domingo, 29 de março de 2015

Escolas de Espiritismo

Escolas de Espiritismo

por Roque Jacintho


Reformador (FEB) Maio 1971

            Cada reencarnação representa, para a alma, parte de um longo e laborioso curso de sabedoria, na Universidade da Vida. No espaço que medeia entre o berço e o túmulo, estaremos submetidos a um bombardeio de estímulos, organizado pelos Planos Superiores, a fim de que, a pouco e pouco, atinjamos a maturação do senso intelectivo e do senso moral.

            Trazemos, em decorrência, de acordo com as experiências a que nos submeteremos, uma bagagem de interesses inatos, que sempre nos conduzirão a fechar o circuito da atenção com a aprendizagem programada e, quase sempre, nunca além desse programa. Evidentemente que, pelo exercício de nosso livre arbítrio, poderemos alterar de modo substancial o rumo de nossas lições, quer incorporando-as de modo substancial, quer adiando e transferindo aulas inestimáveis.

            No campo religioso, essa disposição é notável.

            Conserva paridade, em alguns ângulos, com a aprendizagem intelectual ou manual a que nos adestramos, para definir uma profissão.

* * *

            Na área de conhecimentos de fenômenos palpáveis, visíveis, chamados materiais por impressionar-nos os sentidos comuns, ninguém se atreveria, na atualidade, a programar um curso integral de todos os ramos do saber, ali colocando criaturas medianas ou inframedianas, como somos.

            Pela complexidade da cultura, amiúde frequentamos cursos de especialização, preferentemente seguindo a linha de nossos impulsos ou tendências naturais.

            Impossível ser músico, poeta, compositor, matemático, químico, biólogo, poliglota, astrofísico, pedreiro, torneiro, mecânico, tipógrafo, tecelão, médico, psicólogo, padeiro, sociólogo... ao mesmo tempo!

            Seria atingir as raias do absurdo!

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            No campo moral, a complexidade não é menor.

            Impossível voltar-nos integralmente para vencer, duma só vez, a rapina, a avareza, o egoísmo, o orgulho, a vaidade, a preguiça, o desânimo, a maledicência... e adquirir a fraternidade, o amor ao trabalho, a dedicação às tarefas, a humildade legítima, a intuição ampla da imortalidade, a fé religiosa, a penetração dos segredos das leis espirituais, a mediunidade, a bondade, a gentileza, a ternura, a renúncia, o amor ao próximo, o amor ao Pai... numa única reencarnação!

            Assim como trazemos ideias inatas, que nos definem a preferência por esta ou aquela atividade profissional, transportamos no íntimo os impulsos que nos colocam frente a frente com expiações e provações capazes de arejar e enriquecer o mundo espiritual, levando-nos a vencer, um a um, os degraus de nossa imperfeição anímica.

* * *

            É mais do que comprovado, pela Ciência, que duas ou mais criaturas colocadas diante da mesma situação, recolhem experiências e conclusões diferentes. Vemos o mundo pelos nossos olhos. A coleta de dados, a sua computação nos departamentos de nossa alma, a elaboração de respostas aos estímulos externos, estão condicionados à maturidade de nosso senso moral.

            Observemos no cotidiano:

            - no anúncio de uma calamidade pública, uns ficam indiferentes, outros se regozijam pela dor alheia, alguns choram desesperados e outros auxiliam;

            - na ocorrência de pequeno desastre familiar, cada componente do círculo consanguíneo reage em comportamento diferenciado;

            - em resposta a um apelo de caridade, poderemos anotar o espocar da ironia, a indiferença ao chamamento maior, a preguiça de vencer os compromissos rotineiros, a surdez súbita e conveniente e a adesão incondicional.

            O Evangelho do Senhor, a exemplo, é um roteiro de luz, igual para todos e decantado por todos nós. Penetrar-lhe o sentido singelo de imortal verdade,  aceitá-lo por único caminho, descobrir o espírito que se encontra sob a letra, no entanto, é uma questão de maior ou de menor amadurecimento nas coisas da Vida Eterna.

***

            O Espiritismo, corporificando-se entre os homens através da genialidade de um Allan Kardec, encontrou um mundo que se caracteriza pela disparidade e até pelo conflito evolutivo. Almas iluminadas misturam-se conosco, criaturas que nos arrastamos penosamente pelas aleias da existência. Grandes rasgos de amor ao próximo são enxovalhados pelo egoísmo avassalante. O orgulho que campeia à solta ombreia, repetidamente, com a humildade que constrói a pedra angular do mundo novo. Nesse panorama, a Doutrina surgiu para renovar a criatura. Longe, porém, de ser uma ginástica mental, à semelhança de credos e seitas seculares, aparece-nos como um exercício espiritual vivo, autêntico. Sem criar um modelo artificioso de comportamento para o homem, exigindo que cada um se ajuste ao inusitado figurino, procura desenvolver as qualidades profundas de cada um de nós, assegurando-nos que em cada pecador existe um santo.  É o método de Jesus que se revive.

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            Pela disparidade evolutiva que nos caracteriza e por destinar-se a todos, sem exclusão de ninguém, a Doutrina Espírita traz uma dinâmica diferente para a sua aprendizagem, muito diversa das habituais. Cada um deve aprender por si. Não que se dispense, é claro e evidente, a permuta de experiências, que recolhemos nos estudos coletivos. Essas reuniões, contudo, não substituem a vivência pessoal e própria.

            Assim é que escolas e cursos formais de Espiritismo são inviáveis. O autodidatismo moral não é um mal. É insubstituível!

            A maior aquisição espírita, hoje e sempre, é a reforma íntima. Sem ela, todos os conhecimentos de Doutrina não passariam de meros exercícios de inteligência, ilustrando-nos a mente, sem iluminar o coração.

            Se frequentássemos um curso de Espiritismo, decorando regras morais, memorizando a mecânica de leis, devorando pontos e apostilas, respondendo presente a cada aula, não estaríamos autorizados a exigir ou receber um certificado de conclusão do curso.

            O Espírito da Verdade, em "O Evangelho segundo o Espiritismo", remete-nos um conceito que invalida qualquer pretensão nesse campo: "Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más".

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            Nos cursos comuns de nossas escolas, hoje, procuram agrupar alunos pelo seu quociente intelectual, a fim de tentar dinamizar e tornar mais econômica a aprendizagem.

            Numa escola de Espiritismo, teríamos de estabelecer uma seleção de quociente espiritual classificando os mais virtuosos ou com mais condições de interiorizar ensinamentos.

            Quem se atreveria a tal seleção?

            Quem nos asseguraria - se pusermos de lado a vaidade e o orgulho - que não rejeitaríamos, nesse inusitado vestibular, uma aluna chamada Maria Madalena, por falta de dotes morais; um Simão Pedro, por ser iletrado e pela vulgaridade de suas explosões; um Saulo de Tarso, por estar cego de paixão no exigir o cumprimento de leis ultrapassadas?

            Chico Xavier, de há quarenta anos, seria reprovado. Era um mero caixeirinho de armazém, sem curso médio.

            E onde ficaria um Arigó, com sua rudeza?

            E nosso Batuíra, dono de casas de aluguel, metido a jornalista, enterrado num porão escuro a compor artigos "sem nenhum gosto refinado"?

            Bezerra de Menezes já haveria passado da idade.

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            Espiritismo é bom, por ser dos Espíritos.

            Somos coadjuvantes e não o papel central na peça.

            Se tentarmos sistematizá-lo, condicioná-lo a programas didáticos, organizá-lo em moldes imediatistas ou pelos padrões vigentes em nós mesmos, transformá-lo em mais uma seita ou igreja a disputar a direção de nosso mundo - a limitação
 imensurável de nossa evolução- terminará por inaugurar uma nova e dolorosa fase de profissionais do Espiritismo, vivendo da Doutrina e não para a Doutrina, liquidando uma de suas mais belas e profundas expressões que é o trabalho gratuito e a condição de sacerdotes no altar de nossa consciência.


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