Antropomorfismo
Lincóia Araucano / (Ismael Gomes Braga)
Reformador (FEB) Julho 1961
Em bela carta cheia de considerações
judiciosas, o velho espírita esperantista inglês Alexandre Guilherme Thompson,
mais conhecido, mundialmente pelo pseudônimo de Avoto, lembra-nos a imensa
dificuldade que o mundo tem para aceitar hoje as ideias religiosas e também o
Espiritismo, por causa do grosseiro Antropomorfismo introduzido em religião
pelas igrejas.
Pensamos que uma gloriosa missão do
Espiritismo será precisamente a de libertar a Humanidade desse Antropomorfismo
grosseiro que engendra o ateísmo ilógico e frio, que priva o homem de manter,
pela meditação e pela prece, um convívio espiritual consciente e muito benéfico
para ele mesmo e para os seus amigos desencarnados, dando e recebendo auxílio,
como ocorre com os religiosos de qualquer crença.
Dá-se o nome de Antropomorfismo ao
erro de imaginar Deus com formas e qualidades humanas. É erro grosseiro, porque
nossas noções de bem e de mal são incompletas, provisórias, mutáveis no tempo e
no espaço: o que parece bom em um tempo e lugar passa a ser considerado mau em
outro tempo ou no mesmo tempo em outro lugar, portanto, a perfeição de Deus
ficaria sujeita à evolução do homem e até a seus pontos de vista e de classes
sociais.
Emprestando a Deus as qualidades
humanas de uma certa época, em outra época, mais esclarecida e mais moralizada,
Ele será considerado um monstro detestável, no qual os homens não poderão crer,
e tornam-se ateus, irreligiosos, com grande prejuízo para eles mesmos; mas na
verdade não deixaram de crer em Deus, deixaram apenas de crer num erro
puramente humano que inventara um deus à imagem e semelhança do homem, um deus
antropomorfo que nunca existiu.
O modelo perfeito desse
Antropomorfismo é o deus dos antigos, o deus dos judeus, que mandava exterminar
com requintes de crueldade os povos vencidos na guerra e tomar-lhes as terras
para o povo "eleito"; que mandava matar por apedrejamento o blasfemo,
isto é, quem ousasse dizer palavra contra algum dos dogmas do Judaísmo. Era uma
concepção judaica e racista de Deus, imaginando um deus puramente judaico.
Jesus reformou essa concepção errada, mas não foi aceito, e vimos ressurgir no
mundo que se dizia cristão os mesmos crimes com outros nomes, como a Guerra das
Cruzadas que durou duzentos anos e as fogueiras da Inquisição para queimar
vivos os hereges, ou seja, qualquer pessoa que descobrisse alguma coisa em
desacordo com os dogmas da religião, ou melhor, da igreja dominante.
Os representantes desse
Antropomorfismo cometeram e cometem os mais horríveis erros políticos da
História. É realmente impossível crer neles e em seu deus, e assim a Humanidade
caiu no ateísmo absoluto, previsto pelos Espíritos desde 1856. Mas o ateísmo é
inaceitável, porque tudo na Natureza revela planejamento inteligente,
finalidades a alcançar, força executiva; inteligência, finalidades e força
completamente diferentes e infinitamente maiores do que as humanas.
Se uma semente nos revela um
planejamento sábio, para ser executado em curto tempo, uma nebulosa revela um
planejamento igualmente sábio para cumprir-se em milhões de séculos ou de
milênios.
A semente e a nebulosa revelam
planejamento no mundo físico; o progresso intelectual e moral do homem revela
planejamento no mundo espiritual.
Nada ocorre por mero acaso; tudo se
realiza de conformidade com leis sábias da Natureza.
Há uma Inteligência, uma Força que
criou e comanda as leis da Natureza.
O Espiritismo nos revela que de toda
a eternidade surgiram seres inteligentes, que estes seres progridem sempre;
portanto, há seres espirituais infinitamente mais sábios e poderosos do que os
homens da Terra. Esses altíssimos Espíritos governam os mundos, aplicando as
leis de Deus, mas são apenas criaturas de Deus, executores de Seus desígnios.
Os antigos pensavam que esses
Espíritos fossem deuses e assim criaram o Politeísmo.
Os judeus supuseram que um desses
Espíritos era o deus de Israel e depois o promoveram a deus universal e único,
criando a ideia feliz do Monoteísmo, mas entronizando como deus único o deus
dos judeus, com todos os seus defeitos, com todo o seu feroz racismo.
O Espiritismo eleva ao infinito a
ideia de Deus, colocando-o acima e fora de toda a nossa capacidade de
julgamento, e, mais ainda, demonstra-nos que a nossa atual inteligência é
incapaz de compreender até mesmo os grandes Espíritos que executam os desígnios
de Deus.
Tenhamos, pois, a humildade de
reconhecer a nossa pequenez diante do Criador, sem ousarmos emprestar-Lhe
nossas infantis e mutáveis qualidades humanas, e tentemos apenas descobrir Lhe
as leis postas na Natureza e aplicá-las em nós mesmos, porque nós também somos
parte da Natureza, da Criação de Deus.
O Antropomorfismo é monstruosidade
que conduz o homem a outra monstruosidade, ao Ateísmo, em contradição com tudo
que nos cerca e nos envolve nos planos materiais e espirituais, porque tudo nos
revela aspectos da sabedoria divina, absolutamente superior e diferente da
sabedoria humana. Não ousemos enquadrar Deus nos
limites estreitos de nossas classificações.
Quando o Espiritismo vencer o
Antropomorfismo, a Humanidade terá dado um grande passo em seu progresso
espiritual. Nesse dia não haverá mais ateus: toda a Humanidade terá uma
religião que será "verdadeira,
grande, bela e digna do Criador" como foi dito a Allan Kardec em 30 de
Abril de 1856. Nessa comunicação há um tópico que desejamos reproduzir aqui, no
original, sem alterar uma letra, porque é profecia que se está cumprindo em
nossos dias e nossa tradução poderia ser influenciada pelos acontecimentos de
hoje. Copiamo-lo em "Oeuvres Posthumes", de edição anterior ao início
das revoluções atuais, edição de 1912, páginas 316 e 317:
“Quand
le bourdon sonnera, vous le laisserez; seulement vous soulangerez votre semblable;
individuellement vous le magnétiserez afin de le guérir. Puis, chacun à son
poste préparé, car il faudra de tout, puisque tout sere détruit, surtout pour
un instant. Il n'y aura plus de religion, et il en faudra une, mais vraie,
grande, belle et digne du Créateur... "
É maravilhosa a síntese dessas
poucas linhas, recebidas em 30 de Abril de 1856, em casa do Sr. Roustan, por
Allan Kardec, por intermédio da médium Senhorita Japhet. Previa que viriam as
dolorosas revoluções e aconselhava a não tentar impedi-las, deixá-las fazer sua
obra, apenas tratar individualmente dos enfermos, curando-os com o magnetismo
curador. Cada um deverá ficar em seu posto previamente preparado, porque se
precisaria de tudo, pois que por algum tempo tudo seria destruído. A religião
desapareceria; seria preciso uma nova religião, mas não igual às passadas. A
nova teria que ser sem antropomorfismo, verdadeira, bela e digna do Criador.
Isso foi escrito há mais de cem anos
e tudo se vai cumprindo: o "pau está cantando" nas costas dos homens;
tudo vai sendo arrasado para ser reconstruído; a religião desapareceu até
dentro das igrejas, que perderam a fé; a nova religião surgiu com Allan Kardec,
como fica profetizado, pouco abaixo das linhas transcritas, com as poucas
palavras seguintes:
"Les premiers fondements en sont déjà posés... Toi, Rivail, ta mission
est là."
E ele cumpriu essa missão, mas o
mundo ainda não a aceitou, porque ainda está na fase de arrasamento e
reconstrução puramente material. Aqui no Brasil já demos um passo à frente: o
Espiritismo vai tomando as formas preditas de uma religião verdadeira, grande,
bela e digna do Criador.
Vamo-nos esforçando para construir
algo destinado ao futuro, à fraternidade que deverá reinar sobre todo o
planeta. Nossos instrumentos então simbolizados no triângulo E E
E (Evangelho, Espiritismo, Esperanto). O Evangelho resolverá todos os problemas
humanos pelo amor universal; o Espiritismo estenderá nossa
"sociologia" às duas partes da Humanidade, à encarnada e à
desencarnada, que vivem em incessantes mudanças de posição; o Esperanto servirá
à colaboração fraterna em toda a superfície do Planeta e em suas vizinhanças
espirituais. Nenhum Antropomorfismo tem cabimento em nosso programa.
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