domingo, 23 de março de 2014

Incompreendidos

Shakespeare


Incompreendidos
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Janeiro 1962

            Sobre a vida e a obra de William Shakespeare têm-se escrito bibliotecas em diversas línguas de cultura. Elevam-no hoje à culminância dos maiores filósofos e moralistas de todos os tempos. Ninguém soube pintar em cores tão vivas os vícios, as virtudes, as paixões e emoções humanas. Suas personagens tem vida vigorosa e arrebatadora. 

            Dentre os famosos escritores que escreveram biografias de Shakespeare destaca-se Victor Hugo, que lhe consagrou alentado volume de 350 páginas de formato grande, escrito em 1864, há quase cem anos, portanto. Desse livro de Victor Hugo colhemos preciosas informações sobre a campanha da ignorância e do ódio que foi movida durante mais de um século contra o poeta inglês que morreu em 23 de Abril de 1616, deixando sua obra em manuscritos, somente representada no teatro de seu tempo. O único livro que fora impresso nos últimos dias de vida do poeta, numa edição de trezentos exemplares, não teve aceitação. Dele só se venderam em 50 anos 48 exemplares e um incêndio em 1666 devorou os excedentes 252. Só mais de um século depois de sua morte, Shakespeare começou a ser compreendido e desde então vem crescendo sempre no conceito de todos os povos, e suas personagens, semelhantes aos deuses da mitologia, entraram para todas as literaturas como símbolos das paixões humanas, boas e más, como ideais a se alcançarem ou defeitos a serem corrigidos. Recentemente corria os grandes cinemas do Brasil uma de suas tragédias – “Otelo” - em grandiosa montagem feita na União Soviética. Porque três gerações de intelectuais combateram Shakespeare, conseguindo deixá-lo no olvido universal por mais de cem anos? E porque a Inglaterra foi o último país a compreendê-lo? Pois que ele só ressurgiu na Inglaterra quando já era cultivado em outros países. Seu êxito no palco desencadeou contra ele a inveja dos intelectuais de sua terra, e a geração seguinte, que não o conhecia, porque seus livros não haviam sido publicados, continuou o combate, por ouvir dizer, porque era moda combater sem conhecer. Foram apenas aqueles 48 exemplares salvos do incêndio que o revelaram ao mundo, porque chegaram a gerações mais adiantadas e sem preconceitos e despertaram o interesse pelos velhos manuscritos esquecidos, mas providencialmente conservados. 

            Fato semelhante está acontecendo com Allan Kardec. Combatido pelos intelectuais das igrejas e pela arrogância do materialismo universitário, Kardec é desconhecido em quase todas as grandes línguas do mundo, e nas três línguas em que são impressos seus livros - francês, português e espanhol- é mais lido pela gente simples; não teve ainda o apoio das igrejas e das universidades.

            O Espiritismo é tratado sem conhecimento algum, senão o do ouvir dizer - como simples superstição; mas isso não importa, porque as mesas girantes, que impressionaram a Kardec, já no ano de 371 (1433 anos antes do nascimento de Allan Kardec!) levaram à barra do Tribunal um médium chamado Hilário, que foi solenemente decapitado como feiticeiro. Devemos esta informação ao livro de Victor Hugo – “William Shakespeare” - página 94 da edição brasileira de 1944, da EPASA.

            Os fenômenos espíritas em que se baseia Kardec são de todos os tempos e é inevitável que terão de impor-se a toda a Humanidade e virá o dia em que a obra de Allan Kardec será estudada por toda a gente com o amor e o respeito com que se estuda a Bíblia.

            Por mercê de Deus, existem mais de 48 exemplares aguardando esse amadurecimento das inteligências para a universalização de Allan Kardec.

            Por enquanto o materialismo está dominando, mas virá afinal o desencantamento pelas conquistas puramente materiais, porque “nem só de pão vive o homem”. Ele tem anseios puramente espirituais, intuição de uma vida fora da matéria, e ressurgirão sempre as inquietantes interrogações sobre “o problema do ser, do destino e da dor”.

            Kardec pode esperar pacientemente, como está esperando o Evangelho, igualmente ainda incompreendido pelos “grandes” da Terra. Igrejas e universidades passarão, mas a Verdade eterna não passará.




Victor Hugo



Ismael Gomes Braga

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