Escolas de Espiritismo
por Roque Jacintho
Reformador (FEB) Maio 1971
Cada reencarnação representa, para a
alma, parte de um longo e laborioso curso de sabedoria, na Universidade da
Vida. No espaço que medeia entre o berço e o túmulo, estaremos submetidos a um
bombardeio de estímulos, organizado pelos Planos Superiores, a fim de que, a
pouco e pouco, atinjamos a maturação do senso intelectivo e do senso moral.
Trazemos, em decorrência, de acordo
com as experiências a que nos submeteremos, uma bagagem de interesses inatos,
que sempre nos conduzirão a fechar o circuito da atenção com a aprendizagem
programada e, quase sempre, nunca além desse programa. Evidentemente
que, pelo exercício de nosso livre arbítrio, poderemos alterar de modo
substancial o rumo de nossas lições, quer incorporando-as de modo substancial,
quer adiando e transferindo aulas inestimáveis.
No campo religioso, essa disposição
é notável.
Conserva paridade, em alguns
ângulos, com a aprendizagem intelectual ou manual
a que nos adestramos, para definir uma profissão.
* * *
Na área de conhecimentos de
fenômenos palpáveis, visíveis, chamados materiais por impressionar-nos os
sentidos comuns, ninguém se atreveria, na atualidade, a programar um curso
integral de todos os ramos do saber, ali colocando criaturas medianas ou
inframedianas, como somos.
Pela complexidade da cultura, amiúde
frequentamos cursos de especialização, preferentemente
seguindo a linha de nossos impulsos ou tendências naturais.
Impossível ser músico, poeta,
compositor, matemático, químico, biólogo, poliglota, astrofísico, pedreiro,
torneiro, mecânico, tipógrafo, tecelão, médico, psicólogo, padeiro,
sociólogo... ao mesmo tempo!
Seria atingir as raias do absurdo!
* * *
No campo moral, a complexidade não é
menor.
Impossível voltar-nos integralmente
para vencer, duma só vez, a rapina, a avareza, o egoísmo, o orgulho, a vaidade,
a preguiça, o desânimo, a maledicência... e adquirir a fraternidade, o amor ao
trabalho, a dedicação às tarefas, a humildade legítima, a intuição ampla da
imortalidade, a fé religiosa, a penetração dos segredos das leis espirituais, a
mediunidade, a bondade, a gentileza, a ternura, a renúncia, o amor ao próximo,
o amor ao
Pai... numa única reencarnação!
Assim como trazemos ideias inatas,
que nos definem a preferência por esta ou aquela atividade profissional,
transportamos no íntimo os impulsos que nos colocam frente a frente com
expiações e provações capazes de arejar e enriquecer o mundo espiritual,
levando-nos a vencer, um a um, os degraus de nossa imperfeição anímica.
* * *
É mais do que comprovado, pela
Ciência, que duas ou mais criaturas colocadas diante da mesma situação,
recolhem experiências e conclusões diferentes. Vemos o mundo pelos nossos
olhos. A coleta de dados, a sua computação nos departamentos de nossa alma, a
elaboração de respostas aos estímulos externos, estão condicionados à
maturidade de nosso
senso moral.
Observemos no cotidiano:
- no anúncio de uma calamidade
pública, uns ficam indiferentes, outros se regozijam
pela dor alheia, alguns choram desesperados e outros auxiliam;
- na ocorrência de pequeno desastre
familiar, cada componente do círculo consanguíneo reage em comportamento diferenciado;
- em resposta a um apelo de
caridade, poderemos anotar o espocar da ironia, a indiferença ao chamamento
maior, a preguiça de vencer os compromissos rotineiros, a surdez súbita e
conveniente e a adesão incondicional.
O Evangelho do Senhor, a exemplo, é
um roteiro de luz, igual para todos e decantado
por todos nós. Penetrar-lhe o sentido singelo de imortal verdade, aceitá-lo por
único caminho, descobrir o espírito que se encontra sob a letra, no entanto, é uma questão de maior ou de menor amadurecimento nas coisas da Vida Eterna.
***
O Espiritismo, corporificando-se
entre os homens através da genialidade de um Allan Kardec, encontrou um mundo
que se caracteriza pela disparidade e até pelo conflito evolutivo. Almas
iluminadas misturam-se conosco, criaturas que nos arrastamos penosamente pelas
aleias da existência. Grandes rasgos de amor ao próximo são enxovalhados pelo
egoísmo avassalante. O orgulho que campeia à solta ombreia, repetidamente, com
a humildade que constrói a pedra angular do mundo novo. Nesse panorama, a
Doutrina surgiu para renovar a criatura. Longe, porém, de ser uma ginástica mental,
à semelhança de credos e seitas seculares, aparece-nos como um exercício espiritual
vivo, autêntico. Sem criar um modelo artificioso de comportamento para o homem,
exigindo que cada um se ajuste ao inusitado figurino, procura desenvolver as
qualidades profundas de cada um de nós, assegurando-nos que em cada pecador
existe um santo.
É o método de Jesus que se revive.
* * *
Pela disparidade evolutiva que nos
caracteriza e por destinar-se a todos, sem exclusão
de ninguém, a Doutrina Espírita traz uma dinâmica diferente para a sua
aprendizagem, muito diversa das habituais. Cada um deve aprender por si. Não
que se dispense, é claro e evidente, a permuta de experiências, que recolhemos
nos estudos coletivos. Essas reuniões, contudo, não substituem a vivência
pessoal e própria.
Assim
é que escolas e cursos formais de Espiritismo são inviáveis. O autodidatismo
moral não é um mal. É insubstituível!
A maior aquisição espírita, hoje e
sempre, é a reforma íntima. Sem ela, todos os conhecimentos de Doutrina não
passariam de meros exercícios de inteligência, ilustrando-nos a mente, sem
iluminar o coração.
Se frequentássemos um curso de Espiritismo,
decorando regras morais, memorizando a mecânica de leis, devorando pontos e
apostilas, respondendo presente a
cada aula, não estaríamos autorizados a exigir ou receber um certificado de
conclusão do curso.
O Espírito da Verdade, em "O
Evangelho segundo o Espiritismo", remete-nos um conceito que invalida
qualquer pretensão nesse campo: "Reconhece-se
o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega
para domar suas inclinações más".
* * *
Nos cursos comuns de nossas escolas,
hoje, procuram agrupar alunos pelo seu quociente intelectual, a fim de tentar
dinamizar e tornar mais econômica a aprendizagem.
Numa escola de Espiritismo, teríamos
de estabelecer uma seleção de quociente espiritual
classificando os mais virtuosos ou com mais condições de interiorizar ensinamentos.
Quem
se atreveria a tal seleção?
Quem nos asseguraria - se pusermos
de lado a vaidade e o orgulho - que não rejeitaríamos, nesse inusitado vestibular,
uma aluna chamada Maria Madalena, por falta de dotes morais; um Simão Pedro,
por ser iletrado e pela vulgaridade de suas explosões; um Saulo de Tarso, por
estar cego de paixão no exigir o cumprimento de leis ultrapassadas?
Chico Xavier, de há quarenta anos,
seria reprovado. Era um mero caixeirinho de armazém, sem
curso médio.
E onde ficaria um Arigó, com sua
rudeza?
E nosso Batuíra, dono de casas de
aluguel, metido a jornalista, enterrado num porão escuro a compor artigos
"sem nenhum gosto refinado"?
Bezerra de Menezes já haveria
passado da idade.
* * *
Espiritismo
é bom, por ser dos Espíritos.
Somos coadjuvantes e não o papel
central na peça.
Se tentarmos sistematizá-lo,
condicioná-lo a programas didáticos, organizá-lo em
moldes imediatistas ou pelos padrões vigentes em nós mesmos, transformá-lo em
mais uma seita ou igreja a disputar a direção de nosso mundo - a limitação
imensurável de nossa evolução- terminará por inaugurar uma nova e dolorosa fase de profissionais do Espiritismo, vivendo da Doutrina e não para a Doutrina, liquidando uma de suas mais belas e profundas expressões que é o trabalho gratuito e a condição de sacerdotes no altar de nossa consciência.
imensurável de nossa evolução- terminará por inaugurar uma nova e dolorosa fase de profissionais do Espiritismo, vivendo da Doutrina e não para a Doutrina, liquidando uma de suas mais belas e profundas expressões que é o trabalho gratuito e a condição de sacerdotes no altar de nossa consciência.