Shakespeare
Incompreendidos
Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Janeiro 1962
Sobre a vida e a obra de William
Shakespeare têm-se escrito bibliotecas em diversas línguas de cultura.
Elevam-no hoje à culminância dos maiores filósofos e moralistas de todos os
tempos. Ninguém soube pintar em cores tão vivas os vícios, as virtudes, as
paixões e emoções humanas. Suas personagens tem vida vigorosa e
arrebatadora.
Dentre os famosos escritores que
escreveram biografias de Shakespeare destaca-se Victor Hugo, que lhe consagrou
alentado volume de 350 páginas de formato grande, escrito em 1864, há quase cem
anos, portanto. Desse livro de Victor Hugo colhemos preciosas informações sobre
a campanha da ignorância e do ódio que foi movida durante mais de um século
contra o poeta inglês que morreu em 23 de Abril de 1616, deixando sua obra em
manuscritos, somente representada no teatro de seu tempo. O único livro que
fora impresso nos últimos dias de vida do poeta, numa edição de trezentos
exemplares, não
teve aceitação. Dele só se venderam em 50 anos 48 exemplares e um incêndio em
1666 devorou os excedentes 252. Só mais de um século depois de sua morte, Shakespeare
começou a ser compreendido e desde então vem crescendo sempre no conceito de
todos os povos, e suas personagens, semelhantes aos deuses da mitologia,
entraram para todas as literaturas como símbolos das paixões humanas, boas e
más, como ideais a se alcançarem ou defeitos a serem corrigidos. Recentemente
corria os grandes cinemas do Brasil uma de suas tragédias – “Otelo” - em
grandiosa montagem feita na União Soviética. Porque três gerações de
intelectuais combateram Shakespeare, conseguindo deixá-lo no olvido universal
por mais de cem anos? E porque a Inglaterra foi o último país a compreendê-lo?
Pois que ele só ressurgiu na Inglaterra quando já era cultivado em outros
países. Seu êxito no palco desencadeou contra ele a inveja dos intelectuais de
sua terra, e a geração seguinte, que não o conhecia, porque seus livros não
haviam sido publicados, continuou o combate, por ouvir dizer, porque era moda
combater sem conhecer. Foram apenas aqueles 48 exemplares salvos do incêndio
que o revelaram ao mundo, porque chegaram a gerações mais adiantadas e sem
preconceitos e despertaram o interesse pelos velhos manuscritos esquecidos, mas
providencialmente conservados.
Fato semelhante está acontecendo com
Allan Kardec. Combatido pelos intelectuais das igrejas e pela arrogância do
materialismo universitário, Kardec é desconhecido em quase todas as grandes
línguas do mundo, e nas três línguas em que são impressos seus livros -
francês, português e espanhol- é mais lido pela gente simples; não teve ainda o
apoio das igrejas e das universidades.
O Espiritismo é tratado sem
conhecimento algum, senão o do ouvir dizer - como simples
superstição; mas isso não importa, porque as mesas girantes, que impressionaram
a Kardec, já no ano de 371 (1433 anos antes do nascimento de Allan Kardec!)
levaram à barra do Tribunal um médium chamado Hilário, que foi solenemente
decapitado como feiticeiro. Devemos esta informação ao livro de Victor Hugo – “William
Shakespeare” - página 94 da edição brasileira de 1944, da EPASA.
Os fenômenos espíritas em que se
baseia Kardec são de todos os tempos e é inevitável que terão de impor-se a
toda a Humanidade e virá o dia em que a obra de Allan Kardec será estudada por
toda a gente com o amor e o respeito com que se estuda a Bíblia.
Por mercê de Deus, existem mais de
48 exemplares aguardando esse amadurecimento das inteligências para a
universalização de Allan Kardec.
Por enquanto o materialismo está
dominando, mas virá afinal o desencantamento pelas conquistas puramente
materiais, porque “nem só de pão vive o homem”. Ele tem anseios puramente
espirituais, intuição de uma vida fora da matéria, e ressurgirão sempre as
inquietantes interrogações sobre “o problema do ser, do destino e da dor”.
Kardec pode esperar pacientemente,
como está esperando o Evangelho, igualmente ainda incompreendido pelos “grandes”
da Terra. Igrejas e universidades passarão, mas a Verdade eterna não passará.
Victor Hugo
Ismael Gomes Braga
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