quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O Kardec Brasileiro


O Kardec Brasileiro
por Indalício Mendes
Reformador (FEB) Julho 1955

            A veneranda figura do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, muito justamente cognominado o “Kardec brasileiro”, tem constituído motivo para magníficos escritos e excelentes palestras, tantos os exemplos nobres de sua passagem pela Terra onde deixou traços inapagados de seu adamantino caráter e de sua obra doutrinária, eminentemente espírita. Cearense de nascimento tendo iniciado sua reencarnação em Riacho do Sangue, a 29 de Agosto de 1831, o Dr. Bezerra de Menezes proveio de família católica, de esmerada educação e muito fiel ao rumo religioso que adotara. Veio para o Rio de Janeiro aos vinte anos, decidido a estudar Medicina, o que fez, sem auxílio de nenhuma ordem, arrostando enormes sacrifícios, até se formar em 1856. Conquanto boníssimos, seus pais não lhe puderam ajudar nos estudos, circunstância que para pôr a prova a têmpera moral desse homem eminente, que foi um patriota exemplar, na devida acepção da palavra.

            Esteve na política, exercendo o mandato de vereador duas vezes e, mais tarde, duas vezes deputado federal. Sua atuação como político foi meritória, jamais se afastando dos deveres assumidos e sempre defendendo as causas que de perto tocavam nos mais delicados interesses do povo. Em virtude do seu espírito independente, inamoldável a transigências incompatíveis com a sua formação moral, Bezerra de Menezes encontrou forte oposição da parte do Governo, de chefes de partidos e de adversários ferrenhos. Foi em 1861 que se elegeu vereador pela primeira vez, mas sua eleição foi impugnada por um chefe conservador, sob a alegação de ser Bezerra de Menezes médico militar. Para não sacrificar seu partido, Bezerra imediatamente se demitiu do lugar de assistente-mor, sendo, então, empossado no cargo de vereador. Que exemplo! Que magnífica demonstração de escrúpulo e de lealdade ao partido a que se encontrava ligado! Foi deputado geral em 1867, pelo distrito da Corte, mas, em 1868, com a dissolução da Câmara Federal, retornou às suas atividades particulares, seriamente comprometidas pelo devotamento que tivera com os encargos políticos. Pode dizer-se que Bezerra, de um momento para outro, teve de começar vida nova. As dificuldades em que se encontrou, visto que lhe era pesada a a responsabilidade familial, não o desanimaram. Trabalhando com afinco, criou a Estrada de Ferro Macaé e Campos e se meteu em outros empreendimentos de valor. Em 1876-1880 foi novamente vereador, exercendo a presidência da Câmara, voltando mais tarde a ser deputado geral pela Corte e província do Rio de Janeiro, o que demonstra o prestígio que desfrutava no seio do povo.

            Esse aspecto da vida do Dr. Adolfo Bezerra de Menezes põe em relevo sua dedicação ao bem público. Entretanto, vejamos o outro lado do homem, aquele lado em que ele haveria de se revelar também uma personalidade forte e atraente, afirmando sua elevada estatura de doutrinador, pregando a Doutrina Espírita, pela palavra e pelo exemplo, mais por este do que por aquela. Era amado dos pobres, pois, como médico competentíssimo e cristão de fino lavor, Adolfo Bezerra de Menezes espontaneamente se punha ao serviço de seus semelhantes, sem atentar sequer para as suas conveniências. Esse pormenor de seu belo caráter fixa o perfil desse homem extraordinário.

            Há pequeno e valioso livro na Livraria da Federação Espírita Brasileira - “Uma carta de Bezerra de Menezes”, que faz ressaltar a beleza moral desse grande espírita. Em 1886, recebeu ele, então já integrado no Espiritismo, uma carta de um seu irmão germano, de nome Soares, que o considerava apóstata, por haver renunciado ao Catolicismo. Bezerra de Menezes, sem perder a serenidade, antes com o estilo suave de sua linguagem cristã, deu inesquecível lição doutrinária. Essa a carta que figura no livro referido, digna de ser meditada por quantos se interessam pela verdade exposta sem acrimônia, mas com absoluta tranquilidade. A certa altura de sua explanação ao amigo Soares, Bezerra de Menezes ponderou: “Afirmo-lhe que V. fala assim porque nunca estudou o Espiritismo a fundo. Faz-se com essa doutrina o que se faz com a Maçonaria, que, no Brasil pelo menos, é o mais estrênuo propulsor do culto de nossa religião. Pois eu lhe digo, embora V. sinta em minhas palavras cheiro de enxofre: Nunca apreciei tão perfeitamente, para admirar e adorar, o sublime ensino de Jesus-Cristo, como depois de ter estudado a Doutrina Espírita.”

            Sob o pseudônimo de Max, Adolfo Bezerra de Menezes escreveu inspiradas páginas de propaganda do Espiritismo, de difusão dos princípios que todos defendemos sob a égide da Federação Espírita Brasileira, fundamentado no Evangelho. Pregou a caridade, porém, praticou-a muito mais, porque entendia que o espírita deve ser mais prático do que teórico, mais objetivo na interpretação da Doutrina do que subjetivo. Espiritismo é serviço, renúncia, dedicação, trabalho, fraternidade, tolerância e amor ao próximo.

            Sendo médico alopata, adotava a homeopatia para seu tratamento e de sua família, na Assistência aos Necessitados da Federação Espírita Brasileira. Um dia, diz um de seus biógrafos, Bezerra de Menezes confessou que não mais tinha o direito de exercer a medicina, pois que preferia a homeopatia em lugar da medicina oficial, em que era formado. Bittencourt Sampaio, outro grande e nobre espírito, sugeriu-lhe que, então, se tornasse médico homeopata, ao que ele retrucou que não usava a dos médicos, mas a dos Espíritos. Foi quando se manifestou o Espírito Agostinho, por intermédio do famoso médium Frederico Júnior, e animou-o a seguir a sugestão de Bittencourt, afirmando que o ajudariam os Espíritos a serviço da causa de Jesus. Seguiu o conselho, estudou a ciência homeopática e cumpriu como ninguém seu apostolado.

            Se Adolfo Bezerra de Menezes foi grande por sua cultura, pela nobreza de seu caráter, pela dedicação com que defendeu o Espiritismo em diversas oportunidades sérias, por seu admirável espírito de renúncia, a que se aliava digna humildade, foi maior, bem maior por seu acendrado espírito evangélico, sempre presente nas suas obras de caridade, exercidas com verdadeiro espírito cristão, cotidianamente, sem conhecer horas de repouso, sempre que havia um enfermo a tratar, um aflito a consolar, uma dor a mitigar. A mesma energia que demonstrava na política, no exercício da função pública, evidenciava no Espiritismo, no desempenho da missão evangélica. Certa feita, apreciando os altibaixos da política municipal, exclamou, o coração de sincero patriota ferido pelos desenganos que so- frera: “Tu, meu querido Brasil, tens andado sem leme e sem bússola precisamente porque nunca tiveste, e tão cedo não terás, em sua verdadeira base, a municipalidade. Cumpri meu dever, mas era cedo ainda.” Desfraldava, assim, a bandeira do municipalismo, em que via o caminho mais seguro para a felicidade do país. Sua alma vivia embebida de amor pelo Brasil e de amor pela Humanidade. Deixando a política, Bezerra de Menezes se viu conduzido ao ambiente que mais convinha à sua alma cheia de claridades. Parecia que lhe cantavam aos ouvidos a frase impressionantemente verdadeira do anjo Ismael, em comunicação lapidar: “A missão dos espíritas no Brasil é divulgar o Evangelho em espírito e verdade. Os que quiserem bem cumprir o dever a que se obrigaram antes de nascer, deverão, pois, reunir-se debaixo deste pálio trinitário: “Deus, Cristo e Caridade”. Onde estiver essa bandeira, aí estarei eu, Ismael”,

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            Desencarnando com 69 anos incompletos, Adolfo Bezerra de Menezes deixou na história do Espiritismo brasileiro uma grande história. Sim, a história de um Espírito luminoso, baixado para realizar grande e profícuo trabalho de cristianização dos homens. Pregou eloquência invulgar, mas foi inexcedível na prática da caridade. Mesmo desencarnado, até hoje Adolfo Bezerra de Menezes está pontualmente ao lado dos que dele precisam, espalhando fluidos benéficos e iluminando almas inquietas pela provação.

            Várias obras espíritas deixou esse grande expoente do Espiritismo brasileiro, entre elas as quais: “A Loucura sob Novo Prisma”, .”A Casa Assombrada”, “A Doutrina Espírita como Filosofia Teogônica” (que é a carta a que acima nos referimos), “Estudos Filosóficos”, em 3 volumes, esta sob o pseudônimo de Max, etc.

            Esta a eminente personalidade que os espíritas brasileiros muito justamente reverenciam como o “Kardec do Brasil”. Foi presidente da Federação Espírita Brasileira duas vezes: a primeira, em 1889; a segunda, de 1895 até 11 de Abril de 1900, data em que desencarnou.


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