Aprender
sem Escolas
Tobias Mirco / (Indalício
Mendes)
Reformador (FEB) Abril 1971
É ponto pacífico, entre os espíritas
verdadeiramente familiarizados com a Doutrina, que o caráter desta é
essencialmente progressivo, mas que, não obstante a sua tolerância, exige
reflexão, prudência e critério analítico, “e
evitar ir de cabeça baixa ao encontro dos devaneios da utopia e dos sistemas”,
buscando sustar iniciativas inovadoras nem sempre convenientes. E, na verdade,
isso tem sido feito sempre, “a tempo, nem
muito cedo, nem muito tarde, e com conhecimento de causa”, segundo as
palavras do Codificador. “Aliás, a
experiência já comprovou o acerto dessa previsão. Tendo marchado sempre por
esse caminho desde a sua origem, a Doutrina avança constantemente, mas sem
precipitação, verificando sempre se é sólido o terreno onde pisa e medindo seus
passos pelo estado da opinião. Há feito como o navegante que não prossegue sem
ter na mão a sonda e sem consultar os ventos.” (1)
Compreende-se, portanto, a
responsabilidade de todos os espíritas na salvaguarda do inavaliável
patrimônio que nos deixou Allan Kardec, legatário eleito de nobres Espíritos. Com
o peso incontestável de sua autoridade, Emmanuel afirmou que Doutrina Espírita “quer
dizer Doutrina do Cristo”. E a Doutrina do Cristo é a doutrina do
aperfeiçoamento moral em todos os mundos” (2), razão primacial para que a Federação
Espírita Brasileira, e concomitantemente todos os espíritas, permaneçam
vigilantes, resguardando-a, preservando-a,
para que ela conserve a pureza dos seus preceitos e o vigor que até hoje eles
possuem, assegurando os benefícios que proporcionam à criatura humana oportunidades
de compreender a vida terrena, porquanto, disse Léon Denis, “o homem tem tanta necessidade de uma crença
como de uma pátria, como de um lar”. E é o Espiritismo que
nos dá o conhecimento pleno da religião, ao mesmo tempo que esclarece o porquê
da vida
terrena, sua correlação com a vida espiritual, a razão dos problemas humanos,
dentro e fora do lar, assim como a causa dos sofrimentos, os meios de que
podemos dispor para melhor entender o mundo em que vivemos, a importância do
nosso comportamento moral, etc.
Como não há milagres, obviamente o
Espiritismo não faz nem poderá fazer milagres.
Dá-nos os elementos imprescindíveis
à correção dos nossos rumos na vida, à melhoria da nossa posição em face dos
nossos semelhantes, mas tudo dependerá principalmente de nós, embora possamos
contar com o beneplácito dos Espíritos amigos, prontos a nos ajudar, sem,
contudo, interferir no nosso livre arbítrio. Justamente por tudo isso, ressalta
a responsabilidade de cada indivíduo, porque as palavras são de Léon Denis “o Espiritismo será o que dele fizerem os
homens. Similia similibus! Ao
contato da Humanidade, as mais altas verdades às vezes se desnaturam e
obscurecem. Podem constituir-se uma fonte de abusos. A gota de chuva, conforme
o lugar onde cai, continua sendo pérola ou se transforma em lodo”. (3)
*
Companheiros de crença, imbuídos,
sem dúvida alguma, dos melhores propósitos, tem procurado introduzir no
ambiente espírita ideias e ações que consideram úteis e de extraordinárias
consequências para o progresso do Espiritismo. Empolgados, não se apercebem da
possibilidade de inconveniências ocultas sob o entusiasmo de que se deixam possuir.
Eis o motivo pelo qual nem sempre a Federação Espírita Brasileira concorda com determinados
procedimentos e iniciativas. Nem sempre também as atitudes da Casa de Ismael
são imediatamente compreendidas, ainda que, ulteriormente, o tempo venha sempre
comprovar o acerto das suas prudentes resoluções, como a História o demonstra.
Escreveríamos um livro se nos
aprofundássemos na exposição dos fatos justificativos do que vimos de
asseverar. Há alguns anos, por exemplo, foi criada uma faculdade brasileira
de estudos psíquicos. Tudo muito solene, muito acadêmico, muito intelectual. O conhecido
malogro da iniciativa dispensa maiores comentários. Mas a ideia ficou bailando
na mente de alguns confrades, que a transmitiram a outros entusiastas, direta
ou indiretamente,
de modo que, volta e meia, surgem planos idênticos. Até se pretende elaborar
uma “pedagogia espírita”, como já se
criaram escolas espíritas, escolas de médiuns, institutos espíritas de
educação, cursos de introdução a uma pedagogia espírita, etc., culminando tudo
isto com uma publicação de educação espírita. Sem dúvida nenhuma, isso é belo e
sedutor, mas traz em seu bojo desvantagens que um exame atento revelará, uma
das quais está no fato de nos levarem aos mesmíssimos caminhos já percorridos
por outras doutrinas, por outros movimentos de caráter religioso ou filosófico.
Os mesmos esquemas, as mesmíssimas estruturas vigentes no setor materialista ou
pseudo espiritualista.
Entenda-se: não somos nem podemos
ser contra a educação, mas a Doutrina Espírita nos
sugere rumos diferentes para a sua aprendizagem, por sua maleabilidade e
natureza. A Doutrina sofrerá deturpações e mutilações, dentro de uma didática
formal, materializada, fruto de um intelectualismo que tem sido nocivo até
mesmo a doutrinas políticas. Considerando, portanto, com Kardec, que “princípio
do melhoramento está na natureza das crenças, porque estas constituem o móvel
das ações e modificam os sentimentos”; que “também está nas ideias inculcadas desde a infância e que se identificam
com o Espírito”; que “está ainda nas
ideias que o desenvolvimento ulterior da inteligência e da razão podem
fortalecer, nunca destruir”, concluiremos, ainda com Allan Kardec, que “é pela educação, mais do que pela
instrução, que se transformará a Humanidade”. (4) Mas
a educação espírita terá de continuar sendo feita pela própria Doutrina, sem
currículo escolar, sem professores em Espiritismo, sem alunos habilitados em
Espiritismo, sem os perigosos resvalamentos que conduzem à indiferença pelos
problemas morais inerentes aos
ensinos dos Espíritos, porquanto o Espiritismo Evangélico é fundamental e
essencialmente democrático, já que não veio para segmentar, mas para unir, unir
sempre. A pedagogia espírita está nas obras do Codificador, iluminadas pelo
Evangelho de Jesus, na realidade
o único Mestre, a quem Clemente de
Alexandria chamou, com felicidade, “Pedagogo da Humanidade”. A legítima “pedagogia” espírita emana da identidade
da Doutrina com o Evangelho, dispensando, por essa mesma razão, sistemas
criados e mantidos pelo materialismo, em ambiente capaz de desespiritualizar
qualquer esforço destinado a enquadrar em seus moldes rígidos (influenciando-os
negativamente, deturpando-os) os preceitos da Terceira Revelação. (grifo do Blog)
O que é preciso - disse eminente
correligionário espiritista - é imunizar o ambiente espírita do vírus
materialista, é espiritualizar métodos e expressões em uso nos trabalhos de
pregação da Doutrina, para que se fortaleçam cada vez mais os princípios dela
constantes. Se cotejarmos os conceitos de Espíritos de escol, como Emmanuel,
André Luiz, Bezerra de Menezes e outros, com os pontos de vista emitidos por
Allan Kardec, verificaremos
sua absoluta concordância, no que concerne ao processo aconselhável para a
divulgação e o ensino da Doutrina. Emmanuel
afirma: “Os estabelecimentos de ensino, propriamente do mundo, podem instruir,
mas só o instituto da família pode educar. É por essa razão que a universidade
poderá fazer o cidadão, mas somente o lar pode edificar o homem. A MELHOR
ESCOLA AINDA É O LAR, ONDE A CRIATURA DEVE RECEBER AS BASES DO SENTIMENTO E DO
CARÁTER.” (5)
Conta-se que um camponês fora à
instituição de Pestalozzi para visitar seu filho e,
ao chegar, exclamou surpreendido: “Oh!
isto não é uma escola, mas uma família!” Encantado,
Pestalozzi replicou: “Este é o maior
elogio que vós me poderíeis fazer. Eu consegui, graças a Deus,
mostrar ao mundo que não deve haver um abismo entre o lar e a escola.” (6) Infelizmente, o
materialismo desfigurou a ideia de Pestalozzi e, hoje, há um
objetivo inocultável de destruir a família, pois está em crise aguda a
autoridade dos pais
ante a crescente rebeldia dos filhos, sugestionados por teorias exóticas, que,
apelando para a liberdade, nada mais estão fazendo do que esmagá-la pela
indisciplina e o desregramento. O estudo
formalizado do Espiritismo, segundo o figurino materialista, fere frontalmente a
nossa Doutrina, que, então, passará a ser uma matéria de estudo como qualquer
outra, subordinada a esquemas didáticos que a situarão em plano secundário,
constringindo-a em processos convencionais, quando ela é, por si mesma, um extraordinário e
completo curso, cuja amplitude e profundeza decorre da sua tríplice condição de -
Religião, Ciência e Filosofia. (grifo do Blog) Sujeita ao tipo
didático materialista, que é o vigente, ela perderá, por força das
circunstâncias, o vigor que possui, caindo na vulgaridade, ficando, quando
muito, emparelhada a ensinamentos outros, indiscutivelmente menos relevantes,
porquanto estaria condenada a render-se ao modelo clássico das escolas
terrenas.
*
Lembramos uma vez mais o esclarecido
Emmanuel: “Porque a Doutrina Espírita é em si a
liberalidade e o entendimento, há quem julgue seja ela obrigada a misturar-se com todas as
aventuras marginais e com todos os exotismos, sob pena de fugir aos impositivos
da fraternidade que veicula.” (7) O intelectualismo exagerado sempre cria
problemas. A ele se devem os impulsos “progressistas” dos que desejam andar
mais depressa, na presunção, talvez, de que o Espiritismo avança... muito
devagar. Esquecem-se de
que “o próprio interesse do Espiritismo
exige que se apreciem os meios de ação, para não ser forçoso
parar a meio do caminho”. (8) Essa posição de
prudência não faltou jamais à Federação Espírita Brasileira, sentinela
indormida e positiva da pureza e integridade da
Doutrina, posição sólida para assegurar a vitalidade do Pacto Áureo, pela qual
lhe será
possível evitar se repita o lendário episódio do “cavalo de Tróia”. Não
ignoramos que
“o progresso geral é a resultante de
todos os progressos individuais; mas o progresso individual não
consiste apenas no desenvolvimento da inteligência, na aquisição de alguns
conhecimentos. Nisso mais não há do que uma parte do progresso, que não conduz
necessariamente ao bem, pois que há homens que usam mal do seu saber. O
progresso consiste, sobretudo, no melhoramento moral, na depuração do Espírito,
na extirpação dos maus gérmens que em nós existem. Esse o verdadeiro progresso,
o único que pode garantir a felicidade ao gênero humano. Muito mal pode fazer o
homem de inteligência mais cultivada; aquele que se houver adiantado moralmente
só o bem fará. É, pois, do interesse de todos o progresso moral da Humanidade”. (9)
Fora de dúvida, o Espiritismo deve
ser também sempre estudado como ciência, e não só
como ciência, mas em todos os seus aspectos. Todavia, parafraseando Léon Denis,
e consoante
o pensamento de notáveis espíritas, como Adolfo Bezerra de Menezes, Bittencourt
Sampaio, Pedro Richard, Guillon Ribeiro e outros, além dos já mencionados
Espíritos Emmanuel e André Luiz, direi: “O Espiritismo ou será evangélico, ou não
subsistirá”, porque, no Evangelho está tudo quanto figura no âmbito
essencialmente espírita, inclusive os fenômenos, que atestam, positivamente, a
realidade inconcussa das manifestações espirituais, das manifestações
psíquicas, no mundo físico.
Principalmente aos espíritas
militantes cabe o dever de evitar tudo quanto possa contribuir
para deslustrar o conteúdo espiritual das atividades que desempenham,
pretendendo conduzir por vias materializadas, naturalmente hostis ao
Espiritismo, o que este
possui de mais característico. Não estamos adotando atitude polêmica, mas
apenas, com a humildade que reveste a nossa intenção, alertando os companheiros
de atividade na seara, para que reflitam e retitiquem o rumo tomado com
entusiasmo e, acreditamos, com os mais puros propósitos, para que a Terceira
Revelação, cada vez mais, se robusteça e amplie o seu raio de ação e penetração
na consciência dos homens ainda à espera do “estalo” que sacudiu o Padre
Vieira.
(1) Allan Kardec - "Obras Póstumas",
página 316.
(2)
Emmanuel - "Religião dos Espíritos", página 193.
(3)
Léon Denis - "No Invisível", página 8.
(4) Allan Kardec, ob. cit., página 348.
(5)
Emmanuel - "O Consolado r", página 67, pergunta nº 110.
(6)
Frederick Eby "História da Pedagogia Moderna", página 380.
(7)
Emmanuel - "Religião dos Espíritos", página 192.
(8)
Allan Kardec, ob. cit., página 337.
(9)
Idem, ibidem, página 349.
Academias
Emmanuel
"Acreditam
muito mais em títulos transitórios do academicismo e em facilidades
econômicas
do que no valor substancial das pessoas."
("Estude
e Viva", 1ª ed., pág. 142, médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo
Vieira.)
"A
intelectualidade acadêmica está fechada no círculo da opinião dos catedráticos,
como a ideia religiosa está presa no cárcere dos dogmas absurdos."
("Emmanuel",
7ª ed., pág. 178, médium Francisco Cândido Xavier.)
Demétrio Nunes Ribeiro
"Jesus
desempenhou o mais alto apostolado da Terra sem uma cátedra de academia."
("Falando
à Terra", 2- ed., pág. 85, médium Francisco Cândido Xavier.)
André Luiz
"O
Lar e o Templo são as escolas da fé."
("Estude
e Viva", 1ª ed., pág. 119, médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo
Vieira.)
Jesus
Cristo
"Vós,
porém, não queirais ser chamado Rabi, porque um só é o vosso Mestre, a saber, o
Cristo, e todos vós sois irmãos."
("Evangelho
de Mateus", cap. XXIII, vers. 7-8.)
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