O Jesus dos Espíritas
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Novembro 1965
Entendemos
o Espiritismo, segundo a Doutrina codificada por Allan Kardec, como uma norma,
religio-filosófica, de dar à criatura humana todos os meios simples e práticos
de alcançar a própria valorização moral. Através do estudo e da exemplificação
da Doutrina cuja base evangélica é evidente, podem, o homem e a mulher,
compreender a verdadeira significação da vida eterna, com todos os seus problemas,
dores e aflições, ligando-a ao mundo espiritual, porque os dois mundos se
interpenetram e se influenciam reciprocamente.
A
Lei de Causa e Efeito, o Carma como dizem os hindus, é inflexível e sua
execução constitui, antes de simples castigo, uma
imposição criada pelas ações do Espírito encarnado ou desencarnado para o seu
necessário progresso, que pode ser mais lento ou mais rápido, conforme
determinadas circunstâncias.
Para
nós, portanto, o Espiritismo tem extraordinária importância no desenvolvimento moral da Humanidade. Não se destina a fazer santos
mas homens retos, dignos do respeito geral, úteis a si e ao próximo, capazes de,
por seu comportamento e modo de pensar, imprimir ao Bem uma ação muito mais dinâmica
do que tem sido, ao mesmo tempo transformando o Mal, neutralizando lhe os
efeitos e aproveitando-lhe a energia, a fim de que se reduza e um dia fique extinto.
Nada, porém, será obtido sem a educação individual, sem que se dê à pessoa humana
a atenção imprescindível, desde a criança até o ancião. Essa a obra grandiosa
do Espiritismo: modelar o caráter humano, fazendo cada um compreender o elevado
papel que tem a desempenhar na vida terrena e em face de seus semelhantes e dos compromissos que traz do
passado espiritual.
*
Quando
se alude a Jesus, alguns céticos sorriem “superiormente”. Consideram que o Cristianismo
não forma homens, mas múmias, seres abúlicos, neutros, passivos, incapazes de ações
energéticas, sempre choramingantes, de cabeça baixa, permitindo abusos e
tolerando absurdos, em nome da humildade, da tolerância e do amor ao próximo .
Ora, as coisas não devem ser olhadas dessa maneira. Se o misticismo tem
proporcionado episódios que parecem justificar semelhante conceito, mais por
imperfeição das criaturas humanas do que do legítimo espírito cristão, a vida de Jesus oferece aspectos absolutamente contrários
a essa concepção sombria e negativa da personalidade
humana.
Jesus
foi humilde sem ser servil ou covarde. Foi bravo sem ser agressivo. A cena dos mercadores do templo, por ele expulsos, é
prova eloquente de energia, de coragem, de intenção moralizadora. Enfrentou sozinho,
bravamente, aqueles, que profanavam o lugar sagrado. Sua atitude de dar ao mundo uma doutrina nova, mais humana, mais edificante,
sem violência nem fanatismo, arrostando, como arrostou, todos os perigos,
sofrendo humilhações, torturas e o fim material na cruz, dão conta, mais do que
outro qualquer exemplo, da sua incomum bravura.
Dele
conhecemos somente o que nos contam os Evangelhos. É pena que não haja mais
pormenores da sua passagem pela Terra, porquanto os fatos do seu itinerário
humano não devem ter-se restringido apenas ao que nos relatam os Evangelhos,
ressaltando mais a finalidade religiosa da sua peregrinação.
Ninguém
deu mais belas provas de sinceridade. Nada mais degradante do que a hipocrisia,
que, ainda hoje, campeia por todos os cantos. Os hipócritas mostram sorrisos,
abraçam, louvam, embora, intimamente, não experimentem satisfação alguma com o
que fazem para iludir. Quando há sinceridade real, sentimos o calor espiritual
das atitudes, a vibração benéfica das palavras de agrado ou louvor. Há gente
assim, insincera, em toda parte. Nem foi por outro motivo que Jesus, tão doce e
benévolo, tão tolerante e discreto, não se conteve ao repelir a hipocrisia: “Hipócritas, bem profetizou de vós Isaías:
Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.
Adoram-me, porém, em vão, ensinando doutrinas que são preceitos de homens...”
E adverte: “Quando orardes, não sejais
corno os hipócritas.”
Em
Mateus, 6:1-2, 6:2-6, 6:16-18, 15:7-9 e 23:5:10, ele condena a hipocrisia e os hipócritas.
O
mundo herdou-a por força daqueles que pretenderam, pela comoção, obter o que não
alcançavam pelo entendimento claro, a ideia de um Jesus chagado, coberto de sangue, para sempre dependurado na cruz. O mundo mudou
depois da noite negra da Idade Média e se libertou de concepções retrógradas,
adquirindo plena consciência do seu direito de pensar e de dizer. Desde aí,
muitas interpretações benéficas da personalidade de Jesus e do legítimo
objetivo do verdadeiro Cristianismo contribuíram, e contribuem, para dar ã
humanidade um retrato mais compatível coma dignidade do Cristo, retirando-o da
cruz, que foi um episódio de sua vida terrena, episódio dramático mas apenas um
episódio.
Em
vez de um Jesus morto e divinizado, temos, no Espiritismo, um Jesus vivo,
glorificado por sua grandeza espiritual e por suas obras e ideias, pela ascendência
espiritual de que desfruta, como Espírito puro, de altíssima hierarquia, a quem
estão entregues os destinos deste planeta e consequentemente, os da Humanidade
inteira.
Em
“Os Quatro Evangelhos” Roustaing nos permite ver como os Evangelistas e Aóstolos
nos apresentam a grandeza do Mestre excelso e de sua magna doutrina, sem os
macabros acessórios que o tem acompanhado nas apresentações de religiões ditas
tradicionais: coroa de espinhos, cravos, sangue, sangue, sangue.
Jesus
não prega a tristeza, a dor, o desânimo. Pelo contrário, encontramos nos
Evangelhos a prova de sua alegria, do seu amor à coragem, à iniciativa, ao
trabalho. Sempre aconselhou àqueles que tangidos pelo sofrimento, pareciam
derrotados, que tivessem ânimo. Nas horas mais amargas, revelou fé, bravura e
firmeza. Sacrificaram-no mas não lhe quebraram a tenacidade. por conseguinte,
devemos todos deixar de lado o que há de tétrico e sombrio em torno de Jesus,
para nos identificarmos com os seus exemplos maravilhosos, contidos nos Evangelhos,
os quais ajudam a formar homens de caráter forte, decididos, confiantes em si,
destemerosos e persistentes.
Para
nós, espíritas, jesus está, sempre esteve vivo. A cruz é um símbolo. Não nos preocupam símbolos, mas tudo quanto pode concorrer
para dar à humanidade, dentro da razão esclarecida, a confiança que nasce do
conhecimento sólido, a fé, que não prescinde do raciocínio, porque a fé viva é
útil, fecunda, construtiva, enquanto que a fé inculcada por dogmas (perinde ac cadáver) faz autômatos,
destrói a razão, corrompe o raciocínio e alimenta o fanatismo.
Indalício Mendes
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