"Processo
dos Espíritas”
Deolindo
Amorim
Reformador (FEB) Fevereiro 1978
Seria impossível, nas limitadas
dimensões de um artigo, tentar o resumo de um livro de tal ordem. Mas o resumo
já existe (e que resumo!), feito por Hermínio c. Miranda, com a clareza que lhe
é própria em tudo quanto escreve. A apresentação de Hermínio C. Miranda corresponde a bem dizer a um livro. O título
original é Procès des Spirites,
agora lançado pela Federação Espírita Brasileira.
Houve um processo contra espíritas na França do século XIX. Pioneiros do
Espiritismo, assim como a própria viúva de Allan
Kardec, já octogenária (nem lhe respeitaram a idade!..) tiveram que
comparecer à presença de um Juiz, ouviram as acusações, suportaram o vexame de uma
situação constrangedora, mas não recuaram. Houve condenações. Leymarie (Píerre-Gaêtan Leymarie)
sofreu pena de prisão e multa. Uma das mais credenciadas figuras históricas do
Espiritismo na França condenada como réu!... Mas o ideal espírita não se apagou
nem a fibra de Leymarie se
enfraqueceu por causa da condenação.
Vamos
ao caso. Foi no ano de 1875, o processo iniciou-se a 16 de junho. A Senhora Leymarie, que ficara no lugar do
marido, na direção da Livraria Espírita
e da Revue Spirite, conservou os
documentos, que retratam à saciedade a injustiça de que fora vítima seu
dedicado companheiro de lutas, e escreveu, mais tarde, a memória desse triste
episódio, sob o título Procès des
Spirites. É justamente a obra que a FEB põe, agora, nas mãos de nosso público. A maior parte está em francês,
exatamente a reprodução dos interrogatórios e depoimentos, acusação e defesa,
cartas, etc. Mas boa parte do livro, em português, já é suficiente para tornar
compreensível o fio de toda a trama. O Prefácio, escrito pelo Presidente da
FEB, nosso confrade Francisco Thiesen,
esclarece bem a razão de ser e os antecedentes da publicação, cujo principal
intuito, está bem claro, é trazer para os leitores e estudiosos um caso
histórico, ignorado por mais de uma geração de espíritas. Diz o confrade Francisco Thiesen: "Dessarte, com a Apresentação, escrita em
português por Hermínio C. Miranda,
enriquecida com ilustrações noutros livros dificilmente encontráveis, a
reprodução fotomecâníca do inteiro teor do documentário elaborado pela Madame Marina P.-G. Leymarie, em 1875,
em francês, adquire a característica de obra a mais completa que existe sobre o secular processo." Em seguida, vem a Apresentação na qual Hermínio C. Miranda não se satisfaz em apresentar formalmente o Processo dos Espíritas, mas desce a
fundo na análise, sob o ponto de vista psicológico, e demonstra as
contradições, a má-fé nos interrogatórios e, por fim, no desfecho, inteiramente
injusto.
Por
que começou o caso? Porque um médium - Buguet
- que exercia a profissão de fotógrafo, fora denunciado como explorador da
boa-fé. Tudo se prende a fotografias de Espíritos. Houve fraude fotográfica, é
certo, mas também houve provas irrecusáveis de que algumas fotografias eram
realmente de Espíritos desencarnados, devidamente identificados. Buguet tinha faculdade mediúnica, o que, aliás, fica bem patente na
leitura do Processo, mas não era um médium bem orientado sob os princípios
espíritas. Desvirtuou a mediunidade, depois de certo tempo, e caiu realmente na
mistificação. Formalizada a denúncia, foram arrastadas diversas pessoas que com
ele mantinham relações, principalmente Leymarie,
por haver publicado fotografias na Revista, a respeitada Revue Spirite, fundada por Allan Kardec. Três acusados: Buguet
(o médium e fotógrafo), Leymarie
(Diretor da Revista) e Firman
(médium americano), que sentira os primeiros sintomas de sua mediunidade em
Nova lorque. Pesava sobre Alfred Henry
Firman a acusação de ter "posado
para Buguet de olhos fechados e,
depois, estando na Holanda, de ter aparecido numa das fotografias que o Juiz
chamava de fantasmagórica" (Cf. Hermínio C. Miranda). Fenômeno de bícorporeídade, como se chama em
linguagem espírita. Para o Juiz, no entanto, constituía crime (!) o fato de alguém aparecer simultaneamente em dois
lugares. Usando até de sofismas a fim de confundir os acusados, o Juiz Millet não se colocou na posição de
Juiz, pois o seu procedimento, durante todos os interrogatórios, foi
ostensivamente parcial, deixando bem claro o propósito de condenar os
espíritas, fosse como fosse. Foram chamadas 55 testemunhas, em dois grupos: 27
de acusação e 28 de defesa. Eis, aí, em linhas muito sumárias, o que foi o Processo dos Espíritas. Da leitura do
volume, com todas as peças do "Processo",
podemos partir para algumas considerações finais:
-
a influência da intolerância religiosa contra o Espiritismo pesou muito no
julgamento;
-
o Juiz Millet, como o Procurador da
Justiça e outros acusadores não conheciam o assunto, nada entendiam de fenômenos mediúnicos
nem de fotografias de Espíritos;
-
o Juiz fez insinuações para forçar respostas a seu jeito, mas encontrou muita
firmeza da parte de Leymarie, Senhora Allan Kardec e outras
testemunhas;
-
admirável, em tudo por tudo, a energia, o desassombro de Amélie Boudet (viúva de Allan Kardec) ao depor perante a Câmara Criminal.
Finalmente,
Buguet, o médium, envolvido em
fraude, terminou confessando sua própria fraqueza. Leymarie, apesar de ter sido preso, não deixou de ser o mesmo homem
de bem, cuja dignidade e injustiça não abateu nem "arranhou". O
episódio passou já fez um século, mas o Processo
dos Espíritas continua a ser uma lição histórica de coragem moral e firmeza
em defesa da convicção espírita. Um dos recentes lançamentos da Federação
Espírita Brasileira, cuja iniciativa, como aconteceu com Répertoire du Spiritisme, vem preservar uma documentação de grande
interesse para a História do Espiritismo.
(Transcrito de "Mundo Espírita", edição de 31-7-1977, Curitiba - PR).
Observação
- Já está novamente disponível, em português, o livro Processo dos Espíritas (resumo por Hermínio C. Miranda), pois o
Departamento Editorial da FEB lançou, no final de 1977, a sua 2ª edição.
Procés
des Spirites
Aureliano
Alves Netto
Reformador
(FEB) Junho 1978
“Menos
mal fazem os delinquentes do que o mau juiz. “
Francisco de Quevedo
Villegas
* * *
Merece
os mais entusiásticos louvores o Departamento Editorial da Federação Espírita Brasileira, pelo lançamento da preciosidade
bibliográfica Procès des Spirites,
de Madame P.-G. Leymarie, numa fiel
reprodução do original francês, graças aos modernos recursos do processo
fotomecânico.
Essa
admirável obra, praticamente desconhecida da atual geração de espíritas, identifica
a época tenebrosa da perseguição ao Espiritismo na segunda metade do século
passado, a partir do execrando Auto-de-fé de Barcelona, em 9 de outubro de
1861. Triste revivescência de tempos mais recuados, do nefasto obscurantismo da
Idade Média.
Traçando
um paralelo entre o Processo de Joana d'Arc e o des Spirites, Francisco Thiesen, no Prefácio, assinala que, no
"Processo dos Espíritas",
a história se repete. Com uma diferença, apenas: o temível tribunal do Santo
Ofício, visível ou invisivelmente considerado,
abstém-se de qualquer procedimento
ostensivo, aparatoso, na condenação do homem que, quer pela posição ocupada no
movimento espírita francês, quer pela sua envergadura moral e prestígio nos
demais países, bem e fielmente representava o Espiritismo, o alvo realmente
visado pela conspiração trevosa. Prefere agir como agiu: orientando, de maneira
oculta, a ação da Justiça da "Cidade-Luz", a famosa e culta Paris.
A
2ª edição do Procès des Spirites (1ª
no Brasil) vem precedida de uma "Apresentação", em que o autor, Hermínio C. Miranda, num estupendo
esforço de síntese, dá-nos a conhecer, com os detalhes indispensáveis, todo o
desenrolar da suspeitosa ação judicial.
O
caso é que, em 16 de Junho de 1875, inicia-se na Sétima Câmara Correcional de Paris
um processo criminal proposto pelo Ministério Público contra os fotógrafos
profissionais Édouard Buguet e Alfred Henry Firman, ambos médiuns, e
o Sr. Pierre-Gaetan Leymarie, gerente da "Revue Spirite" e da Sociedade para a continuação das obras
espíritas de AlIan Kardec.
Buguet era o principal acusado, sob a
alegação de haver abusado da credulidade pública, servindo-se de meios
fraudulentos para auferir lucro na venda de "fotografias espíritas"
que, na verdade, não passariam de fotografias comuns, adulteradas habilmente de
modo que, ao lado de pessoas encarnadas, aparecessem seres desencarnados.
Firman e Leymarie seriam coniventes no indigitado procedimento delituoso.
Procedente
a acusação, apenas em parte. Devido à sua mediunidade, Buguet, durante largo
tempo, conseguira atrair Espíritos que se deixavam retratar ao lado de pessoas
vivas. Todavia, tentado pelo atrativo do ganho fácil, ele, que já vinha comercializando,
embora moderadamente, a sua faculdade mediúnica, teve a infeliz ideia de forjar
"fotografias espíritas" à custa de industrioso truque, impingindo-as
aos seus numerosos clientes como verdadeiras. O produto,
de franca saída, fazia acorrer dinheiro abundante aos bolsos do insensato
fotógrafo francês.
Curioso
é que, conquanto convicto de haver, a princípio, agido honestamente, como intermediário
na produção de fenômenos paranormais. Buguet
não vacilou em, durante todo o curso da demanda judiciária, insistir na sua
culpabilidade, negando a sua condição de médium. É que assim, segundo entendia, sua
culpa seria atenuada e, em consequência, estaria sujeito a uma penalidade menos
rigorosa.
Informa
Hermínio C. Miranda:
"Mais tarde afirmaria, penitenciando-se, que
dois terços das suas fotos eram autênticos fenômenos mediúnicos: apenas as
demais foram fraudadas; mas, a essa altura Leymarie
já estava na cadeia e o Espiritismo arrastado ao ridículo, como tantos
desejavam."
Foram
inquiridas no Processo 27 testemunhas de acusação e 28 de defesa, porém só as
que eram contrárias aos réus tiveram liberdade de depor, pois as outras de
defesa o Juiz cassava lhes a palavra, mal começavam a falar. Na realidade, para
escárnio da Justiça francesa, o próprio Juiz M. MilIet, na causa que iria julgar, constituiu-se no maior acusador.
Valia-se de todos os artifícios para confundir e desestimular as testemunhas de
defesa, ora interrompendo-as intempestivamente, ora contradizendo-as com
expressões sarcásticas, outras vezes insinuando abusivamente as respostas, ou
simplesmente encerrando a conversa com azedume: - Vá sentar-se!
O
sábio Maxwell (químico e fotógrafo),
por exemplo, que afirmou haver presenciado Buguet
preparar a chapa e colocá-la na câmara, sem notar nenhum embuste, foi
ridicularizado pelo "meritíssimo" e despedido sumariamente: - Vá sentar-se!
Outra
testemunha - o astrônomo e membro do Panteão de Roma engenheiro Tremeschini - asseverou que, em companhia
do escritor Eugêne Nus, verificou o
trabalho de Buguet e podia garantir
não haver descoberto nenhuma trapaça. "Segui o método daqueles que estudam as ciências. Nada
descobri."
O
depoimento não interessa ao Juiz e ele se encastela na sua frase imperativa que
se tornou um refrão em todos os trâmites da inquirição: - Vá sentar-se!
O
magistrado M. Millet, entretanto,
explorava ao máximo as declarações dos acusadores, ouvindo-os pacientemente e
instigando-os, mesmo, a destilar todo seu manancial de verborragia
condenatória.
Ao
Inquirir Leymarie, acusa-o de se
beneficiar do comportamento incorreto de Buguet,
alegando que o depoente se mancomunara com o médium suíço Rubis a fim de "surpreender o segredo" do fotógrafo
francês. Aí vem a estória de um anel que teria servido para "comprar"
um dos empregados de Buguet. O anel
era uma peça de cobre sem valor que Rubis encontrara nos degraus duma escada e
dera de presente a certo auxiliar de Buguet.
O Juiz, por associação de ideias, deve ter deduzido que, por ter sido
encontrado por Rubis, deveria o anel
estar cravejado de... rubis.
Nesse
clima de animosidade e facciosismo, o Processo teve o seu curso legal (ou
ilegal?) e o veredicto da "Justiça" não poderia ser outro: a
condenação dos indiciados. Édouard
Buguet e Pierre-Gaëtan Leymarie
foram condenados a um ano de prisão e multa de 500 francos, cada um; e Alfred Henry Firman a seis meses de prisão e multa de 300 francos.
Nota-se a injustiça clamorosa da imposição de igual penalidade a Buguet e Leymarie, já que este não tinha culpa alguma. Fora simplesmente
ilaqueado em sua boa-fé pelo outro.
O
Juiz M. Millet ficara exultante. Mas
a Justiça da França acabara de ser torpemente enodoada com o labéu da iniquidade.
Buguet conseguiu ser libertado e
mudou-se para a Bélgica. Firman
também livrou-se da prisão, "graças a altas influências".
Leymarie cumpriu a pena integral.
"Resgatados seus compromissos
perante a lei caolha dos homens - diz Hermínio
C.- Miranda - que permitiu aquele arremedo ridículo de justiça, voltou
bravamente à sua atividade à frente do movimento, sem mágoas, sem ressentimentos, sem revolta e permaneceu no seu posto, até desencarnar,
em abril de 1901."
Consumada
a ignomínia judiciária, resta do triste episódio uma lição proveitosa, como
observa Gabriel Delanne:
"Se
tivemos que experimentar uma condenação contra nós, foi porque nos desviamos da
rota traçada por Allan Kardec. Este inovador era contrário à retribuição dos
médiuns e tinha para isso boas razões. Em sua época, os irmãos Davenport muito
fizeram falar de si, mas como ganhavam dinheiro com suas
habilidades, Allan Kardec afastou-se deles, prudentemente." (O Espiritismo perante a Ciência, 1952,
página 322.)"
(Transcrito de
"Desobsessão", de Porto
Alegre-RS, outubro-1977, página 4).
.................................................
A hora é avançada
P.-G. Leymarie (espírito)
por Hernani T. de Sant’Anna
Reformador (FEB) Julho 1978
Digníssimos
Irmãos.
Rasgada
a cortina, a luz esplende em todo o fulgor da sua liberdade e da sua
glória. Assim também o Espírito, libertado, pela
morte material, dos grilhões constringentes e veladores da carne, vibra na
plenitude de seus ideais e dos seus sentimentos, na força plena de sua
capacidade de ser e de fazer. Seria, portanto, paradoxal e incompreensível que
nós, os modestos, mas sinceros operários do primeiro século do Espiritismo, só
por desenfaixados dos fluidos densos da vestidura carnal, nos distanciássemos,
indiferentes, do campo de lutas terrestres, onde a ideia sublime, que nos
iluminou os mais altos sonhos, trava as suas batalhas decisivas, para firmar-se
e expandir-se na seara dos corações. Bem ao revés disso, plantamo-nos,
vigilantes e indormidos, na primeira linha dos combates, ao lado daqueles que,
como é o vosso caso, dão o melhor de si mesmos pela grande causa do Consolador,
que é a mensagem da redenção e da paz para toda a Humanidade. Por
inidentificados não estamos inativos, nem omissos. Surgem, porém, horas como
esta, no relógio do destino, em que o impositivo do dever maior nos leva a nos
dirigirmos ostensivamente a vós outros. Eis por que hoje tenho a glória amena e
doce de escrever-vos, não para dizer-vos algo de minha própria pobreza, mas
para transmitir-vos, com a permissão do Anjo Tutelar desta Pátria e desta Casa,
a palavra de encorajamento e de incentivo do Espírito Estelar do Codificador, a
fim de que abraceis decididamente a tarefa que vos cabe, de levar a luz do Espiritismo ao
mundo inteiro. O Brasil é realmente, por decreto divino, o país escolhido para
ser o Grande Evangelizador do Planeta e esta Sublime Oficina é a feliz
depositária deste legado crístico. Não temais, pois, dificuldades, nem vos atraseis
no cumprimento de vossos excelsos deveres, porque a hora já é avançada e não há
mais tempo a perder, a fim de que tantos quantos for possível recebam a palavra
do Cristo
Redivivo, antes que a noite apocalíptica desça
sobre os vales da Crosta planetária.
Aproveito
para deixar-vos meu amplexo muito emocionado e muito agradecido, pelas flores
aromais de vossas lembranças e das homenagens fraternais que me tendes
prestado, pelo meu pouco merecimento.
Crede
que sou, com Marina e todos os
companheiros das primeiras horas, o
irmão fiel, o amigo sincero e o companheiro
serviçal de todos os dias, sempre ao inteiro dispor de vossos corações.
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