Iniciaremos hoje a postagem de parte de um
livro raro, polêmico, porém de autor dos mais importantes no movimento espírita
na primeira metade do século XX. Seu nome: Leopoldo
Cirne, sucessor do Dr. Bezerra de Menezes na Presidência da FEB, onde
permaneceu por muitos anos.
AntiCristo Senhor do Mundo
por
Leopoldo Cirne
Edição – 1935
Primeira
Parte
1.
Enfermidade das sociedades contemporâneas.
- O
remédio trazido outrora pelo Cristo.
-
Primeiro triunfo aparente do AntiCristo.
Só o amor pode salvar o mundo, que
se perde. O amor e a humildade.
Porque o mundo, evidentemente,
perde-se, no sentido espiritual, transcendente, portanto, do vocábulo, por
excesso de indiferença e de orgulho. De egoísmo, sobretudo.
Pretendereis que faço literatura, e
da pior, isto é, passadista, segundo a desdenhosa classificação adoptada por
esta geração de fatigados precoces, geração infeliz, porque abandonou a fecunda
nutriz do sentimento inspirador e oscila, desorientada e atordoada, em busca do
inédito, do "novinho em folha", como se alguma coisa pudesse haver de
novo sobre a Terra?
Que entendeis por estas expressões -
salvação - perdição - cujo sentido profundo escapa ao filho do século, mas os
filhos da luz sabem penetrar?
Supondes que o homem é apenas uma
condensação de gases - oxigênio, hidrogênio, carbono, azoto - equivalente a músculos,
sangue, nervos, ossos! Ignorais então que o corpo físico é uma projeção do espírito
na esfera sombria e ilusória das formas, que são o seu instrumento provisório,
do mesmo modo que o universo visível é uma projeção de Deus, que é o seu Autor,
na elasticidade inconcebível do Éter, que é também obra sua e seu veículo?
Sim, o homem é principalmente, antes
de tudo e acima de tudo, um espírito. Espírito imortal, que vem de muito longe,
formando de quedas e reabilitações o substrato de suas experiências seculares,
o seu aprendizado, agora rude, mais tarde glorioso. Vem de muito longe e vai
para mais longe ainda, crescendo interiormente para Deus, na sabedoria e nas
virtudes. Principalmente nas virtudes, que jamais foram motivo de queda para o
espírito.
Não é seu destino obedecer ao corpo,
aos instintos subalternos, "civilizando-os", isto é, requintando-os,
para os tornar mais exigentes. Que outra coisa fazeis, entretanto, os que vos
reputais como sábios e do homem não vedes mais que a sombra inquieta que se
move neste subterrâneo da criação, que é o nosso habitat atual, senão escravizar-vos à ilusão da matéria e dos
sentidos? Desse modo pondes o imortal, sinônimo de eterno, ao serviço do
transitório e perecível. E tateais nas trevas, ignorando o rumo verdadeiro, e
sucumbis à cegueira. Perdeis de vista as esplêndidas realidades luminosas da
vida imortal, única digna de ser desde agora porfiadamente conquistada.
Por isso, guiado por cegos, algumas
vezes por fanáticos - na direção política dos povos, nas cátedras do ensino
religioso, em todas as manifestações do pensamento, assim nas
ciências e nas letras, como até nas próprias artes e no jornalismo sobretudo -
vergando à pressão do orgulho, da indiferença e do egoísmo, o mundo se extravia.
Domina-o o AntiCristo,
e é preciso restitui-lo ao Cristo.
Tendes o direito de encolher os
ombros, desdenhosos, indicando, por desmentido, como índice irrefragável de
progresso, os brilhantes produtos da civilização material de nossos dias: as metrópoles
ruidosas, com suas avenidas e palácios gigantescos, os mares sulcados em todas
as direções por suntuosas naves, que aproximam os continentes, e a navegação aérea,
e o radio telégrafo e telefonia, todos os prodígios, em suma, da ciência e da
mecânica aplicadas.
E eu vos direi que, se com tudo isso
não tendes satisfeito as aspirações dos que, através os séculos, vem clamando
por uma equitativa repartição dos bens terrestres entre os que penam
laboriosamente em os criar e transformar, de modo a suprimir o pauperismo e
estabelecer, pela eliminação dos fatores adversos, o equilíbrio, a harmonia e a
felicidade social, e se acima disso não tendes resolvido o angustioso problema
do destino humano e, paralelamente, procurado aliviar o sofrimento da grande
massa anônima, digo-vos em verdade que tendes feito rumo contrario à diretriz
traçada por Aquele que, amigo dos pobres e pequenos, foi o excelso fundador da
civilização cristã, pondo lhe por alicerce a sua própria vida, civilização da
qual essa de que tanto vos ufanais é simplesmente o arremedo, quando não, em
muitas coisas substanciais, a antítese completa.
Não seria, certamente, justo
desconhecer o valor das tentativas feitas por sucessivas gerações de espíritos
altruístas - pensadores e cientistas, cultores da Moral e do Direito - no
sentido de melhorar a situação geral da espécie humana, com seus estudos,
aplicações e descobertas, nem ainda o valor, não menos apreciável, das
realizações filantrópicas levadas a efeito, com o mais louvável espírito de
solidariedade universal, por alguns plutocratas norte-americanos, que assim têm
revelado superior compreensão do seu papel de meros depositários da riqueza
material. No que se refere igualmente ao problema social, cumpre reconhecer a
eficiência da formula econômica de participação, adoptada ainda na União
norte-americana e cuja iniciativa pertence a esse clarividente espirito que se
chama Henry Ford, como um derivativo, temporariamente ao menos, satisfatório,
que a mentalidade europeia, infelizmente, sobrecarregada de preconceitos,
rivalidades e tradições obsoletas, é lamentável não tenha tido ainda a
capacidade, senão a coragem, de adoptar.
Todas essas realizações, porém,
sugeridas as primeiras por um espírito indubitavelmente progressista e humanitário,
vasadas as últimas em moldes eminentemente práticos, obedecendo, por isso,
antes a razões de ordem intelectual, no fundo não de todo alheias à ideia de
interesse ou cálculo, do que a genuínas inspirações de sentimento fraterno,
podem sem dúvida contribuir e têm realmente contribuído numa certa medida para
o melhoramento social, mas estão longe de enfeixar, parciais que são, a solução
do problema fundamental da humanidade. Esse problema não é apenas econômico,
posto que não seja de mínima importância, na consideração dos assuntos sociais
e humanos, semelhante fator, que se insere em quase todos eles: é sobretudo
moral ou, para melhor definirmos a sua profundidade e amplitude, espiritual. E
o erro de visão que se observa geralmente nos sociólogos e pensadores contemporâneos,
saturados, como todo o mundo, de um materialismo reflexo, ou instintivo, que
lhes obscurece, restringindo-a,
a capacidade de apreciação, consiste em não encarar o magno problema humano,
vagamente agitado entre as perturbações e os turbulentos anseios de nossos
dias, senão através daquele prisma unilateral. Dão-lhe pelo menos uma preeminência
a que não tem direito o seu valor meramente complementar e secundário.
Porque, sendo o homem – repitamo-lo
- antes de tudo um Espírito, suas necessidades espirituais, o imperativo de seu
destino, de seus deveres, seu papel na criação e suas relações com os demais
seres devem, nessa ordem seriada de cogitações, primar sobre tudo mais.
Ora é precisamente esse aspecto
superior da natureza humana em relação com tais finalidades transcendentes, que
tem sido até agora - e agora mais que nunca - descurado. Seja
por indiferença atávica, ou sob a pressão das necessidades materiais imediatas,
que tolhem ao grande anonimato humano o tempo e os meios de cultivo espiritual
e interior o certo é que todas as atenções se acham concentradas na miragem da
vida presente. Cuida-se, em cada vez mais desenvolvida escala, da cultura física,
promovendo-se paralelamente - é certo - e estimulando-se o espírito associativo,
duplicado de uma educação social que, sobretudo na América do Norte, pela
elevação considerável do seu nível, constitui ponderável fator de ordem e de
solidariedade humana, tudo isso, porém, com acentuado cunho de imediatismo ou,
de todo modo, encaminhado a elevar o padrão da vida neste mundo a tão apurado
grau que torne dispensável a cogitação do futuro extraterrestre. O resultado é,
como por toda parte se observa, mesmo em as nações superiormente organizadas,
como a que acabamos de citar, essa intensificação de um individualismo
paradoxal, em meio das correntes modernas de coletivismo, tendente a absorver e
fundir no aglomerado, a que pertença, a personalidade humana. Individualismo do
pior quilate, porque, em troca de pequenas concessões individuais para o
bem-estar comum atual, não cessa
de contribuir para aprofundar as raízes, mal dissimuladas, do orgulho, pela
satisfação de si próprio, e do egoísmo, que se conserva intacto em sua
voracidade interior, os quais, com
a indiferença, que ainda é o grande mal dos corações, constituem a trilogia
funesta que infelicita o mundo e só pode, para salvação deste, que se perde,
ser vitoriosamente combatida pelo amor e a humildade.
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