Vale
a penar comemorar de novo...
A Era Kardequiana
Parte 1 de 2 Partes
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Abril 1956
Os espíritas brasileiros, e provavelmente
os de todos os outros países onde a Codificação se acha divulgada, já iniciaram
seus movimentos para comemorar o PRIMEIRO CENTENÁRIO DA CODIFICAÇÃO DO
ESPIRITISMO, no dia 18 de Abril de 1957, data do aparecimento de "O Livro dos Espíritos", no século
passado.
Um século de agitação e lutas,
guerras e revoluções, não deu tempo à Humanidade de
ler e compreender a obra maior que já foi realizada na superfície da Terra. A
Codificação permanece desconhecida da imensa maioria dos homens, porque
realmente eles não se acham em condições de compreende-la e muito menos ainda
de vive-la, de atingir a felicidade
que ela lhes pode proporcionar. Ela permanece de braços abertos esperando a Humanidade
para salva-la, como o Cristo no madeiro, há quase dois mil anos, mas o pobre
terrícola, atormentado pelas paixões, pela ignorância, pela fome, pelo medo,
continua correndo
atrás de suas ilusões ou fugindo de seus pavores, sem serenidade para buscar a paz,
para estudar a vida que tanto horror lhe causa, quando só lhe deveria proporcionar
júbilo e esperanças bem fundadas, segurança no porvir e desprezo às ilusões e
ao medo que tanto o infelicitam.
Detenhamo-nos por um momento para
meditar sobre a obra de Allan Kardec que iremos
comemorar em 1957, quando teremos que ouvir muito repetido que Allan Kardec se
chamava Hippolyte Léon Denizard Rivail,
que encarnou em 3 de Outubro de 1804, e desencarnou
em 31 de Março de 1869, que foi
estudante precoce e educador emérito, havendo reformado muitos pormenores do
ensino oficial em sua Pátria, que possuía bem o
francês e o alemão, e tantas outras coisas mundialmente corriqueiras que se
dizem de todos
os grandes homens, mas são de pouco valor ao serem aplicadas a um Grande
Missionário que veio transformar o Mundo.
Tentemos fugir um pouco deste
ramerrão tão superficial e pensar mais seriamente na
obra do Codificador. Os fenômenos
espíritas são de todos os tempos e todos os lugares. Não houve lugar no mundo
antigo nem no moderno em que não ocorressem os mesmos fatos, sobre os quais se
fundaram todas as formas de mitologia, fetichismo e religiões que chegaram até
nós, pelo menos em parte, através da literatura profana e sagrada.
Deixando de parte o fetichismo, por
ser de mais difícil verificação literária, e examinando somente as mitologias e
religiões, notamos que todas elas se fundaram pela observação de manifestações
do mundo espiritual, e se fundaram em regiões
completamente
isoladas umas das outras. Bem conhecidas são as mitologias romana, grega e
escandinava, criadas em tempos remotos, quando nenhuma relação existia entre
esses três
grupos humanos; no entanto, elas três têm grandes analogias entre si, como as
tem com
as crenças dos antigos egípcios, dos povos orientais e só isso bastaria para
demonstrar uma origem comum.
Em todas as diversas mitologias, os
Espíritos se intitulavam deuses: havia os deuses do bem e os do mal, deuses e
deusas. Todos e todas com as mesmas paixões e limitações humanas. Era
justamente como compreendemos hoje: Espíritos adiantados e bons e outros atrasados
e maus, de homens e de mulheres.
Mais um passo para a frente e
entramos no domínio religioso, ainda muito nebuloso, dos
judeus. Lá vemos Jacó lutando corporalmente com um "deus" que foi por
ele vencido
e desde aquela noite célebre passou ele a chamar-se o campeão de deus, isto é, Israel.
(Gênese 32:22 a 28).
Foi esse deus, ou Espírito
materializado, quem deu a Jacó o nome de Israel, o pai dos
israelitas. Este episódio é um traço de união entre as mitologias e as
religiões antigas, em parte até hoje existentes no mundo.
Por todo o Velho Testamento
encontramos manifestações de Espíritos. Quem ditou a
Lei a Moisés foi um Espírito que se nomeou o deus de Israel. Hoje ele se diria
o Espírito protetor dos hebreus.
Igualmente o Novo Testamento se
baseia em fenômenos espíritas, alguns grandiosos como a Transfiguração (Mat.,
17:1 a 6), na qual Jesus conversa com Moisés e Elias, materializados diante de
três discípulos, e assim também as aparições de Jesus, depois de sepultado.
Os fenômenos são universais e
eternos e sempre serviram de base a mitologias e religiões;
mas estas os colheram ao acaso, sem método de comparação e análise, de
modo
que não provaram cientificamente suas teorias. Impuseram-se aos homens como dogmas
de fé, sem demonstração completa e convincente.
Recolhendo fatos materiais,
relacionando-os, descobrindo as leis que os regem e as relações
que os ligam entre si, foi surgindo a pouco e pouco a ciência materialista do nosso
tempo.
Baseada em fatos que se repetem com
certa regularidade e podem ser por todos observados,
a Ciência formulou teorias que se impõem a todos os estudiosos; mas estas teorias,
fundadas exclusivamente sobre a observação de fatos materiais, não entraram pelos
domínios da Religião, permaneceram no estudo da matéria. Seu estudo da vida se limitou
às manifestações físicas dessa mesma vida.
A Religião entrou em conflito com a
Ciência toda vez que esta ousou negar um de seus dogmas, por mais absurdo que fosse
o dogma, como o eram o da inexistência de antípodas,
o de girar o Sol em torno da Terra, etc. Os argumentos da Igreja, em nome da
Religião, foram a masmorra, o cavalete da tortura, as fogueiras da Santa
Inquisição. Convenhamos:
argumentos sem valor algum probativo e que a ninguém convenceram. Travou-se
assim a grande luta entre os defensores da Religião dominante e os da Ciência
nascente. Uma dispondo de dogmas, de palavras, de sanções cruéis, e a outra apoiada
na observação de fatos da Natureza.
É evidente que o Sol não se
intimidou diante das fogueiras inquisitoriais e nem a Terra
deixou de girar em torno de seu eixo, pelos decretos eclesiásticos; mas
cavou-se um
abismo entre Ciência e Religião. Uma tem dogmas humaníssimos, a outra por fatos
da Natureza. Como a Natureza é o Livro de Deus, aberto aos homens, segue-se que
a Ciência, apesar de materialista aparência, é divina, e que a Religião ortodoxa
se tornou diabólica, apesar de se dizer espiritualista e crente em Deus.
Passaram as palavras a ter sentido
oposto à sua etimologia.
A falta de base científica para os dogmas
religiosos, lançou-os no descrédito
popular.
A Humanidade passou a crer unicamente na Ciência que, apesar de todas suas
falhas, apresenta grandes verdades e corrige seus erros humanos, logo que
descobre.
Entrou-se em cheio no materialismo científico
e abandonou-se por completo a religião, apesar das tradições enraizadas que se
conservaram em prática, mas inoperantes na vida.
Em outro artiguete completaremos nossas
reflexões sobre o sentido da Era Kardequiana.
Fim da parte 1
A Era Kardequiana
Parte 2 de 2 Partes
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Maio 1956
Vencida pelos fatos da Ciência, a
Religião perdeu toda a sua força orientadora na sociedade humana e passou a
crer somente no poder do Estado, a quem recorreu para impor seus dogmas aos
homens. Vemo-la admitindo de público sua incapacidade e exigindo que a lei
civil sancione seu Sacramento do Matrimônio, proibindo o divórcio. Por outras
palavras, vemos a Igreja crente apenas nas forças materiais e descrente de todo
o poder espiritual.
É o reinado do Materialismo
absoluto, do Ateísmo completo. A crença na imortalidade da alma e em prêmios e
castigos após a morte passou a ser tratada como simples superstição de idades
tenebrosas.
É nessa penosa situação que surge a Codificação
do Espiritismo, ainda hoje pouco conhecida do mundo, apesar de seus quase cem
anos de existência.
Reunindo os fenômenos espíritas pelo
mesmo método de análise comparada que adota a Ciência, Allan Kardec demonstrou
que a Religião, do mesmo modo que a Ciência, se baseia em fatos naturais
invencíveis pela sua repetição universal e eterna e, portanto, que o
Materialismo é apenas passageiro eclipse na vida da Humanidade.
Cumpria apenas reunir fatos em
grande escala, relacioná-los entre si, para dar à Religião uma base científica
inabalável.
Tais fatos existiam, existem,
existirão sempre e nenhuma força humana poderá impedir-lhes as repetições
presentes que confirmam o passado e as futuras que confirmarão o presente.
Impossível destruir para sempre a verdade natural que se baseia em fatos. A
Religião só teria que seguir o mesmo caminho modesto, sério, lento e seguro da
observação científica dos fenômenos, interpretados em CONJUNTO, não
insuladamente em suas aparências externas.
A um século de distância da
Codificação do Espiritismo, podemos vê-la um pouco melhor do que o puderam os
contemporâneos de Allan Kardec, e verificar que ela está destinada a triunfar
mundialmente, mesmo que contra ela se reacendam as fogueiras de novas
Inquisições com outros rótulos; porque neste século decorrido multiplicaram-se
por toda a parte os fatos em que ela se baseia, e foram submetidos ao mais
rigoroso controle científico, para sua perfeita aprovação.
Essa repetição constante dos
fenômenos, confirmando sempre a Codificação, demonstra sobejamente a solidez
granítica da edificação kardequiana. Não importa que a Humanidade se conserve
de olhos fechados e ouvidos tapados para os fatos que mais lhe interessaria
conhecer.
Pobre Humanidade! Ela sofre tanto! A
fome, o medo, as paixões, a ignorância a enlouquecem, e não lhe deixam calma
para meditar um momento sobre si mesma, sobre seu porvir.
Ela não é livre; é governada, escravizada, torturada pelas suas próprias
criações de tempos bárbaros. Pertence ao Estado, e faz a guerra que detesta,
porque o Estado lhe impõe. Pertence às organizações econômicas e se apavora
diante do espectro da fome que a ameaça. Teme a vida e teme a morte, o nada ou
o inferno.
Corre louca em busca de sensações
que a levem a esquecer seu desespero. Quer ser compreendida e justifica-se a
cada passo, porque teme os juízos alheios. Teme o presente e o futuro e
desconhece o passado.
Não pode ainda estudar a Codificação
e conhecer o grandioso porvir que a aguarda. É
pequeno, muito limitado o número de pessoas que já se libertaram parcialmente
das aflições
ambientes para estudar e viver a Codificação. Quem ganha terreno mais rapidamente
é o Materialismo, porque vivemos dentro das mais cruéis realidades materiais.
Mas o tempo não importa. O eclipse
pode ser longo. Depois ressurgirá o sol da Verdade, para brilhar e iluminar
eternamente a Humanidade redimida do futuro.
A Codificação nos prova primeiramente
a continuidade da vida, as possibilidades de intercâmbio entre os vivos e os
supostos mortos, e o prova com uma pirâmide imensa de fatos inabaláveis. Depois
nos ensina os processos de conquistarmos a paz, a harmonia, a felicidade aquém
e além da morte do corpo. E tudo ela nos prova sempre sobre a base dos fatos
estudados, comparados, controlados com rigor perfeitamente científico.
Demonstra-nos a lei das encarnações
sucessivas e a responsabilidade que temos em preparar para nós mesmos
encarnações felizes ou desditosas.
Revela-nos a assistência permanente
que podemos receber de seres mais sábios e melhores do que nós, desde que
afinemos com eles os nossos sentimentos para podermos captar lhes as
inspirações.
Esclarece-nos sobre a consoladora
verdade da salvação universal e a continuidade do amor através das mundos e dos
evos, como lei de atração universal que une os seres e os mundos na mais bela
harmonia.
A Codificação, formando a Terceira
Revelação, parte dos fatos materiais para conduzir-nos em ascensão aos páramos
do mais puro idealismo.
Ela nos esclarece sobre todos os
acontecimentos da História passada e presente e justifica todos os
acontecimentos, conduzindo-nos assim a tudo perdoar e a tudo amar.
Mostra-nos já redimidos pela dor os
maiores monstros da antiguidade e nos ensina a amar
igualmente a Jesus, Judas, Barrabás, Herodes, Pilatos e Caifás; porque todos
eles já venceram
e se acham em nossa frente, mais úteis e mais felizes do que nós.
Antes do triunfo da Era Kardequiana
a pobre Humanidade terá que vencer duras provas, fazer muitas reformas penosas
em suas organizações já bárbaras e antiquadas. Tais reformas custarão muita
dor, mas hão de preparar o mundo para a harmonia, a beleza, o amor, a justiça,
para o triunfo em toda a sua plenitude da Religião em suas novas formas. Virá a
Religião do Amor Universal a todos os seres, encarnados e livres, na Terra e
nas Esferas superiores.
Tudo poderá passar, mas a Era
Kardequiana será inevitável, porque ela se funda sobre fatos eternos e
universais que se repetirão sempre até despertar os corações de pedra.
Nossas comemorações do Primeiro
Centenário da Codificação fornecerão o ensejo de examinarmos as realizações de
um século e planejarmos o trabalho que nos cumpre fazer no futuro milênio. Em
cada século a Humanidade estará mais bem aparelhada para compreender e pôr em
prática a Codificação.
Ismael Gomes Braga
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