Pedro Richard e sua esposa Dna. Mariana
Pedro
Richard – Peregrino
do Evangelho
3
por Indalício Mendes
Reformador (FEB) Julho 1977
Discípulo
de Max
Adolfo Bezerra de Menezes, exemplo
de simplicidade e amor ao próximo, deixou na Terra extenso rastro de luz, com o
seu sincero comportamento cristão. Até hoje esse rastro de luz serve de
orientação para os que buscam o Cristianismo puro, sem atavios e exterioridades
mundanas. O Bem é eterno, porque é fruto do amor. Um obreiro como Bezerra de
Menezes, considerado, como justa homenagem à sua personalidade moral e à sua
incomparável fidelidade aos deveres doutrinários - o Kardec Brasileiro,
foi a bússola de Pedro Richard nos difíceis caminhos da peregrinação terrena.
Sua admiração por Bezerra de Menezes
transformou-o num fervoroso adepto dos Evangelhos, pois era neles que Pedro
Richard buscava e encontrava os rumos que deveriam levá-lo à condição de
discípulo humílimo, sim, mas consciente de suas responsabilidades perante
Jesus. E por isso, sem a mais mínima intenção de vaidade ou orgulho, que nunca
lhe entraram no coração, assinava seus escritos como "Discípulo de
Max", pois Max
era o pseudônimo de Bezerra de Menezes em "O Paiz", jornal austero,
que desfrutava de enorme prestígio em sua época, onde colaborou intensamente,
defendendo o Espiritismo e pregando a Doutrina espírita cristã. E esse
"Discípulo de Max" foi, efetivamente, discípulo de Bezerra de
Menezes, pois seguiu-lhe a trilha de humildade, amor ao
próximo, caridade e de disseminador da paz.
Ele, que tinha na prece o seu maior
ponto de apoio, viu a mediunidade de cura desenvolver-se bastante em si mesmo,
e isto a lhe permitir ser eficaz instrumento dos Espíritos que laboram
incansavelmente na seara de Jesus, para aliviar os sofrimentos da humanidade.
Palavra
mansa e firme
Conhecedor, como poucos, dos
Evangelhos e da Doutrina, Pedro Richard se impusera uma rigorosa disciplina de trabalho. Amigo
da pontualidade, cioso dos deveres que lhe cabiam, estava sempre a postos, quer
para colaborar voluntariamente na cura de um enfermo do corpo quer, pela
palavra mansa e persuasiva, sempre firme, para socorrer os doentes da alma, os
fracos de vontade, os tíbios e os tímidos.
Muitas curas puderam ser alcançadas
pelo Alto, através da sua mediunidade. Ao orar, sua voz assumia tonalidade
comovente, principalmente quando se dirigia a Jesus e a Maria Santíssima.
Quantas vezes, no curso da prece, as lágrimas lhe traíram a emoção e lhe
percorreram as faces marcadas pelo tempo, mas assinaladas pela fé
indestrutível. Sua força não era sua, dava a entender sempre, porque promanava
da Espiritualidade. Por si só, não faria quanto fez, no apostolado mediúnico.
Não era médium de se envaidecer com os resultados do seu trabalho. A humildade
natural era-lhe barreira a qualquer sentimento que pudesse, ao de leve, ferir
os princípios que recomendam aos médiuns a compreensão de que a mediunidade não
é mais do que uma oportunidade para o trabalho de resgate que devem executar,
por imposição de graves compromissos não satisfeitos no passado.
Luz perene
É necessário, de quando em quando,
reviver os exemplos de espíritas que corresponderam à expectativa de Mais Alto.
Há tantos nomes a reverenciar, não por mero culto ao personalismo, que isto não
seria incumbência aceitável por quem pretende seguir a Doutrina, mas para a
edificação e o escarmento das novas gerações de espíritas que devem louvar-se
nos testemunhos incontestáveis desses humílimos e eficientes servidores de
Jesus, a fim de não se desviarem da trilha certa que a luz dos Evangelhos
aclara.
Pedro Richard foi digno integrante da falange admirável
que Jesus permitiu viesse à Terra, tendo luminares como Bezerra de Menezes,
Bittencourt Sampaio, os irmãos Sayão, Fernandes Figueira, Romualdo Seixas,
Geminiano Brazil, Maia de Lacerda, e tantos, tantos trabalhadores que fizeram
jus ao salário divino, para assentarem os alicerces sólidos do Espiritismo
Cristão. Não são as nossas palavras encomiásticas que vão valorizar a
superioridade moral que esses homens eminentes construíram à custa de trabalho
contínuo, sob a influência do Alto, dentro das normas dos Evangelhos e dos
preceitos da Doutrina. Não. Eles estão muito acima do que possamos dizer para
enaltecer-lhes o mérito. Todavia, não temos outro meio de destacar-lhes a obra,
senão expandindo o sentimento de admiração e amor fraterno por tão ilustres
predecessores, tão grandes perante nós, que nos confundimos com a poeira da
estrada. Mas é imprescindível se diga algo do que eles fizeram,
para que a conduta terrena que adotaram encoraje os que ainda não puderam
experimentar o arrepio da emoção que causa a só referência a esses nomes dignos
do nosso respeito e da nossa admiração, pelo que realizaram, pelo que foram e
pelo que são, sem dúvida, nos iluminados caminhos do Além.
Bittencourt Sampaio tem razão. Disse
ele, numa das muitas mensagens que costuma dar no "Grupo Ismael":
"O homem moralizado pelo Evangelho
irradia de si mesmo o respeito que contém a distância a maldade humana e toda
obra espírita que não tenda para essa finalidade não é obra espírita, uma vez
que o Consolador não veio para ensinar somente ciência, mas ciência e moral"
(sessão de 28-5-1941, médium J. Celani).
No seu caminhar pelas sendas deste
planeta, foi diuturna a semeadura que fez. Pode-se dizer que somente cessou
quando a enfermidade o atingiu com a parada compulsória, determinante do
retorno ao Além.
Obreiro
de muitas obras
Já dissemos que ele seguia um regime
muito severo para consigo mesmo, pois porfiava no viver o Evangelho. Reconhecia
as limitações humanas, sabia que a vigilância tem de ser de segundo a segundo,
sem solução de continuidade, e que mesmo assim surgem hiatos traiçoeiros,
perigosos como a ação do cupim, que silenciosamente realiza sua obra
daninha.
Companheiro de Bezerra, dos dois
irmãos Sayão, de Maia de Lacerda, etc., primava por não ser jamais, em concerto
de tamanha magnitude, nota dissonante. Substituiu o velho Sayão na direção do
"Grupo Ismael". Alma mística, voltada para Deus, Jesus e Maria,
transformava em ânimo e força de vontade a modéstia do seu comportamento. Não
queria ser melhor do que ninguém, porém se esforçou a vida inteira para não
estar entre os piores, escorado na fé e levando sempre consigo a lanterna cuja
luz abençoada jamais se apaga: o Evangelho. Quando falava, parecia por nos
lábios o coração. Sua palavra doutrinária tinha o poder de ficar na lembrança
dos que o ouviam. Era a palavra simples do pregador que dá um recado, mas não
se considera senão o transmissor da mensagem encorajadora. Nas reuniões
públicas da Federação, ouvia-se lhe o verbo com a seiva da verdade cristã. Recebera do Cristo a
incumbência, dada a tantos, de ser um dos semeadores. Fazia-o sem nenhuma
pretensão, mas com humildade, porque estava a serviço do Mestre, o que dava era
d’Ele e os resultados que permitiriam a futura colheita também a Ele deveriam
ser creditados.
Passava horas e horas, na sede da
FEB, atendendo aos que o procuravam, solicitando um auxílio, um conselho, um
passe, uma prece ou uma receita. Problemas, os graves problemas de todos os
dias da vida humana, eram-lhe levados diariamente, na esperança de uma solução
salvadora, Pedro
Richard
, paciente e bondoso, vertia ternura, sempre reiterando serem devidos à
misericórdia divina os benefícios que pudessem colher. Era apenas, dizia, como
uma ponte, com a mediunidade que lhe fora concedida. Mas, do outro lado dessa
ponte, estava Jesus, e d’Ele emanavam todas as bênçãos, todos os alívios, todos
os esclarecimentos. Seu trabalho era intenso e excessivamente fatigante, mas
sentia-se feliz. Mesmo em sua residência, na Rua Santa Alexandrina, 39, no Rio
Comprido, dedicava todas as manhãs ao atendimento de necessitados da caridade
do Mestre, dando receitas mediúnicas e até remédios, já dinamizados, tal como
outrora se fazia na Federação. Auxiliava sua filha Felismina, preparando as
doses medicamentosas.
Richard tinha grande veneração por
Maria Santíssima - como, aliás, Bezerra, Bittencourt Sampaio, Antônio Luiz
Sayão, Guillon Ribeiro, Manuel Quintão, Wantuil de Freitas, etc. Ficava extasiado
ao orar ao Espírito excelso, a quem se dirigia nas situações de maior
gravidade, penetrado de contagiante e robusta fé e acendrado amor.
O
testemunho de Quintão
Em "Cinzas do meu
cinzeiro", livro delicioso, escrito por Manuel Quintão, naquele seu estilo
inimitável, dá ele comovente testemunho de dor, ao saber achar-se agonizante o
grande amigo Pedro
Richard:
"Quando, à tarde desse 23 de
outubro de 1918, regressamos exausto ao lar também improvisado em hospital
familiar, disseram-me que alguém viera prevenir que o velho Richard estava
agonizante, não passaria daquela noite. O conselheiro e melhor companheiro que
já encontramos na vida, o maior amigo de Jesus Cristo que já se nos deparou na
exemplificação evangélica - Pedro de nome e na fé - estava, efetivamente, a
termo de peregrinação, longa e edificante. Não era a pandemia que o levava, era
a enfermidade natural, que de há muito o vinha minando e lhe servira de pretexto
a magníficas lições de humildade cristã.
Assim
o defrontamos, varonil e arquejante na sua cadeira de braços, pernas inchadas,
inertes sobre almofadas e envolto num grosso xale escuro, que mais lhe
destacava o semblante macilento.
Ao avistar-me, sorriu, num sorriso
luminoso de lábios contraídos... Mais que os lábios, contudo, falava-lhe o
olhar translúcido. E logo nós:
-
Amigo, não viemos aqui orar por ti, mas contigo, a recordar o dia longínquo em
que o fizeste pela primeira vez em nossa casa, e com lágrimas, por aquela
filhinha que partia...
E
oramos, então, os dois, àquela Virgem que, dizia ele, nunca o deixara de mãos
vazias e se lhe fizera, por isso, fanal único no tormentoso roteiro da vida de
relação.
Quando terminávamos a súplica, ó
maravilha! - o companheiro com voz sumida e entrecortada pedia por nós, pelos
que ficavam, bracejando nas trevas do mundo!
E
aquelas palavras, como que vindas de outro mundo, para vivificação deste mundo,
ainda as oiço repetidamente: - obrigado... vai cumprir o teu dever...
*
No dia seguinte, olhos enxutos e
coração magoado, beijei-lhe no esquife enflorado as mãos frias e generosas...
Sim, mãos que só se estendiam para suplicar, dar, abençoar..."
Que belíssimo exemplo da alta
evangelização que havia atingido Pedro Richard! As portas da passagem para o Além, ele
orava, pedia, não para ele, mas pelos que ficavam na Terra, "bracejando
nas trevas do mundo! Assim foi, realmente, Pedro Richard. Testemunha ocular de tantos fatos com ele
relacionados, Manuel Quintão também deixou enorme bagagem de serviços ao
Cristo, no campo do Espiritismo evangélico. O episódio a que Quintão se referiu
acima, a respeito de sua filhinha Chicha, merece mais clara explanação. Nas
páginas 372 e 373, do "Reformador" de 1.0 de dezembro de 1918, no
artigo "In Memoriam", Manuel Quintão descreveu a angústia vivida ante
a agonia de Maria das Dores (Chicha) , a quem amava profundamente. O estado da
menina era gravíssimo, mas ele ainda alimentava a esperança de uma
"ressurreição", de um "milagre". Mas nada mais seria
possível, a não ser mesmo o "milagre".
Relembrando aquelas horas de
aflição, diz ele, no artigo, ao amigo que partira:
"O milagre, como o entendia eu
no meu egoísmo cego, evaporou-se. A fé que abala montanhas não derroga leis de
Soberana Justiça... Entretanto, o milagre qual o entendias se fez. Levaste ao
lar aflito em alvorada de lágrimas um culto novo, e no afervoramento desse
culto as nossas almas se compreenderam para sempre." Depreende-se dessas
palavras do amoroso amigo Quintão que, graças a isso, o Espiritismo ficou no
seu lar para sempre. Ele compreendera que as leis de Deus são inderrogáveis, razão
pela qual o milagre só é possível
quando não fere nem tenta ultrapassar essas leis. A
quem conhece a Doutrina Espírita e já perlustrou as páginas luzentes do
Evangelho, a justiça de Deus está presente em todos os instantes do viver
humano. A desencarnação é um processo liberatório, porque restitui a alma ao
meio de onde proviera, por imposição cármica. E Quintão, que de tudo
isso já sabia, envolvera-se num imenso amor paternal. Mais tarde, em caso semelhante
a que atendera, como médium, percebeu que a doente não sobreviveria à agonia
cruciante, que representa o processo de desligamento moroso do Espírito: "Eu nunca vira uma agonia assim. Lembrei-me,
porém, do velho Richard quando dizia: a prece é a alavanca da Fé, com que se
escava a mina do céu"...
Aí está a palavra de respeitável
testemunha ocular do comportamento irrepreensível de Pedro Richard, testemunha que
também deixou enorme bagagem de serviços ao Cristo, no campo do Espiritismo
evangélico.
Trabalhadores
da vinha...
Foi com enorme emoção que nos
dispusemos a escrever estas linhas sobre a personalidade cristã de Pedro Richard. Foi um exemplo.
Justiça se faça, no entanto: ele acatava os demais trabalhadores da vinha do
Senhor. Reconhecia que, fazendo cada qual sua tarefa, para um fim
predeterminado; a obra progride mais depressa e com maior solidez. Todos
cumpriam seu dever, porque todos sabiam que, embora na Terra, estavam
empenhados numa obra de procedência divina. Companheiro de Bezerra de Menezes,
que foi o seu paradigma, na marcha que encetara no Espiritismo, sempre timbrou
de fazer o melhor que pudesse. Entretanto, boníssimo e tolerante,
condescendente e compreensivo, era também enérgico quando necessário se tornava
manifestar-se para conter um erro, sanar uma omissão ou impedir deficiências e
excessos que pudessem de qualquer modo afetar a diretriz ou os créditos da Casa
de Ismael. Era pronto no dizer "sim", mas era preciso e justo ao
exclamar "não". Solidário e fraterno, não somente acudia aos seus
compromissos, como ajudava, solicitado ou não, o companheiro que, por qualquer motivo,
revelasse dificuldades. Tinha forte autoridade moral.
Todos o queriam muito bem e nele
confiavam, conhecedores da sua integridade de caráter e da sua firmeza de ação.
A claridade de sua alma se refletia no brilho do seu olhar sereno.
Confraternização
Por ocasião do Centenário do
nascimento de Allan Kardec, em outubro de 1904, os espíritas não ocultavam a alegria
de seus corações, pelo muito que todos deviam ao ilustre Codificador. Pedro Richard ofereceu em sua
residência um jantar de confraternização, ao qual compareceram todos os
representantes de entidades espíritas estaduais, além dos integrantes da Federação
Espírita Brasileira. Foi um acontecimento de grande significação, de um lado
porque exaltava a união dos espíritas, e, do outro, porque permitia que, em seu lar
pleno de paz, pudessem os presentes expandir-se melhor em manifestações de
regozijo porque, então, apesar das dificuldades, permutavam com o Alto as mais
confortadoras vibrações de afeto e gratidão, não só a Deus e Jesus, como ao
"primus inter pares" dos trabalhadores, que foi Allan
Kardec.
A
grande oficina
Indiscutivelmente, a grande oficina
de trabalho de Pedro
Richard
foi a Assistência aos Necessitados, sua "menina dos olhos", à qual
dedicou por inteiro o seu amor. Foi ele o consolidador desse utilíssimo
departamento da Casa de Ismael, quando se operou, a 25 de maio de 1902, num
domingo, sua reorganização. Ali, defrontando obstáculos não pequenos, realizou
ele uma das mais santificantes tarefas de sua existência.
Embora o ano de 1904 fosse um dos
mais fecundos que até então tivera a Federação, não lhe faltaram problemas
criados à atividade no setor dos tratamentos mediúnicos. A repressão às
práticas espíritas acossava a FEB, atendendo a dispositivos incompatíveis com o
pensamento evangélico da caridade. Para se ter uma ideia ligeira do interesse
popular pelos serviços gratuitos oferecidos pela FEB, basta rememorar que, em
1902, 20.549 pessoas procuraram a Assistência aos Necessitados e foram
atendidas, enquanto que, em 1904, foram satisfeitas mais do dobro.
Mesmo depois que passou a exercer
outros cargos na FEB, como o de Tesoureiro, Pedro Richard não deixava de fortalecer a Assistência
aos Necessitados com o seu apoio incondicional.
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