta à animalidade.
A Igreja tem lutado contra isso, sem
dúvida alguma. Seríamos insinceros se o negássemos. E deve unir-se moralmente a
todos os credos que trabalham para arrancar a Humanidade do caos materialista,
porque há o objetivo ateísta de destruir as religiões, mas a todos os crentes,
cristãos ou não, cumpre o dever de permanecerem fiéis a Deus, na salvaguarda da
Religião, mesmo porque jamais poderá o homem prescindir do Pai. Os desatinos de
uma época morrerão ao alvorecer da época seguinte, enquanto a Religião, como o
Sol, continuará a vivificar a alma humana, a aquece-la, a confortá-la porque o
destino do homem é Deus, malgrado os desvairamentos ateístas, que serão
corrigidos pelo determinismo cármico, em outras encarnações.
Abandone a Igreja os dogmas que
ainda a separam da razão humana e poderá ressarcir o mundo de erros, equívocos
e omissões cometidos no passado. A exortação do famoso bispo, Dr. Strossmayer,
no concílio que aprovou o dogma da infalibilidade, não deve ser
por ela esquecida: “Salvai a Igreja do
naufrágio que a ameaça, e busquemos todos, nas Sagradas
Escrituras, a regra da fé que devemos crer e professar!”.
É preciso que assim seja porque as
religiões defrontam um perigo comum. Somente a
fé em Deus e o respeito às determinações do Alto poderão afastar as nuvens
negras que obstam
a passagem da claridade solar. Os antigos cristãos foram lançados às feras, mas
o triunfo das feras foi momentâneo, pois a fé sobreviveu para glória do mundo!
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